ABAIXO TEXTOS - CRÍTICAS - ENSAIOS - CONTOS - ROTEIROS CURTOS - REFLEXÕES - FOTOS - DESENHOS - PINTURAS - NOTÍCIAS

Translate

quinta-feira, 6 de setembro de 2012

ENTREVISTA COM LUIZ ROSEMBERG FILHO





“ Há muito tempo sinto vergonha, por ter sido, mesmo que de longe, mesmo que de boa-fé, também eu, um assassino. Por isso, decidi recusar tudo aquilo que, de perto ou de longe, por boas ou más razões, faça morrer ou justifique que se faça morrer. “
ALBERT CAMUS

“AFEIÇÕES E DESENCANTOS “

1 – Por que o cinema e não as artes-plásticas, o jornalismo ou qualquer outro ofício?

r – Talvez o cinema por poder trabalhar com o imaginário sem a obrigação de estar fazendo a coisa certa. Você pode criar uma história nova tanto para o presente, como para o passado, ou mesmo para o futuro. O cinema se não é livre, criativo e poético vira televisão, clipe ou até mesmo publicidade. E aí é lixo, né? Infelizmente, lixo no sentido da criação. E no baixo uso do lixo quem defende e até goza, são os Partidos políticos, a TV e as religiões de resultado que já estão nas telinhas. É o horror virando mercadoria para consumo. Lamentavelmente temos que sobreviver e não posso condenar aquele que trabalha na publicidade ou na TV. O que eu me permito criticar é o sujeito fazer um cinema publicitário ou televisivo. Cinema nunca foi uma coisa, nem outra.
2 – O Cinema Novo ajudou ou atrapalhou a geração de vocês?

R – No início com “Deus e o Diabo”, “Vidas Secas”, “Os Fuzis”, “Terra em Transe”, “Matraga”, “O Bravo Guerreiro”, “Opinião Pública”, “O Padre e a Moça”... nos foi fundamental e referencial como abordagem e postura. Já o seu fim me parece assustador pois virou autoritário, patronal, burocrático e de direita defendendo até a polícia, o bufão do governador e até o prefeitinho sem carisma. Mas...como não defender ainda hoje Nelson Pereira, Glauber Rocha, Joaquim Pedro, Ruy Guerra, Leon? Ainda vivos com talento só resta o Nelson, o Ruy e o Capovilla. O resto a palavra já está dizendo. Pena pois poderia ter sido diferente pois inicialmente pareciam ser mais humanos e criativos. Viraram velhas cartas dentro do baralho mofado. Múmias, né? Tô me referindo aos poucos ainda vivos.

3 – Valèry dizia que “a arte vive de constrições e a morte de liberdade”. O que você acha disso?

r - Eu sou obrigado a concordar. Mas seria melhor viver de liberdade. Foi na mais ampla liberdade interna que se fez filmes como “Bang-Bang”, “Um Filme 100% Brasileiro”, “Jardim de Guerra”, “Perdidos e Malditos”, “A Mulher de Todos”, “A$suntina das Amérikas”... Jóias de um tempo de resistência real ao fascismo. Nossos filmes provavam que existia censura, entre outras coisas. Lamentavelmente o cinemão aliou-se ao poder,e o mercado e venceu. E hoje temos talvez o pior cinema do planeta. Claro que para os eternos baba-ovos, é a nossa Idade de Ouro. Só que fazendo m.... e apoiando as novas “otoridades” do circo Brazil! O que se pode esperar daí? Apenas espetáculos pobres e autoritários pois são vendidos como primorosos. Só que não se pagam na bilheteria. “Paraísos Artificiais” se pagou? E o novelão do “Heleno”? Vive-se na verdade um “cinema” de pilantragem! Mas talvez se descubra no Brasil, via TV aliada a publicidade um novo ciclo: o da pilantragem!

4 – O cinema e a imagem eletrônica podem ter a mesma força?

r - O cinema é hoje a mão direita da comunicação. Já a imagem eletrônica é uma rica possibilidade de oposição ao fascismo que volta a dominar o mundo, e por tabela o cinema. Mas...nunca fiquei preocupado com isso. Sempre achei que a técnica sem a história ou a poesia, só pode reproduzir a ideologia dominante. E para ver m... eu fico em casa tentando ver a TV. E que talvez seja uma droga muito pior que o crack ou a cocaína. Dopa sem questão alguma. Mas a não questão é a questão fundamental da dependência. E convenhamos: toda droga não é um instrumento bélico a serviço do capital e da ordem? E porque nunca se fala que a TV sendo uma droga, serve ao poder e as religiões?

5 – O que mais o incomoda na constante acrobacia dos financiamentos?

r – A burocracia e o fascismo que se esconde nela. As comissões. Os patético Editais. A arrogância dos “podres poderes” da República. A eterna pilantragem das verbas públicas, dadas sempre as mesmas múmias e seus filhotes, desde 64... Ou seja, nunca muda nada. Mudar para quê, né? Não acham as múmias que o nosso cinema vive numa Idade de Ouro? Mas fazendo o quê? Curiosamente todos os filmes se parecem, saído da fornalha da Globo. E existe algo mais nocivo e hipócrita que a Globo no cinema? Tudo e todos reflexos da pilantragem patronal. Lixo, né?

6 – Já mais velho, você sente saudades de algum outro momento do passado?

r – Eu nunca gostei de viver de passados. Reconheço o seu valor, mas fui adiante com mais de 40 trabalhos. Queiramos ou não, o progresso nos impulsiona para o futuro. A questão é: como será ele? Como se representará “Antígona” ou mesmo Strindberg? Como será vivido o humano no ano 3001? Terá tido fim a pobreza das nações? E as guerras terão terminado? Mas... sinto falta sim dos velhos amigos que me foram fundamentais como Mario Carneiro, Echio Reis, Nelson Dantas, Renato Coutinho, Joaquim Pedro, Novais Teixeira, Glauber... Sinto muito pelos que se foram. Os melhores, né? Vive-se hoje, aqui nessa falsa Idade de Ouro, um vazio assustador. Uma multiplicidade de fascismos incivilizados e bárbaro. Tenho nojo de ver essas múmias nos piores jornais do planeta, ou na TV. Estão lá bostejando as suas arrogâncias. Na verdade porcos no chiqueiro das elites.

7 – Você foi muito criticado por pessoas próximas, por ter defendido filmes de alguns cineastas odiados pelos mais jovens. Como você justificaria isso da tua parte?

r - Errei, né? Errei em ter defendido dois filmes do Cacá, e que vistos algum tempo depois, meus críticos estavam com razão: eram filmes fracos! E de certo modo, sempre foi um cineasta menor. Até escrevia direitinho, mas filmava mal. Mas...quis ser cineasta e sempre teve cobertura na burocracia e nas verbas palacianas. Mas nem por isso tornou o seu cinema referencial como Glauber, Rogério ou Joaquim Pedro. Já o Jabor tem pelo menos três filmes que eu gosto muito: “O Circo”, “Opinião Pública” e o “Tudo Bem”. Mesmo a sua “Suprema Felicidade” que é não é um grande filme, tem lá suas pequenas qualidades. Não me arrependo de tê-lo elogiado, e não é um Cacá, né? E eu não misturo o Jabor cineasta com o jornalista de um jornal conservador, ou reacionário como queiram. Ele é bem melhor que o jornal em que escreve. Mas mesmo como jornalista quando escreve sobre cinema é bom. Já quando escreve sobre política, deixa lá os seus furos.

8 – O que você acha de ser colocado pelos críticos Jairo Ferreira e Fernão Ramos, como sendo um cineasta do Cinema de Invenção?

r - Me creia, eu nunca me preocupei com isso e sempre fui contra clubinho fechado. Glauber em Paris ficava puto comigo por eu não me achar fazendo parte de grupelho algum. Essa divisão foi a maior imbecilidade de todos os tempos pois só fortaleceu o mercado, e deu no que deu. E claro que somos todos responsáveis! Na verdade não se estava lutando por um cinema mais ousado e criativo, e sim pelo poder. É curioso mas a moda pegou e agora tem um novo clubinho do Cinema de Garagem. Qualquer dia vamos ter o Cinema dos Cemitérios! E os coveiros estão a cata de novos defuntos para que possam justificar os seus salários.

9 – Que filmes e cineastas te marcaram mais?

r - Filmes são muitos e não poderia apontar só: “Persona”, “O Ano Passado Em Marienbad”, “Mãe e Filho”, “O Leopardo”, “Pierrot Le Fou” ou “Terra em Transe” pois o número é muito maior. Fico então com os seguintes cineastas, lá fora: Welles, Godard, Bergman, Visconti, Kubrick, Resnais, Losey, Wajda, Sukurov, Straub, Bertolucci, Rivette, Nicholas Ray, Antonioni, Rossellini, Pasolini, Tarkowski.... Aqui dentro: Glauber, Santeiro, Joaquim Pedro, Tonacci, Joel Yamaji, Ana Carolina, Coutinho e a garotada furiosa que está chegando e que são originalíssimos. Poderia citar o Abelardo de Carvalho, Leonardo Esteves, Marcelo Ikeda, Ruan Posada, Joel Pizzini, Arthur Frazão, Isabel Lacerda, Fabio Carvalho... Claro que me refiro as pérolas da resistência ao nosso eterno fascismo.

10- Por que você ultimamente resolveu falar de você, e se apresentar como personagem e até ator?

r – Eu não sou, nem nunca fui ator. Quanto ao personagem, é interessante você se observar no Outro, sendo uma imagem sem representação alguma. Me observo um pouco como se estivesse diante do analista. E é curioso se observar sem nenhum tipo de máscara ou representação. E o que fiz foi uma espécie de cine-diário. Aos 70 posso fazer o que bem entendo. E não tô fazendo com dinheiro público, e sim com o apoio de doces amigos que me acompanham desde a juventude. E não me arrependo de nenhum filme feito. Talvez se tivesse um pouco de dinheiro poderia os ter feito melhor. Mas como nunca fui baba-ovo da burocracia e do poder, fiz o que pude do nada. E sempre com muito cuidado para não virar múmia para o programa do Amaury Jr ou espetáculo para a TV.

Nenhum comentário: