Roteiro de um curta de 14 a 21 minutos
Dois a três minutos de imagem por página escrita
Primeiro Tratamento.
Escrito por Jose Sette
Férias
As nuvens passam ligeiras no céu azul acinzentado. No mar as ondas quebram e se agitam. No rosto molhado de Artur a expressão do desespero:
- Eu sempre achei que eu era alguém, hoje vejo que sou ninguém, matéria do caos, nada mais do que pó espalhado nas cinzas de um vulcão que se torna extinto. Não sofro a angústia dos abnegados, dos conformados. Já não preciso do aplauso dos contentes desconhecidos e dos amigos descontentes. Alimento-me de sonhos utópicos, só hoje pude perceber isso...
O Rosto de Artur está agitado, tenso.
- Eu não estava só! Sei o que é a solidão. Trabalho dia e noite sem descanso. Obcecado não consigo retirar da minha cabeça as ferramentas da criação e da arte, que neste dia se mostrava confusa, se repetia, se embaralhava, não resistia a uma crítica sincera, não me dava mais prazer...
- Na minha cabeça passava um anúncio de um sujeito bebendo uma cerveja na garrafa. Ai, eu pensei: Seria bom se a boa arte viesse engarrafada, era só abrir e beber.
Roxane da à mão e ajuda a Artur a sair das águas revoltas. A expressão do rosto molhado de Artur vai ficando mais suave e chega a sorrir quando ele conclui o seu pensamento
- Essa imagem da arte engarrafada não me saia da cabeça - a imagem do mundo contemporâneo! Imaginei que estava enlouquecendo...
O rosto de Artur de olhar lânguido está sereno e seco
- Procurei imediatamente um psicólogo, pois passei a somatizar os meus desejos em todas as garrafas... – você precisa sair de férias, disse-me ele, descansar e andar sem pensar em nada, totalmente zen, pela praia deserta, pode até ser na Polinésia...
Roxane olha para Artur
- Foi aí que encontrei você... Eu vinha andando pela praia deserta quando lhe vi saindo cansado do mar e preocupada me aproximei oferecendo ajuda e só ai eu vi que você estava bem...
- Não estava nada bem... Sou-lhe grato por isso... Você sabe me informar se estamos muito longe da pousada? Perdi o senso de orientação e me afastei sem me preocupar em voltar...
- Um pouco longe, o senhor vai dar uma boa caminhada para chegar lá antes do anoitecer. Mas não se preocupe que te acompanho até a pousada e no caminho paramos quando estiver cansado...
- Obrigado, mas não me chame mais de senhor... Eu sou Artur e você?
- Roxane...
- Roxane, parece-me que nos conhecemos, eu tenho quase certeza disso. Você gosta de poesia?
- Gosto muito, já li a Divina Comédia...
- É como disse Caronte antes de atravessar Virgílio e Dante pelo rio: - Aqui parado eu já posso lhe dizer como cheguei, depois de atravessá-los, andando pelo mundo, podem escrever os nossos destinos.
- Isto está do livro?
- Não, eu inventei.
- Então vamos Artur! Vamos andar mais um pouco?
A praia deserta de areia branca. Os dois caminham com lentidão. Artur gesticula enquanto fala. Andando mais devagar, mostrando cansaço, Artur segura o braço de Roxane...
- Essa região é ainda uma das poucas preservadas... Aqui se toma banho de mar sem sair envenenado pelas águas pestilentas que banham toda a costa ...
- Eu sei, sou bióloga, luto contra tudo isso, esse também é o meu lugar predileto, uma pequena mostra do que era o paraíso, só aqui me sinto bem.
- Ora, mas que coincidência!... Uma jovem bióloga de férias para me fazer companhia. Estou encantado. Temos muito que conversar...
- Sim!... Mas agora vamos andar um pouco mais, estamos longe e não quero deixar a noite chegar.
- O que você carrega nesta mochila?
- Roupas, um cobertor e uma pequena barraca...
- Pra que tudo isso?
- Eu ia acampar antes de encontrá-lo...
- Não modifique seu passeio por minha causa, eu posso chegar sozinho de onde vim.
- O caminho de volta é longo e vai ser um prazer... Vamos andando?
- Aceito a sua companhia se você me permitir parar para conversar de vez em quando.
Roxana sorri e os dois continuam a lenta caminhada pela praia deserta.
- Você sabe o que eu estou pensando agora? ...
- Não! ... Fala!
- Falo! (sorri) Mas tenho medo de não ser entendido por você.
- Sou formada em defesa pessoal, sei me defender...
- Magrinha desse jeito?
- É isso que você tinha medo de dizer?
- Dizer o quê?
- Que eu sou magrinha (sorri).
Os dois param de andar.
- Quero lhe dizer é que faz muito tempo que eu não me sinto tão bem... Há pouco tempo o mundo, este paraíso que torno a ver em toda a sua exuberância, não tinha o menor valor...
- Isto é um elogio ou uma constatação?
- Estou me sentindo um garoto que descobre a vida no olhar de uma menina que ele acabara de conhecer. Pronto disse o que verdadeiramente sinto...
- Fico lisonjeada com essa energia de vida que acabei lhe passando...
- Espero não estar abusando da sua paciência e zelo com esse velho desconhecido, mas é que nele se opera um milagre...
- Sou paciente quando me aproximo do desconhecido; do que me parece oculto e ao mesmo tempo inteligente. Um artista que quis mudar de mundo, sabendo que essa operação não seria um milagre mas uma conquista de trabalho político-biológico da natureza do homem que é se transformar para conquistar uma nova vida...
- Só posso lhe dizer obrigado... Meus Deuses de Acrópoles! Não tenho mais palavras, você me surpreende a cada momento desta travessia. Tenho tantas coisas para falar e tantas outras para perguntar...
- Temos muito tempo para conversar, mas agora vamos andar um pouco mais?
- Sim..., um pouco mais.
Andando a beira mar Artur não pára de falar.
- Você está cheia de razão. A pouco não consegui misturar o meu corpo com as turbulências das águas do mar e precisei quase me afogar para encontrar você ali esperando por um ser que nunca conseguiu dominar ou se equilibrar nessas ondas...
- Os humanos são um dos poucos mamíferos que controlam a própria respiração e é um dos poucos animais terrestres que respiram tanto pela boca quanto pelo nariz.
- Porque pensam com inteligência!
- As águas são nossas amigas, não tenha medo do mar Artur ele é o avô de toda a natureza.
- Os animais, quando jovem, nadam melhor e mais rápido, mas os velhos animais quando mergulham tendem a se afogar...
- Quando um bebê acaba de nascer, já tem uma incrível capacidade de mergulhar! Somente animais aquáticos ou semi-aquáticos já nascem sabendo mergulhar. Você não ia se afogar...
- Eu sei que não... Imagine se eu ia perder tudo isso que está me acontecendo... Roxane me fale mais de você.
- A Ciência do Mar é o meu trabalho. O meu grande amor. Pesquisar as formas de vida animal, vegetal, das formações geológicas, correntes marítimas, nível das águas, marés, é o destino que me está reservado.
- O mar é o seu grande amor... Que coisa romântica para uma menina cheia de vida. Não existe em você outra vida, mais social, festas e namorados...
- A vida aquática é mais rica e variada que a vida terrestre. Eu atuo na sua preservação, nada é para mim mais importante hoje no mundo, eu viajo sempre, nunca estou em um só lugar, assim não existe tempo para namorar.
- Roxana, eu estou cansado, podemos parar um pouco? Preciso descansar...
Artur senta-se na areia enquanto Roxane mergulha nas ondas e nada com uma naturalidade como se estivesse em seu meio. Artur a observa com toda a sua atenção e mostra-se preocupado quando seu corpo passa um longo tempo submerso sob as ondas.
- Diz à ciência que nós humanos evoluímos a partir dos macacos que desceram das árvores, adotaram uma postura ereta, aperfeiçoaram-se biologicamente até chegar ao ponto que hoje estamos. A mulher é a imagem viva de tudo isso, digna e pura, é arte bela e perfeita de toda essa revolução biológica. Que mistério extraordinário provocou está radical transformação?
Roxane sai da água e se aproxima de Artur que esboça um sorriso.
- Fiquei preocupado com você enfrentado e sumindo entre as ondas bravias...
- Artur, enquanto nadava eu pensava que não seria melhor eu ir até a pousada e pedir uma ajuda?
- Eu te peço que não faça isso, não preciso de ajuda nenhuma, já te disse que há muito tempo não me sinto tão bem... Vamos continuar o nosso passeio.
Artur levanta-se da areia e faz uns exercícios mostrando a sua disposição.
- OK Artur! Você me convenceu, vamos continuar no nosso caminho...
- Você sabe o que está acontecendo aqui? Em alguns momentos, me parece ser uma ficção, um filme, um texto sendo escrito, um poema que surge como uma sinfonia e me deixa encantado, é como se eu vivesse um paraíso, uma espécie de déjà-vu do cinema americano da década de 50. Mas isso não é do seu tempo...
- Não é do meu tempo, mas os filmes estão ai para serem vistos e eu os assisto todos. Adoro cinema. Assisti faz pouco tempo alguns clássicos do cinema americano, mas do passado o que eu mais gostei foi do cinema italiano, eu esqueci de te dizer mas eu também amo a Itália.
- Eu também amo a Itália, mas gosto mais do cinema expressionista alemão, da estética japonesa, da vanguarda francesa e dos gênios do cinema americano... Mas não vamos falar do passado, quero viver o futuro, o novo mundo! Só ele pode ser moderníssimo.
- A primeira coisa que você me disse é que já não gostava do que fazia...
- Sentia que nada que eu havia feito ou viesse a fazer fazia algum sentido...
- Mas como você pode pensar isso..., o simples fato de estarmos andando em uma praia deserta, momentaneamente, um só instante em uma fração do tempo, em qual sentido supera a obra, que é um pensamento que tende a ser constante?
- Em nada, eu sei, o um faz parte do outro...
- E não está sendo agradável aos sentidos estarmos aqui agora?
- Você deve ser um anjo?
- Não sou nada!
- Uma mulher de outro planeta?
- Não! Simplesmente uma mulher defensora do que está ainda vivo...
- Eu estou vivo?
- Só você pode responder a essa pergunta...
- Nunca conheci uma mulher assim... (Artur resmunga baixinho)
- Olha o céu Artur, o azul é mais azul quando o dia chega ao fim, assim temos que aumentar nossos passos para chegarmos a tempo na pousada...
Artur e Roxane aumentam os passos na sua caminhada nas areias da praia deserta. Artur começa a suar e a mostrar profundo cansaço.
- Roxane nós temos de parar um pouco, preciso descansar...
- Vamos sentar ali naquela árvore e aproveitar de sua sombra.
- Puxa Roxane se você quer me dar vida não me faça correr novamente.
- Desculpa-me Artur, mas precisava saber se poderíamos chegar à pousada antes do anoitecer, mas vejo que você não vai conseguir, vamos ter que passar a noite aqui...
Roxane abre a sua mochila e de lá retira um facão e um cantil. Artur se assusta com a lâmina afiada brilhando na luz amarelada do sol.
- Artur bebe um pouco desta água que eu vou catar lenha para uma fogueira...
Roxane embrenha-se na mata fechada enquanto Artur bebe no cantil e tenta se levantar mas não consegue.
Artur está contemplando o por do sol quando Roxane retorna com vários feixes de lenha seca. Artur levanta-se com dificuldade para ajudá-la. Eles montam a barraca e preparam a fogueira.
O sol se põe enquanto formam-se nuvens carregadas no horizonte. Roxane senta-se do lado de Artur e pega na sua mão.
- Não tenha medo eu estou do seu lado...
- Só tenho medo de que esse tempo de felicidade passe muito rápido.
- Só o espaço é findo, o tempo é eterno e o resto é besteira...
Os dois em silêncio olham para o mar. A noite chega e Roxane levanta-se para ascender à fogueira.
- Sabe Artur no que eu estou pensando é que esta noite vai fazer frio e só tenho um cobertor...
- Eu já sinto um frio terrível...
- Você jogou a sua roupa na areia e eu peguei...
Roxane abre a mochila e entrega as roupas de Artur que imediatamente põe-se a vesti-las. Depois ela retira o cobertor e enrola-se nele.
- Você está com fome? Tenho aqui duas barras de cereais, você quer?
Artur faz um gesto afirmativo com a cabeça. Roxane senta-se ao seu lado e lhe entrega uma barra e passa a comer a outra. Artur mal consegue comer um pedaço.
Roxane levanta-se e vai para o lado da fogueira se esquentando. Retira o cobertor e o biquíni molhado vestindo uma blusa e uma calça de moletom. Artur olha com avidez a cena.
- Como você é linda Como você me inspira com sua beleza pura!Tenho vontade de retratar esse momento para sempre. Como eu estou feliz ao seu lado!
- Eu também estou feliz em estar aqui...
Na frente da cena o mar.
No céu de um azul profundo quase negro pipocam relâmpagos.
Roxane deixa Artur passar a mão pelo seu corpo. Artur sente um imenso prazer. Como quem vai dormir ele escorrega lentamente a sua cabeça para o colo de Roxane.
Começa a chover e a chuva encharca os dois que permanecem na mesma posição durante algum tempo. A fogueira se apaga. Tudo escurece ao azul profundo.
O sol acorda no horizonte azul amarelado, não há nuvens no céu.
Na praia está o corpo morto de Artur. Ele está sozinho deitado de lado na areia branca e límpida do paraíso.
Atrás da cena mórbida está a pousada.
Um carro de luxo estaciona na frente da recepção.
O motorista abre a porta do carro e dele saem finamente vestidos Artur e Roxane. Ele nervoso segura Roxane com firmeza pelo braço, olhando-a com expressões faciais sérias e com um charuto na boca compõem as máscaras da tragédia gregas. Roxane ao contrário de Artur, anda como se desfilasse e demonstrando deslumbramento sorri com falsidade para o nada. Os dois, depois da cena teatral, entram na pousada.
FIM
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