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quarta-feira, 19 de maio de 2010

ENTREVISTA

Marcelo Gleiser é autor dos livros Retalhos Cósmicos, A Dança do Universo e O Fim da Terra e do Céu: o Apocalipse na Ciência e na Religião. Gleiser tem o dom de tornar palatáveis as mais complicadas teorias da física quântica ou da astrofísica. Ele concedeu entrevista ao repórter Hebert França, da editoria de Ciência, Tecnologia e Meio Ambiente da Agência Brasil, em que fala de seus livros, de ciência, de religião e de jornalismo.

C&T - Em seu mais recente livro, O fim da Terra e do Céu: o Apocalipse na Ciência e na Religião, você mostra de que forma religião e ciência respondem questões que afligem o homem há séculos. Hoje, como a religião interpreta os avanços científicos?

Gleiser - Historicamente a relação entre ciência e religião é conflituosa. Principalmente, porque a ciência sempre aparece como sendo a usurpadora do território da religião. Exemplo famoso foi quando Galileu começou a dizer que a Terra gira em torno do Sol. A igreja não gostou porque as escrituras sagradas diziam justamente o contrário: a Terra está fixa e o sol gira em torno dela. Sempre houve essa dificuldade de comunicação entre ciência e religião. A coisa não muito mudou muito nos últimos tempos, em função do extremismo religioso como o dos evangelistas. Nos EUA, existe um movimento, o criacionismo, que nega qualquer uma das descobertas da Teoria da Evolução de Darwin – da qual nos evoluímos do macaco – e também a teoria do Big bang, da cosmologia moderna sobre a criação do universo há 14 bilhões de anos. Os seguidores dessa seita tentam se infiltrar nas escolas e retirar esses temas do currículo. Segundo esses extremistas a Bíblia deve ser interpretada literalmente.
No livro, O fim da Terra e do Céu, tento mostrar que é possível uma convivência harmoniosa entre o que prega a religião e o que a ciência postula. A ciência deve muito a religião, algumas de suas preocupações são originárias da religião. Eu sempre falo do problema das três origens – universo, vida e mente – e para cada uma delas havia uma explicação na religião e hoje esses são assuntos puramente científicos. No livro, mostro como as idéias de fim do mundo, tão recorrente em todas as religiões, seja de um fim para ter outros começos ou do fim de tudo mesmo, passaram a fazer parte da ciência. O Apocalipse de João, último livro do Novo Testamento, descreve o caos cósmico – estrelas caem do céu, o Sol fica negro – como a ciência fala das conseqüências de uma colisão da Terra com um asteróide ou cometa. Exploro paralelos entre ciência e religião porque sei que esses são temas de interesse geral e nesse processo, tento ensinar o que a ciência está dizendo.

C&T - Por que, mesmo a ciência tendo respostas para muitas das questões, a maioria da população continua recorrendo à religião?

Gleiser - Essa é uma questão mais da psicologia da religião do que qualquer outra coisa. A resposta da religião é passiva, ela vem sob a forma de dogmas. A religião lhe promete muito. Sendo você uma pessoa religiosa, honesta, justa, e assim mesmo sofrendo privações nessa vida, as religiões (em especial as três monoteístas: judaica, cristã e muçulmana) garantem que você será recompensado. Algo como o paraíso para os cristãos. É uma proposta tentadora e sedutora para as pessoas encararem a vida. Todas as grandes questões estão respondidas e se você se comportar moralmente será recompensado, mesmo que sua vida hoje seja difícil. Já a ciência, argumento nesse livro, oferece uma autonomia à pessoa. Mas para isso a pessoa tem que pensar, não é um receptáculo passivo de informação, tem que ir a luta. Tem que ler, interessar-se e também acreditar na nossa capacidade racional de lidar com questões mais profundas. Concordo que é mais fácil acreditar numa realidade sobrenatural do que num esforço racional de se integrar no mundo. Mas você não precisa aceitar todas as verdades por meio de uma revelação divina. Parte do trabalho de divulgação científica é mostrar que a ciência pode preencher espaços na vida emocional das pessoas, isso sem tirar a religião delas.

C&T - Como trazer a ciência para a vida das pessoas?

Gleiser – Por intermédio das escolas. A educação científica deve começar no nível primário com aulas interessantes, motivadoras e mesmo cativantes. Com professores que tenham paixão pela ciência. As pessoas aprendem quando se interessam pelo assunto e para isso acontecer necessitam de motivadores, alguém que passe a informação de forma interessante, quase que apaixonada. A ciência é melhor aprendida quando se encaixa na vida das pessoas. Os professores devem tratar de coisas que estão próximas dos alunos. Exemplos: Por que as coisas caem? O que é o arco-íris? Por que quando as coisas ficam vermelhas quando quentes? Além da educação, também a divulgação cientifica, por meio dos veículos de informação, tem sua função nesse processo de transmissão do conhecimento. Entretanto, o espaço para divulgação científica no Brasil é muito pequeno. Algumas revistas brasileiras o fazem bem, apesar de vez por outra abordarem temas mais esotéricos que científicos. Para o jornalismo científico, a linha entre tornar a informação interessante e fazer sensacionalismo é muito sutil. O maior problema da divulgação científica no país é a televisão, onde praticamente não há jornalismo científico. Os poucos programas nessa linha ou passam em horários alternativos, tipo 7 horas da manhã, ou então em tevê a cabo. Por melhor que seja a vendagem de um livro, jamais conseguirá a mesma repercussão de uma programa de televisão. O tipo de penetração é muito diferente e infelizmente falta muito para a tevê brasileira nessa área. Há modelos para tornar a ciência algo interessante e rentável para a televisão, só que eles não estão sendo explorados?

C&T - A falta de interesse do telespectador por ciência está relacionada com a forma como a ciência nos é apresentada na escola?

Gleiser - Quando as pessoas vêem alguma notícia de ciência se questionam: para que eu preciso aprender essas coisas?. Para que aprender física, química se eu vou ser advogado?. O que não se percebe é que a ciência faz parte da cultura da humanidade. Ela forja toda uma visão de mundo e as pessoas se esqueceram disso. Até 1600, todo mundo achava que a Terra era o centro do universo, quem mudou isso foi a ciência Essa mudança de perspectiva, de posicionamento do homem perante o universo acarretou em várias coisas diferentes: influenciou a pintura, a literatura, o pensar sobre o mundo. O impacto da física Newtoniana perdurou por três séculos na Europa. O absolutismo, o racionalismo, o iluminismo, vieram de Newton. Da sociologia a psicologia, tudo tinha que estar baseado nas teorias de Newton. As pessoas esquecem que essas revoluções do pensamento vieram da ciência. Ela não gera só aqueles caras estranhos de laboratório, que falam de coisas como ir para a lua. A ciência gera visão de mundo. Hoje, qualquer um sabe que a Terra não é o centro do universo – pelo menos é o que eu espero.

C&T - Na sociedade moderna essa situação mudou. O cidadão de nosso tempo tem a real medida da importância da ciência?

Gleiser - A revolução que se deu no século XX, com a relatividade, a física quântica, ainda não foi passada de maneira concreta para a sociedade. Pouquíssimas pessoas sabem que o Sol é uma estrela, entre bilhões de outras estrelas, nessa nossa galáxia, a Via Láctea, que também não é única e que todas essas galáxias estão se afastando uma das outras, o Universo está em expansão. A visão de mundo é ainda uma coisa estilizada. A questão da ciência como geração de cultura, de visão de mundo, de valores não é transmitida com freqüência na educação. O pessoal aprende ciência por decoreba, tipo se misturarmos carbonato de sódio com não sei o que, tem uma precipitação verde. É uma coisa muito separada do resto mundo.

C&T – Como você imagina que isso possa ser alterado?

Gleiser - Na Universidade de Dartmouth College, ministro uma disciplina, Entenda o Universo e a Física através dos tempos, que foi apelidada de Física para poetas, em que não há nenhuma equação. Falo da história da física como sendo um processo de descoberta do homem. Qual o lugar do homem no universo? Como isso foi acontecendo? Falo dos gregos, da Idade Média, da Renascença, sem nenhuma equação e termino no big bang, buraco negro, mecânica quântica, nas últimas idéias. Uso só de analogias, demonstrações em aula, experiências feitas ao vivo, mostro como as coisas funcionam. O curso é direcionado a alunos de qualquer área, que não cientista. Mas o curso está tão interessante que até os cientistas estão fazendo também. É muito raro os cursos oferecerem essa visão global da ciência. Nas escolas, a mecânica, a química orgânica, a química inorgânica, a biologia são vistas separadamente, não adquirimos a noção geral de ciência.

C&T - E dos temas atuais de ciência e tecnologia, como a clonagem, a mídia os tem tratado de forma correta?

Gleiser - Acho que a mídia nacional, como as de outros países, com poucas exceções, ainda tem problemas com aquela linha divisória, a qual já me referi, entre a ciência de forma clara e honesta e o sensacionalismo. Confundem os conceitos para criar a sensação, vender o jornal, aumentar a audiência. Exemplo claro é a confusão que fazem entre clonagem e as pesquisas usando células tronco. São duas coisas completamente diferentes, mas dá forma que são expostas todos acabam acreditando que fazer pesquisas com células tronco é a mesma coisa que clonar um ser humano. Contudo, ao conversar com os pesquisadores envolvidos com células tronco você verá que eles não têm o menor interesse em clonar um ser humano. O objetivo dessas pesquisas é desenvolver tecidos e órgãos a serem utilizados em transplantes ou enxertos que podem salvar a vida de milhões de pessoas. Isso não tem nada a ver com criar monstrinhos de laboratórios, fazer algo semelhante ao livro Admirável Mundo Novo, de Aldous Huxley, em que os humanos são classificados entre alfas, betas e gama de acordo com suas capacidades intelectuais e físicas. Está aí a importância do jornalista cientifico e do divulgador científico, cientista ou não, esclarecer questões como essa. Como hoje o acesso a informação está muito facilitado, revistas jornais, rádio e principalmente internet, também a possibilidade de informações incorretas aumentou. É o que eu chamo de desinformação. O jornalista científico, o professor, o educador e os pais com conhecimento em ciência que vão transmitir essas informações devem fazê-lo de forma consciente, para que esse acesso enorme a informação não seja uma perda de tempo. Essa é a minha cruzada, usando um termo religioso, aumentar a conscientização das pessoas com relação a importância da ciência na vida delas e da ciência no processo democrático do pais.

C&T – Qual o papel do jornalista científico nesse processo de conscientização da população?

Gleiser - Hoje em dia não podemos separar a ciência da vida das pessoas. Até há 150 anos, a ciência tinha um impacto mínimo na vida das pessoas. Hoje, isso não é mais verdade, dependemos de energia, de medicina, de telecomunicações e de onde vem tudo isso. Os cientistas começam, os engenheiros aplicam, mas tudo isso vem da ciência, Quando começa o racionamento de energia refletimos que não podemos continuar dependendo tanto de energias fósseis. Mas para que isso aconteça precisamos ter planejamento, pesquisa básica. Para que o cidadão cobre de seus representantes políticos a elaboração de projetos com fins científicas e tecnológicas é necessário que esteja bem informado e são os divulgadores científicos que ascendem essa lâmpada na cabeça das pessoas, as educa sobre o que está acontecendo em ciência e ajuda nesse processo de democratização. Quem resolverá se podemos fazer pesquisas usando células tronco? A igreja? Esse deve ser um processo democrático, e os representantes políticos que você escolheu é que decidirão sobre essa política que transformará a sociedade. Garanto que daqui a vinte anos o mundo será completamente diferente do que é hoje. Assim como é diferente do que era há vinte anos. Há sete anos não havia internet, era outro mundo. Ponto com, ponto br, não existia. Hoje estamos cercado disso, quem não aprender ciência ficar ápara trás.

C&T - E o jornalista científico precisa necessariamente ser um cientista?

Gleiser - Essa é uma questão complicada. Acho que o jornalista da área tem que se educar cientificamente. Não é necessário ser físico, um biólogo, um químico, mas precisa ler sobre o assunto, tem que ser competente nessa área. Para tocar uma música, não é necessário ser um compositor, mas precisamos saber um pouco de música para tocar um instrumento. Não é necessário ser cientista para falar de ciência, precisa saber sobre. No Brasil, existem vários cursos de jornalismo com especialização em ciência. Regularmente recebo mensagens de alunos falando sobre teses nessa área. O jornalista que quer atuar na área tem que se educar. Assim como o professor de ciências tem que saber, tem que estar interessado, entusiasmado. As editorias de ciência devem ser levadas mais a sério e suas vagas preenchidas por profissionais qualificados e não por sobras de outras editorias.

C&T – Indo para o outro lado, os cientistas estão dispostos a falar ao público, a divulgar suas pesquisas?

Gleiser - Há quinze anos não havia divulgação científica. Lembro do José Reis e do Ronaldo Rogério de Freitas Mourão, um astrônomo. Era raro o cientista falar para o público, mas isso está mudando. Sou editor científico de um coleção, a ser lançada no próximo ano, em que convidei 18 cientistas brasileiros para fazer a biografia de grandes cientistas: Darwin, Einstein, Newton, Oswaldo Cruz, Carlos Chagas. Projetada para o público adolescente e jovem adulto, os seis volumes iniciais devem ser lançados na Bienal do Livro de 2002. A receptividade dos cientistas foi incrível, todos gostaram da idéia, o que mostra que os cientistas querem fazer isso.. O professor Ricardo Ferreira, da Universidade Federal de Pernambuco, pessoa importante da pesquisa genética do país, está escrevendo sobre Watson-Crick e o modelo do DNA. O Ronaldo Rogério está escrevendo sobre Kepler e Copérnico. Esse negócio de que a comunidade científica vê com maus olhos as pessoas que fazem divulgação científica, porque comprometerão o significado da ciência é coisa do passado. Os grandes cientistas, com poucas exceções, fizeram divulgação científica. O primeiro deles foi Galileu, ele era o esperto, escrevia em italiano enquanto todos os outros cientistas escreviam em latim, que era a língua da igreja e lida só por aqueles que tinham formação teológica, uma coisa muito elitista. Escrevendo em italiano outras pessoas poderiam ler seus livros, escritos também de forma acessível. Além dele, também Newton, Einstein se preocuparam com divulgação científica Eisntein, não é uma novidade. Os cientistas começaram a perceber que fechados nos laboratórios e nas universidades, se afastarão da sociedade, que é quem paga a ciência. Estão percebendo a importância de contar para as pessoas o que é ciência, inclusive como forma de garantir o orçamento das pesquisas.

C&T - E para o futuro, algum novo livro?

Gleiser - Atualmente, estou me aventurando a fazer coisas diferentes. Comecei a escrever, em parceira com minha esposa, um livro de contos. Apesar de os livros de divulgação científica serem de não ficção, em meu último livro, O fim da Terra e do Céu, coloquei alguns textos ficcionais. No capítulo seis, por exemplo, em que falo sobre buracos negros, descrevo uma viagem ficcional de um explorador do espaço que passa por dentro de um buraco negro. Ninguém nunca passou dentro de um buraco negro e a ciência que estuda essa parte é um pouco incompleta, por isso resolvi mexer um pouco com a ficção, novamente com o objetivo de atrair as pessoas para a ciência. Esse novo projeto aborda a vida de Kepler, personagem que considero chave para a ciência, ele foi a ponte entre o antes e o depois. Ainda não decide se será escrito em primeira pessoa, como se fosse suas memórias, ou haverá um narrador que conta a história como se a estivesse vivendo, no século XVII. Depois pretendo voltar à divulgação científica. Estou com a idéia de escrever um livro chamado O livro da Natureza, que em vez de falar de coisas muito extratosféricas, tipo buraco negro e big bang, fala de coisas aqui do mundo. Como é que chove? Por que o céu é azul? Como é o arco-íris? Como a água ferve? Será dividido nos quatro elementos dos gregos (terra, fogo, água e ar) e em vida. O importante é que vou continuar a fazer divulgação científica.

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