UMA
BAILARINA CHAMADA IZABEL COSTA
Por Márcia Mendonça
O local para a entrevista não poderia ser mais
adequado: seu estúdio na Serra, um dos mais agradáveis bairros de Belo
Horizonte. Corpo magro, silhueta esguia, semblante tranquilo, ela é presença forte.
Pouca coisa mudou nessa bailarina que encantou o público ao fazer, há quase 30
anos, o belo e inesquecível solo em “Maria, Maria”. O espetáculo do grupo
Corpo, de 1976, reuniu nomes de peso: texto de Fernando Brant, música de Milton
Nascimento e coreografia de Oscar Araiz.
Admiradora de seu trabalho, falo que, ao pensar
no espetáculo, a lembrança que tenho é a da garra e beleza que soube imprimir à
sua Maria. E é neste estúdio, criado em 2009, que Bel, como é mais conhecida,
dá aulas de dança moderna, clássica e folclórica, além de História da Dança
Ocidental e Brasileira. Juntamente com a professora Heloisa Domingues, ela tem
realizado também um trabalho voltado para crianças, além de desenvolver
coreografias tendo como inspiração duas grandes bailarinas, suas grandes
paixões : Isadora Duncan e Eros Volúsia.
Olhos castanhos, grandes, expressivos, dona de
uma fotogenia singular, Izabel tanto pode representar um tipo popular, como fez
em “Maria, Maria”, ao mostrar a vida de mulheres simples e anônimas, surpreender
com uma figura absolutamente contemporânea, como em “Imageml”, espetáculo em
que atuou em parceria com os músicos Cláudio Urgel, Rufo Herrera e Jacques
Morelenbaum, em 1992, ou ainda encarnar um tipo de época, como em “Sete Danças
para Villa Lobos”, espetáculo de 1993.
Bel fala sobre todos os momentos de sua vida de
artista com orgulho e determinação, mas sem nostalgia. “Eu não paro nunca”, diz
certa de que sua carreira foi cheia de “boas coincidências”, e que tudo
aconteceu “na hora e no momento certos”. Temperamento irrequieto, jamais se
acomodou. Ao contrário. Quando algo sinalizava para certa acomodação, lá estava
ela à procura de novos desafios. E tem sido assim todo o tempo.
Com formação em balé clássico, e uma carreira
promissora, Bel tornou-se assistente da bailarina e coreógrafa Marilena
Martins, na escola fundada por Marilena, no início dos anos 1970, em Belo
Horizonte. Na sequência, fundaram o Transforma, o primeiro grupo de dança
moderna da cidade.
Após um período em Buenos Aires, onde se
encontraram com os bailarinos Oscar Araiz, Bettina Bellono e Hugo Travers,
Izabel Costa e Paulo Pederneiras criaram o Grupo Corpo. Corria o ano de 1975 e
ela pensava em espetáculos diferentes, que tivessem temática brasileira mas, ao
mesmo tempo, fossem universais. Dos inúmeros encontros que Bel e Paulo tiveram
com Fernando Brant, Milton Nascimento e o Oscar Araiz, nasceu “Maria, Maria”.
O espetáculo percorreu o Brasil, América Latina
e Europa, com teatros lotados e ingressos esgotados. Durante três anos, foi
sucesso absoluto de público e de crítica. Dois anos depois, era a vez de
“Cantares”, uma proposta arrojada, de vanguarda, que tinha música de Marco
Antônio de Araújo, composta especialmente para Izabel. Em 1979, um problema no
joelho a obrigou a deixar os palcos por seis meses. Mesmo assim, participou
ainda do terceiro espetáculo do grupo “Último Trem”, em 1981, e até 1984, criou
e atuou na galeria de arte que funcionava no mesmo local do “Corpo”. Sua
parceria com o grupo se encerrou neste mesmo ano.
TRABALHO AUTORAL
Um novo desafio pela frente, e a bailarina se muda para São Paulo. A convite do coreógrafo Klauss Viana, integrou o espetáculo “Dã, dá corpo”. O encontro com o Klauss selou não só uma parceria profissional, dando origem a uma grande amizade entre eles. Nesta época, Izabel conscientizou-se de que o bailarino, é antes de tudo, uma pessoa com identidade, individualidade e personalidade próprias, que precisavam ser muito bem trabalhadas e lapidadas, para, só depois, integrar-se coletivamente.
Um novo desafio pela frente, e a bailarina se muda para São Paulo. A convite do coreógrafo Klauss Viana, integrou o espetáculo “Dã, dá corpo”. O encontro com o Klauss selou não só uma parceria profissional, dando origem a uma grande amizade entre eles. Nesta época, Izabel conscientizou-se de que o bailarino, é antes de tudo, uma pessoa com identidade, individualidade e personalidade próprias, que precisavam ser muito bem trabalhadas e lapidadas, para, só depois, integrar-se coletivamente.
Klauss Vianna via em Izabel qualidades
extraordinárias, e justamente por ela se impor com naturalidade, ser dona de
uma personalidade forte e altiva, além de ter domínio de técnica e
desenvoltura, não poderia conviver, na dança, com certas amarras. “Klauss via
em mim, nas minhas interpretações, muito da grande dançarina Isadora Duncan,
uma das minhas musas, juntamente com a brasileira Eros Volúsia, infelizmente
pouquíssimo conhecida. Com ele, passei a desenvolver noções de volume, forma,
impulso, até então pouco valorizadas”. Ela lembra ainda que foi neste período
que “compreendi, com clareza, a importância da liberdade, da generosidade e da
inovação no trabalho do bailarino. A compreensão de que a dança é um modo de
existir e de que cada indivíduo possui sua singularidade foram decisivos para
mim. A partir disso, passei a desenvolver um trabalho mais autoral”.
Nova reviravolta em sua vida acontece em 1991.
Juntamente com seu companheiro, o jornalista e escritor Mario Drumond, muda
para o Rio de Janeiro. Os dois criam um roteiro de dança sobre a Semana de Arte
Moderna de 1922, com músicas de Villa-Lobos e textos de Oswald de Andrade, que
obteve incentivos da Lei Rouanet. A proposta era tão interessante que despertou
o interesse do então ministro da Cultura, Antônio Houaiss. Bel vai, novamente,
ao encontro do bailarino Oscar Araiz, em Buenos Aires, com uma mala cheia de
livros sobre o assunto. “Cheguei lá com obras sobre Oswald de Andrade, Tarsila
do Amaral, Pagú, Mário de Andrade, Anita Malfatti, tudo sobre a Semana de 22.
Araiz aceitou o convite para fazer a direção e coreografia de Sete Danças para
Villa-Lobos, que são: Noites Estreladas, Espírito Oswaldiano, Alma e Oswald no
Paraíso, Antropofagia, Na Garçonière, Alma Brasileira, Festa da Raça e
Entreatos”. O espetáculo estreou em setembro de 1993, no Teatro Municipal do
Rio de Janeiro, e apesar da curta carreira, (provocada pela malversação do
dinheiro obtido através da Lei Rouanet pela FUNARJ), foi um sucesso.
Cinco anos depois, Bel estava de volta a Belo
Horizonte e passou a trabalhar no Centro Mineiro de Danças, de Maria Clara
Salles, coreografando Isadora Duncan. Foi uma época marcada também por
participações em filmes como “Encantamento”, sobre o compositor Camargo
Guarnieri, lançado no Festival de Cinema de Brasília, em 1998, e em “A Janela
do Caos”, sobre o escritor mineiro Murilo Mendes, ambos dirigidos pelo cineasta
José Sette Barros.
PAIXÃO E DEDICAÇÃO
A admiração por Isadora Duncan e pela dança moderna levou-a à realização de “Paisagens Imaginárias”, em 2005, espetáculo que prestava homenagem ao compositor norte-americano John Cage. Com roteiro de Mario Drumond, direção e coreografia assinadas por ela, o espetáculo reuniu artes plásticas - cenário criado pelo artista Waltércio Caldas -, figurinos de Zeca Perdigão e direção musical de Vera Terra - e possibilitou um voo onírico sobre a vida e a obra de Duncan. No ano seguinte, foi a vez dela apresentar, no projeto “Artistas Fora da Lei”, o espetáculo “Brasileirinhas”, com coreografias inspiradas em intérpretes da MPB.
A admiração por Isadora Duncan e pela dança moderna levou-a à realização de “Paisagens Imaginárias”, em 2005, espetáculo que prestava homenagem ao compositor norte-americano John Cage. Com roteiro de Mario Drumond, direção e coreografia assinadas por ela, o espetáculo reuniu artes plásticas - cenário criado pelo artista Waltércio Caldas -, figurinos de Zeca Perdigão e direção musical de Vera Terra - e possibilitou um voo onírico sobre a vida e a obra de Duncan. No ano seguinte, foi a vez dela apresentar, no projeto “Artistas Fora da Lei”, o espetáculo “Brasileirinhas”, com coreografias inspiradas em intérpretes da MPB.
Izabel considera “natural” a atual febre em
torno da dança contemporânea e de outras linguagens envolvendo o corpo. “Faz
parte. Decorre de todo um processo, da experimentação”, garante.
E como é a “vida de bailarina”? A pergunta,
claro, remete à conhecida letra e música de Américo Seixas e Chocolate. Só que
minha indagação pretende ir além dos estereótipos. Bel não titubeia: “um ofício
que envolve paixão e dedicação. O corpo tem que estar sempre trabalhado,
estudar muito e estar antenado a tudo que acontece”. Por isso, ela conhece e
permanentemente estuda o trabalho de grandes nomes da dança que considera
verdadeiras referências como Oscar Araiz, Maurice Béjart, Nijinsky, Marta
Grahan, Mary Wigman, Carolyn Carlson, Suzanne Linke, Rudolf Laban, Opera de
Paris e Jiri Kylian.
Bel, como ser humano e profissional, é pessoa
ímpar. Para defini-la não encontro nada melhor do que os versos de Eros
Volúsia, que ela tanto admira: “(...) Traçar com o corpo no espaço, as palavras
profundas do silêncio (...) dançar mesmo em quietude, com os olhos errantes,
com os lábios trementes, com o sangue em palpitação, com o pensamento
espiralando para o alto, ser uma mensagem de carne radiosa, uma comunicação da
terra com o céu”.
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