QUEBRANTO
O Primeiro Passo
Durante muitos anos eu possuía na minha pequena biblioteca
três livros escritos por James Joyce. Confesso que sempre que começava a ler
desistia de continuar. Não conseguia acompanhar a sua intricada narrativa.
Assim Ulisses, Dublinense, Retrato do Artista Quando Jovem e também um Estudo
sobre o romance moderno com textos de Ezra Pound, Umberto Eco, Ítalo Svevo,
Richard Ellmann, onde encontrei o seu Giacomo Joyce, ficaram adormecidos nas
estantes.
No ano passado, numa noite de insônia, devorei “As Irmãs” o
primeiro dos contos de Dublinense e fiquei extasiado com o que eu acabara de
conhecer. Depois foram vindos de roldão os outros 14 contos restantes.
Apaixonado, pela tardia descoberta, debrucei-me na vida e na
obra do renomado escritor, primeiro com os ensaios dos autores acima citados e
depois com algumas pesquisas feitas pela internet, podendo assim experimentar o
prazer de degustar o texto, a poesia inocente, do “Retrato do Artista Quando
Jovem” e finalmente o colosso de “Ulisses”, o que mais demorei a ler, o mais
difícil de ser decifrado.
Como a minha letra, o meu texto, a minha poesia, é composta
por imagens e sons, resolvi fazer um esboço do que eu havia visto e daquilo que
mais havia sensibilizado os meus ouvidos em todos os textos do genial escritor.
Frases soltas, deste ou daquele momento retiradas do romance ou dos contos,
poemas, e todo erotismo fantástico deste anárquico e misterioso ser, foram
enchendo páginas e mais páginas de papéis com a minha confusa caligrafia. No
final dessa maratona enlouquecida eu já tinha esboçado o desenho do que viria a
ser o primeiro tratamento do roteiro de um filme. Comecei de pronto a ordenar e
a digitalizar a urdidura, a trama, que aos poucos, como peças de um
quebra-cabeça, tomavam a forma da história que deveria ser contada.
Nos movimentos que intitulei de
CONTUBÉRNIO, GNÔMON, SIMONIA,
nasceu “Quebranto”. Um filme das alucinações de Giacomo nas suas duas horas de
vida. Giacomo é James, Jean, que pode ser João, Joãozinho, os nomes que dei ao
nosso enigmático personagem.
O roteiro começa com a apresentação dos três tempos de vida
do João, o principal personagem desta história interpretado pelo talentoso ator
mineiro Samir Haujis:
Mas tudo isso se torna agora cinema de longa-metragem graças
ao jovem produtor carioca Cavi Borges, que acreditando e incentivando esse desafiador
projeto dá inicio, logo após o carnaval, no dia 14 de Fevereiro de 2016, em Santa Tereza,
no Rio de Janeiro, as filmagens deste meu novo filme.
Assim sendo, por um tempo, não atualizarei esse meu Blog, mas
publicarei fotos e vídeos de todo esse trabalho em progresso. AGUARDEM!!!
James Joyce
era viciado
em cultura popular.
Jonathan Goldman professor do New York Institute of Technology, autor de Modernism
is the Literature of Celebrity.
Seus
escritos estão, desde o começo, repletos de referências a entretenimentos
populares de sua época, bem exemplificados com as histórias de “faroeste” que
inflamam a mente do narrador do segundo conto de Dublinenses,
“Um Encontro”, publicado em 1916, mas escrito mais de uma década antes. Quando
publica Ulyssese Finnegans
Wake, referências recorrentes a revistas, quadrinhos, canções
populares, programas de rádio, filmes, televisão, ficção e fotografia erótica etc.
já se tornam norma.
E a cultura
popular retornou o favor. No decorrer do último século, Joyce e sua obra foram
apropriados por toda a gama de gêneros populares. Seus textos serviram de fonte
para adaptações (por mais frouxas que fossem) no cinema, no rock, na opereta e
nos romances gráficos, para não mencionar as versões literárias e teatrais que
nos são mais familiares. A quantidade e variedade dessas adaptações atestam o
calibre da realização literária e a estatura alcançada pelo conjunto de textos de
Joyce, uma obra que fascina a tal ponto que deve ser continuamente relida e
revisitada. Além disso, inúmeros textos populares invocam o ícone Joyce, seja
usando seu nome ou imagem (adornado por chapéu, óculos e bigode). Tais
referências, frequentemente encontradas nos lugares mais inesperados, apontam
para o alcance cultural de sua reputação e a durabilidade de sua celebridade,
questões relacionadas, mas bem distintas de seu legado literário.
Para colocar
de outra maneira: James Joyce não apenas é reverenciado como um dos autores
mais importantes do século 20, mas também aparece n’Os Simpsons, em animação, é claro, ao menos duas
vezes. Um episódio mostra um carro alegórico dos “Romancistas Irlandeses
Bêbados de Springfield”, com destaque para um personagem com cara de Joyce
situado na frente, acenando para o público. Quando uma briga começa na
multidão, ele pula para o meio da confusão. Vale notar que, na vida real, Joyce
não era lá um grande lutador: na Paris dos anos 1920, circulava a história de
que ele havia provocado um conflito e depois se escondido atrás de seu
companheiro mais corpulento, exortando: “Pega ele, Hemingway!”. A falta de
fidelidade à biografia de Joyce, no entanto, não vem ao caso. O fato de que n’Os Simpsons a imagem de Joyce era reconhecível
tanto sublinha a permanência cultural do ícone, quanto sinaliza para as
qualidades como que de culto entre seus fãs.
Joyce morreu
em 1941, e quase dez anos depois ele já era uma pedra de toque para a cultura
popular. Pelo menos foi o que aconteceu no cinema, ao ser mencionado em duas
produções auspiciosas. O Terceiro Homem, de Carol
Reed (1949), contém uma cena na qual o protagonista Holly Martins, um autor de
livros de faroeste (do tipo que atrairiam o protagonista de “Um Encontro”) é
erroneamente tido por um escritor de alta literatura e obrigado a participar
uma seção de perguntas e respostas com literatos de Viena. Um jovem austríaco
coloca uma série de questões que culminam com: “Onde situaria o sr. James
Joyce?”. Esse contraste entre a alta e a baixa cultura, sugerido pelo escritor
de pulp fiction e
o legendário modernista repete-se na referência ao autor em Sunset
Boulevard (1951),
dirigido por Billy Wilder. Lá, o protagonista, Joe Gillis, é um roteirista que,
ao ser acusado de não escrever seriamente, pergunta se prefeririam James Joyce
(ou Dostoiévski). Esses momentos cinematográficos aludem, na superfície, a um
contraste entre Joyce como um avatar das esferas mais elevadas da cultura e
formas de entretenimento popular nas quais ele é mencionado. Porém, a
comparação não é tão simples assim.
A
autoconsciência sarcástica de tais cenas sugere uma relação mais próxima entre
as noções de elite e de popular, um colapso das categorias de alto e baixo.
A
complexidade continua em uma das imagens mais reproduzidas no universo
joyceano: a fotografia tirada por Eve Arnold, em 1956, de Marilyn Monroe lendo Ulysses.
O impacto previsto aqui depende da percepção de Monroe como uma vedete com
cabeça de vento e a do romance como uma obra impenetrável. É claro, o primeiro
impulso é perguntar se Monroe realmente leu o livro, algo ao qual Arnold se
adiantou ao dizer que capturou a atriz em um momento de sincero relaxamento.
Acima de tudo, a fotografia, que vem decorando livros de crítica joyceana ano
após ano, mostra a cultura de Hollywood participando do status cultural
rarefeito de Joyce.
Traduzido
por Fabio Akcelrud Durão.
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