ENTREVISTA
Você acredita que os EUA tem mais
pobre que a China?
- Acredito, desacreditando, mas a América, é
público e notório, está debilitada depois de várias crises, precisa fazer a
guerra (de todos os tipos) para levantar a sua economia. Favelas se espalham
nas periferias, Detroit é um exemplo disso. O capitalismo neoliberal está em
processo de autofagia. Quanto à China...não sei não - 12.000 anos de
civilização - Uma cultura pré-histórica, antropofágica e comunista, com alguns
temperos exóticos do mundo capitalista, quem é mais pobre
Românticos
de Cuba
Por Orlando Senna
Estou
chegando de Havana, onde estive, entre outras coisas, para sentir o clima
social e emocional gerado pela nova fase que vivem os cubanos, após o
reatamento de relações com os EUA. Em geral os sentimentos são positivos, a
reaproximação deve resultar no fim do embargo econômico que o grande vizinho do
norte impõe à pequena ilha caribenha desde 1962, bloqueio comercial e
financeiro que travou o desenvolvimento de Cuba. Até a oposição ao governo
socialista (os dissidentes, como são conhecidos) acreditam que o país se
preparou para esse novo capítulo de sua história, principalmente com a
construção do complexo de Mariel, mais especificamente o porto, os aeroportos,
as estradas e instalações industriais da Zona Especial de
Desarrollo del Mariel, ZEDM, zona franca que começará a operar em 2016 e é tida
como centro nervoso das reformas que estão sendo implementadas pelo governo de
Raúl Castro.
O governo não gosta da palavra “reforma”, prefere
definir as mudanças e novos procedimentos como “atualização do modelo econômico
socialista”. Essa atualização tem como pontos principais industrialização em
ritmo acelerado; extensão do modelo de cooperativas, utilizado na agricultura,
para indústria e serviços; estímulo crescente à iniciativa privada;
descentralização administrativa, maior poder de decisão dos governos
provinciais e municipais. Os muitos cubanos com quem conversei acreditam que o
fim do bloqueio viabilizará a atualização, apoiando sua crença no sucesso dos
primeiros passos neste sentido, em 2008, que levaram o setor privado a ser responsável
por 25% dos empregos no país. A meta é 80%.
As esperanças de vida melhor e os aplausos à “abertura
econômica para o mundo” são generalizados e incidem até na forte religiosidade
dos cubanos, devido à coincidência, ou não, de que o reatamento com os EUA
aconteceu no dia 8 de setembro, data da festa nacional da Virgen de la Caridad
del Cobre, padroeira de Cuba, sincretizada com Oxum, deusa africana relacionada
com “el amor, las cosas dulces, las voluptuosidades y la diplomacia”. O que se
discute, intensamente, é como será a vida a partir do reatamento pleno com os
EUA, a volta da “intimidade” dos estadunidenses com a ilha, a convivência com
os vizinhos, distantes a menos de 200 quilômetros. A relação de amor e ódio
entre os dois países começou em 1895, na Guerra de Independência contra a
Espanha. Os EUA se aliaram aos rebeldes cubanos e foram decisivos na vitória,
mas também forçaram Cuba a aceitar a Emenda Platt, que dava direito aos EUA a
intervir em Cuba quando achassem necessário. Essa situação permaneceu até a Revolução Cubana em 1959 e o
resto da história todo mundo sabe.
Emoção e ética
Nos jardins do Hotel Nacional, ocupados por centenas
de turistas estadunidenses, conversei com Sean Bowe, coordenador de voos da Jet
Aviation Nassau, empresa de transporte aéreo internacional. Suas informações:
durante os últimos cinco anos Cuba recebeu anualmente menos de um milhão de
turistas; desde o anúncio do reatamento, ou seja, nos últimos seis meses,
aportaram em Cuba três milhões de turistas; a previsão das empresas de
transporte e hotelaria é que dez milhões visitem a ilha em 2016, a maioria de
estadunidenses. Onde hospedar tanta gente? Bowe informa que uma dezena de
hotéis de grande porte estão sendo construídos em várias regiões do país, mas
nem todos estarão habilitados em 2016 e que outros terão de ser construídos.
Uma das soluções é a hospedagem doméstica, as famílias alugarem quartos a
turistas.
A lembrar que Cuba adotou essa solução doméstica para
aumentar o número de restaurantes e estimular a iniciativa privada, já lá se
vão uns anos, e os Paladares (assim são chamados os restaurantes em casas de
família) são um grande negócio e uma atração turística. Lá mesmo nos jardins do
Hotel Nacional entrevistei alguns turistas estadunidenses, todos idosos, que afirmaram
ser Cuba, para a geração deles, um sonho de consumo alimentado por lembranças
de suas juventudes e pelo que seus pais contavam sobre o “paraíso tropical”.
Também disseram que seus filhos e netos, os jovens da atualidade, receberam dos
mais velhos essa informação de que se trata de uma “ilha romântica e
permissiva” e que logo também as novas gerações estarão frequentando em massa
as praias e cabarés de Havana, Santiago e Camaguey.
Todos que conhecem Cuba sabem que existe na ilha uma
atmosfera amorosa, sensual e musical que mexe com as emoções dos visitantes,
uma característica de sua forte cultura afro-hispânica. Por isso o título dessa
crônica: Românticos de Cuba é o nome de uma orquestra brasileira que
popularizou, entre 1960 e 1980, a música dançante e envolvente cubana não
apenas no Brasil mas também no Uruguai e Argentina. E a lembrar que os cubanos
inventaram o bolero e a telenovela.
Meu bem, meu mal
Ao voltar da viagem vi o filme inédito 20 anos,
de Alice de Andrade. A cineasta de Dente por dente, O diabo
a quatro e Luna de Miel filmou no fim do século
passado 40 casamentos de jovens cubanos e, desde então, está acompanhando a
vida deles. Além do filme citado, está em seus planos a montagem de um webdoc
envolvendo todos os casais, intitulado 80 destinos. O filme de
Alice, que mergulha na Cuba profunda, explicita os aspectos romanescos,
líricos, poéticos e festivos do amor que eles praticam e defendem em alta voz
com frases nunca inferiores a mi pasión, mi luz, mi extravagancia, mi
cielo, mi delicia, mi delirio.
A verdade histórica é que, principalmente durante os
anos que antecederam à Revolução, os visitantes estadunidenses, aos milhares,
transformaram a ilha em um grande bordel e uma central de crime organizado,
motivo que fortaleceu a popularidade, a investida e a vitória dos guerrilheiros
cabeludos de Fidel e Che Guevara (que a mídia internacional, na época,
considerava, exatamente, românticos). Uma jovem cubana, Odalys, perguntada o
que espera do futuro imediato, me disse acreditar que os problemas econômicos
serão pouco a pouco resolvidos, principalmente pelo crescimento de
investimentos estrangeiros, mas que um antigo problema terá de ser enfrentado
com a “invasão” de turistas dos EUA: “o da criatura humana”. Não entendi, ela
explicou: “temos de ter muito cuidado e força moral para não sermos outra vez
contaminados, como já aconteceu no passado, pela cultura da violência e da
amoralidade deles”. Pois: muitos aspectos em jogo nessa nova fase cubana, mas o
movimento de mudança, de “cambios radicales”, está no ar, na terra e no mar.
Um comentário:
Ótimo!
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