Literacia
Por
Orlando Senna
Inicialmente
o conceito literacia estava enganchado na comunicação escrita, significando a
capacidade de compreender e usar adequadamente a informação gerada em textos
impressos. É uma palavra historicamente nova, tanto que não está registrada na
maioria dos dicionários brasileiros, embora esteja nos portugueses, espanhóis,
ingleses e franceses (littéralisme). Essa capacitação está relacionada com a
expansão dos conhecimentos individuais e com o desenvolvimento de uma visão crítica
(em alguns dicionários ingleses, literacy é definida como
alfabetização e, analogicamente, como conhecimento e iluminação).
Uma
palavra historicamente nova para uma atividade humana antiga que, em português,
se chamava letramento: ensinar a ler e a escrever. Ensinar de verdade e não de
uma maneira superficial ou desleixada, causando o problema dos “analfabetos
funcionais”, indivíduos que sabem ler mas não conseguem compreender o que estão
lendo (milhões de pessoas têm essa deficiência). Atualmente, com o
desenvolvimento da educomunicação e das linguagens audiovisuais, o conceito
literacia foi expandido, adotando o entendimento moderno e amplo de leitura, de
ler o mundo. Frases como “um filme provoca várias leituras diferentes” ou “não
consigo ler suas intenções” são cada vez mais comuns.
Alguns
acadêmicos preferem usar o conceito no plural, as literacias, outros optam por
manter o singular expandido — literacia científica, literacia política,
literacia digital, literacia midiática (Glauber se preocupava com isso, dizia
que muita gente não sabia ler as “entrelinhas” dos jornais e telenoticiários,
as intenções por trás das letras e vocalizações). Até mesmo a Literacia
Emergente, que se refere ao aprendizado da leitura da vida, que começa no
nascimento do bebê e abrange os primeiros anos da infância.
Decidi
tecer essas observações ao conversar sobre literacia audiovisual com minha
amiga Erika Savernini, da Universidade Federal de Juiz de Fora, autora de um
livro encantador, Índices de um Cinema de Poesia – Pier Paolo Pasolini,
Luis Buñuel e Krzysztof Kiéslowski (Editora UFMG). Ela me falou sobre
uma cooperação entre o Grupo Comunicar, instituição espanhola com raio de ação
mundial, e a Universidade Federal de Juiz de Fora para realização de pesquisas
sobre “competências e produção de coisas” com alunos do ensino fundamental. Um
trabalho didático, prenhe de consciência contemporânea, com crianças na
fronteira entre o período da literacia emergente e as outras literacias.
Sobre a
literacia audiovisual, menciono um pequeno movimento que se manifestou há dez
anos no Brasil, consistindo em propor ao governo, ao Ministério da Educação, o
aprendizado da linguagem fílmica em todos os níveis escolares, como a língua
materna e a matemática, devido à sua crescente importância na convivência
humana. O governo achou que não era necessário e/ou a implementação disso era
muito cara, tanto no que se refere à preparação de professores quanto ao
equipamento. Hoje, com a multiplicidade de usos, funções e disfunções dessa
linguagem, com forte repercussão no entendimento, comportamento, religião e
cidadania das pessoas, a presença integral dessa matéria nos currículos
escolares deveria ser um tema estratégico dos países, já que tem a ver com
poderes politicos e econômicos nacionais e internacionais.
Antes era
o verbo: literacia se origina no latim littera, que significa letra. Mas,
continuando a citar a Bíblia, o verbo se fez carne e habitou entre nós. Ou
seja, a História continuou e continua sua marcha, trazendo (inventando,
construindo, transformando) novas competências e coisas e, em consequência,
novos aprendizados. Novas apreensões adequadas a cada situação, a cada
contingência. Portanto, aprender a aprender é a essência da galáxia literacia.
Mais uma citação, essa do escritor português Joaquim Coelho Rosa (in Literacia,
Fundação Calouste Gulbenkian, 2008): “a existência humana é uma tarefa
permanente de leitura da vida: ler a vida é escrever e reescrever o
mundo”.
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