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quinta-feira, 22 de outubro de 2015

Cinema na história


GUERRA OU BARBÁRIE ?
( NOVO TEXTO SOBRE O FILME GUERRA DO PARAGUAY)
PARA MARIA EDUARDA PRADO, JOSÉ SETTE E DALILA CAMARGO MARTINS
Ronaldo Caiado, Eduardo Cunha, Renan Calheiro, Bolsonaro’s, Datena... Vivemos a época vitoriosa do inumano. Ou seja, do avanço ilimitado de um baixo capitalismo convenientemente religioso e bárbaro. E entre os seus projetos a alienação, o domínio da informação, a violência urbana-rural e a guerra. A obsessão enraizada da destruição e a ocupação de corações e mentes. Ênfase aos muitos discursos que nada dizem. O déjà vu que vem desde a descoberta. A discussão “erudita”, sem assunto algum. Mas...não seria isso a nossa atual política cultural ? Mas também é desse retumbante fracasso que são alimentados uma infinidade de burocratas, estáveis em suas repartições. Na verdade, “novos” censores e policiais no sentido literal do termo! 
O capital sabe bem da sua força, e exatamente por isso está nas mãos sujas de empresários, políticos, banqueiros, religiosos, burocratas... Hoje com a televisão se manipula fácil o coletivo das cidades, Estados e continentes. E o que ela se propõem a criar? Um ajuste a credulidade de um deus totalitário, eternamente invisível e ausente. E com ele uma manipulação escancarada de fascismos pelo consumo desenfreado. Daí a hostilidade a todo tipo de arte que faz pensar. A desvalorização do pensamento é o caminho a ser seguido pelos meios de comunicação. Se quer os Malafaias, as Xuxas, os Datenas e as Angélicas. Se quer o lixo, e não as muitas contradições da verdadeira criação que estão muito além de deus ou do diabo.
 
Ora, se a indústria cultural é só um negócio comum do dinheiro, nosso trabalho que parte da Guerra do Paraguay, passa ao longe de só ser mais um produto descartável como tantos e tantos outros. Deliberadamente rechaçamos essa sacralização imbecil e televisiva do capital. E como se vê, excedemos objetivamente a todos os limites sem submissão ou obediência a nenhum tipo de ordem. Temos consciência que a contra evolução ancorada no fascismo político-histérico e religioso quer sim, abolir o saber e a liberdade. E de clichê em clichê usando e vendendo um deus que ninguém vê, mas faturando com a “mais valia ideológica”. E o que é a TV? Como sabiamente dizia um velho revolucionário, são: “escravos ideológicos da burguesia”. E a sustentação dessa percepção, passa sim pela “mancha ideológica do consumo”. Com tudo e todos virando mercadoria. Claro que ainda se está podendo escolher entre a periguete do Eduardo Cunha ou ignorá-la como ser humano. Mas até quando?
 
Ter passado da escuridão cênica do roteiro da Guerra do Paraguay para a natureza solar e viva, me fez voltar a observar a paisagem impregnada de poesia. Árvores, estrada, montanhas... A vida que poderia ser um sonho infinito, rejeitamos suas intenções mágicas e poéticas. Talvez devêssemos filmar mais a natureza. Mais a paisagem que os discursos e certezas. Mas sem dinheiro algum foi o que deu: uma vez mais a imagem como suporte das palavras. E como sabiamente afirmava Benjamin: “Aquilo que sabemos que, em breve, já não teremos diante de nós torna-se imagem”. Ainda assim tentamos poetizar a percepção de todos.
 
O cinema com a luz inventiva de Viniciu Brum, servindo a delicadeza e precisão da pintura sem suavidade alguma. Uma vez mais a imagem como um teatro de guerra, só que sem tiros ou batalhas. Deixamos isso para Hollywood cafetinar e lucrar! Como afirma João Barrento falando de Benjamin e Paul Celan: “O nosso tempo é um tempo sem memória e sem projeto; e como, sem isso, nenhum presente se suporta a si próprio, este é um tempo (do) vazio.” Tá tudo dito! Batalha-se sim uma “dessubjetivação” na construção de um coletivo assumidamente alienado e feroz. E nós nos refugiamos nessa maldita guerra (como são todas) para a partir dela pensarmos Molière, Artaud, Nietzsche... e também o idiotismo das batalhas que não aparecem, pois optamos em privilegiar a Trupe do Teatro Popular das Bacantes, nos seus muitos confrontos com a ordem. E é desse encontro com a loucura que parte o filme.
 
Da composição nas tantas imperfeições do real. Os atores se movimentando no acaso de muitas contradições. E entre tantos objetos o espaço cênico como paisagem de fundo. Ontem as dunas da Barra da Tijuca no Jardim das Espumas. Hoje a natureza solar da Serra. O cinema fazendo avançar o tempo! Penso no movimento que nem sempre explica a ação. E entre estranhezas, diferentes caminhos possíveis. Não filmo para analfabetos pois quero não o público abortado pelo dinheiro, mas pela fome de saber. Saber ser como ser humano! E do desequilíbrio entre todos, nasce uma possível análise das diferenças dos tempos. O fenômeno do diálogo possível fechado em momentos antagônicos: no presente e no passado de uma idéia luminosa. Tempos que dialogam: o Império e a República! Devemos pensar tanto além de um sistema como de outro. O filme é sim um exercício de diferenças reintroduzindo o movimento na história, e suas tantas contradições. E sem o desejo de eternizar nada. Muito menos a inutilidade dos nossos heróis!
 
Me permiti recorrer a ironia em Brecht e a natureza em Humberto Mauro numa busca da potência do inexprimível na história. Tempos distintos numa tentativa de dialetização dos acontecimentos não-acadêmicos! De fato assim começa o caminho do Teatro Popular das Bacantes: por uma compulsão das palavras na estranheza da solidão rural. Os tantos e tantos séculos de latifúndio. Em suma: atores, textos e imagens se misturam. Eis por que o lugar das diferenças é poético: ele faz aparecer palavras, encontros e contradições. A dessemelhança com o cinema de mercado é radical sim ! A inexpressividade seja lá de quem for não nos interessa nem como mercadoria. Nos interessa a dúvida, o belo, as tantas estranhezas possíveis e as infinitas intensidades poéticas.
 
Ou seja, a imagem acrescida da palavra. Rostos próximos e distantes evocando uma ressimbolização da história como um valor incompatível com o saber oficial. Procuramos uma certa “nobreza” narrativa na desmoralização das guerras de ontem e de hoje. Ora, como não desprezá-las? Tanto desacredito delas, como das religiões que viraram profissões bem remuneradas. Mas é trabalho mesmo? Não. “Em torno de cada imagem escondem-se outras. Forma-se um campo de analogias, simetrias e contradições.” Estas palavras de Ítalo Calvino nos servem bem, como uma dança das idéias.
 
Volto a enfatizar o trabalho preciso e criativo de todos. Também não é, nem seria possível uma discussão compromissada com um certo triunfalismo obsceno. Fizemos um filme autocrítico de desconstrução e introdução a uma nova história deslegitimando e desprezando o enfoque autoritário. Nossa história oficial sempre viveu debaixo das aparências do certo e do errado. Mas o que seria uma coisa e outra numa análise livre de uma guerra imperialista? Mas, não queríamos o bode de corpos retorcidos e em sangue; e sim corporeidade, intensidade e prazer como significado de uma luta mais profunda e maior de desilusão sim, com a nossa história oficial toda coberta de lama e sangue.
 
E ao mal-estar com a discórdia, respondemos com uma oposição bem humorada e crítica usando o espaço, o tempo e a paisagem. Fomos pintar cada enquadramento para iluminar o olhar do espectador mais humano e atento. E a cada imagem ou enquadramento, a paisagem sendo modificada e se modificando numa espécie de desenquadramento da história oficial. Ou seja, um pequeno-grande trabalho onde os eventuais excessos passam mais pelas palavras. Elas são tanto a riqueza como a ambigüidade de um diálogo mais historicizado. E o que dizem essas palavras é que é o “X” da questão. Um pouco ou muito como diria Artaud: “Não se trata de suprimir o discurso articulado, mas de dar as palavras mais ou menos a importância que elas têm nos sonhos.” Ou, um mergulho na obscuridade do “fascista que habita todos nós.” Claro que uns mais, outros menos. Nos diferenciamos pouco do mundo animal.
 
Conversando em NY, com um ex-soldado comum que havia estado na guerra do Vietnãn, ele me disse literalmente que foram os melhores anos de sua vida. Ora, como entender isso? Nosso “pequeno homem fardado” também pensa assim, e não saberia dizer por que foi matar no Paraguay. Para concluir, Deleuze nos explicaria tal questão da seguinte maneira: “Basta que o ódio esteja suficientemente vivo para que dele se possa extrair uma grande alegria, sem qualquer ambivalência, não a alegria de odiar, mas a alegria de querer destruir aquilo que mutila a vida.” É-nos exigido sim, um olhar diferenciado e ao mesmo tempo ousado. Um olhar submetido a subjetividade, mesmo trabalhando esse nosso pobre e empobrecido tempo. Daí essa procura pouco lógica de uma outra história. Busca-se uma totalidade na fragmentação de tempos opostos.

LUIZ ROSEMBERG FILHO/RÔ 
RJ/201

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