PRAZER
DO CORAÇÃO, PRAZER DO OLHO.
Fábio Carvalho
De
pé na jangada em alto mar, Guará fazendo o Jacaré, diz com os braços erguidos:
justiça e liberdade!! Na sequência com mais ênfase: justiça e liberdade!!!
Depois, ainda na jangada já sentado, tira o chapéu e num tom branco Guará, diz
olhando o céu: para o jangadeiro se orientar basta- lhe o sol, o vento e as
estrelas. Muda o olhar para o outro lado, agora em direção ao mar: para o
jangadeiro a bússola é um instrumento de dar dó, de dar pena. A primeira cena
que escrevi com diálogos para o filme As Banhistas, notando-se que não é a
primeira cena do filme, foi a seguinte: ao fundo cinco banhistas e o Bacurinha,
brincam na água que bate nos joelhos, em primeiro plano, deitadas na relva da
margem, conversando, estão Anais de lado com a mão direita apoiando o queixo e
a esquerda acariciando os cabelos da Fernanda que está deitada de costas, com
as duas mãos atrás da cabeça, como na tela As Grandes Banhistas de 1918 do
Renoir. Fernanda: o babaca disse, morrendo de rir, achando que eu me derreteria
todinha, que é conhecido pela sua perícia ao dirigir e sua violência para com
as mulheres, vê só! Anais fazendo cara de nojo: além de babaca ainda é metido a
cafajeste da pior espécie. Fernanda com leve melancolia: é... e o pior é que eu
gosto dele. Após uma pausa, fala dividindo as sílabas lentamente: ba ba ca! Dá
um sorrisinho sacana. A câmera se afasta lateralmente e vai se aproximado das
outras brincando na água. No outro filme, o Arrigo vestido de Welles, com um charuto
na boca, uma garrafa de Chamgpanhe numa das mãos e uma taça cheia, quase
derramando na outra, fala com a voz rouca para a Mariana vestida de baiana:
gostaria de ser poeta, mas tenho medo de não consegui-lo. Hoje é um dia de
Domingo com um clima estranho, os bancos vinte quatro horas estão fora do ar,
conexão na interneti está difícil, falta táxi pelas ruas, pouca gente
caminhando, minha janela que dá para a Serra do Curral é sobrevoada por quatro
helicópteros initeruptamente. Um silêncio chato permeado vez por outra por
sirenes, céu de Brigadeiro com ventinho gelado, nada da efusão costumeira do
Domingo é dia de Futebol que o Pacífico Mascarenhas compôs para o Milton
cantar. Se descer dos céus o dragão lunar, manda me chamar pelo amor de Deus!
Ontem na noite de encerramento do festival de cinema de Gramado, transmitida
ninguém sabe se ao morto ou ao vivo, as pessoas que pareciam lá presentes com
microfones abertos, começando pelo Barretão, conclamavam nós brasileiros
lutarmos de corpo e alma para não deixarmos que aconteça no Brasil mais um
golpe de estado. Repica aí que eu quero ver, que o amor veio embolar mais um. A
primeira vez que vi essa mulher, foi como um relâmpago. Tudo bem, mas contanto
que seja música. Trabalho por entre as frestas, onde a voz começa a dançar, o
corpo começa a cantar, o teatro se torna cinema. Bela frase da Meredith Monk,
filha do grande Thelonius Monk, tentando definir sua artemúsica. Pra mim definiu bem. Você tão linda neste vestido, você
provoca minha libido. Uma voz sussurrante me disse novamente ao pé do ouvido:
vem que te quero! Não era esquizofrenia, como podia parecer, era como sempre,
um sonho real que nunca me faltava, fazia anos. Sempre perto e ao mesmo tempo
longeva. Só eu poderia saber o quanto aquela voz me perseguia, com minha total
aquiescência. A lua azul brilhou novamente no final de agosto, agora em peixes,
decifra-me ou nem te devoro. Dois gatos pingados fora da lei. Sobe e desce
muros fora da lei. Ninguém sabe onde entrei. Todas as flores floriram antecipadas,
achando que já era a Primavera, devido ao calor que fazia no Inverno dos
trópicos a natureza entrou como o toldo em confusão mental. Bom também, apesar
de não ser como o esperado, assim corre a vida sem que você perceba, ela a
percepção só chega depois que já passou da meia noite naquela hora gloriosa da
manhã de Setembro, quando já era mais uma Quinta-Feira. No Rio continua
serenando, ainda bem, me disse do além o violão sofisticadíssimo do Helinho
Quirino, figura grande doce e inesquecível. Como não tenho mais dinheiro, o
remédio é esperar, bate palma palma palma, bate pé pé pé, caranguejo só é peixe
na vazante da maré, é melhor esperar sentado do que esperar em pé pra ver, pra
ver Juliana. Uma chuvinha fininha caiu molemente sinuosa, num tom céu aberto durante
à tarde das revelações alquímicas, intra-musicais, agradavelmente, só os
ouvidos mais argutos poderiam perceber a presença do seu leve oscilar. Chegou
chuva enfim. Os astros são meus únicos aliados. Bradou Arrigo como Welles para
Helena como tradutora, no terraço acima da pérgula da piscina do Copacabana
Palace. O cinema é um fluxo constante de sonhos, mais baixo proclama Welles
vestido de Arrigo, enquanto joga um barril de pólvora ao mar. Sua camêra
insaciável mostrará ao mundo que na praia de Iracema existe um coqueiral que
enche de ternura o viajante. Podemos dizer claramente que o cinema brasileiro
está tão ruim que só pode melhorar, pior é impossível. Miroca e Seu Cuco
Caduco, era o título que me encantou, não sei o porquê, da animação brasileira
concorrente ao prêmio do festival que não fui. Serguei postou no seu face, que
li mesmo sem tê-lo: Vi duas mulheres se beijando no meio da rua. Não sei se
isto está certo. Beijar na calçada é mais seguro, bicho! Stéphane Audram contou
que junto a Delphine Seyrig, vestidas magnificamente por Karl Laguerfeld, com
belos e generosos decotes às costas, dirigiram-se muito timidamente para pedir
ao Dom Luís que as filmasse de costas. Com os olhos entomologistas, ele, depois
de uma pausa respondeu: Tudo bem, desde que você me dê uma garrafa de whisky e
você uma de champagnhe. Filmaram então Fernando Rey com um revólver em riste
passando por meio das duas decotadas na festa. De mais uma bela broma, uma bela
cena se deu. Doutor Sette publicou no Blog, O Caso Da Aranha, escrito pelo
extraordinário Mário de Andrade, que termina assim: A aranha deu de passear, eu
olhando. Se ela chegar mais perto, mato mesmo. Não chegou. Fez um
reconhecimentozinho e se escondeu. Deitei, interrompi a luz e meu cansaço
adormeceu, organizado pela razão. Faz pouco abri os olhos. A aranha estava sobre mim, enorme,
lindos olhos, medonha, temível, eu nem podia respirar, preso de medo. A aranha falou: “Je t’aime”.
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