O chão e a
noção
Na natureza material, a corrupção
é o processo de destruição de uma coisa ou de um animal. A palavra latina corruption significa
decomposição, putrefação. Aristóteles definiu filosoficamente o processo como
uma transformação que vai do ser ao não ser. A filosofia também trata, é
lógico, da corrupção da alma das pessoas, do processo de apodrecimento da
consciência. É a corrupção ética, a insensibilidade com relação aos
semelhantes, aos valores da convivência, às leis e a qualquer obstáculo que
possa impedir o corrupto de alcançar seu objetivo, de materializar sua ambição
invariavelmente relacionada ao poder econômico ou a frustrações psicológicas.
Os estudiosos apontam duas
características dessa disfunção humana: as influências culturais e a
insaciabilidade. A primeira não tem a ver exatamente com o velho princípio de
que ninguém nasce criminoso, inclusive porque há sérias dúvidas sobre isso
depois da constatação da sociopatia, uma psicopatologia que gera comportamentos
antissocias, os criminosos de nascença. Tem a ver com os estímulos recebidos do
meio circundante, da sociedade onde se vive, que pode gerar ou não o
comportamento criminoso (e também pode alimentar ou não sociopatias se
aceitamos o criminoso de nascença).
Corruptocracia
A outra característica é a falta
de limites, nunca estar satisfeito com o resultado dos crimes já realizados,
querer sempre mais, acumular riqueza ou poder simplesmente pelo prazer de ter.
É uma escala onde o corrupto se torna irracional, incluindo nessa irracionalidade
a certeza da impunidade, o sentimento de que está acima do bem e do mal, ver-se
como um herói, em um patamar superior aos bocós e otários que formam o resto da
humanidade. A corrupção administrativa, nos órgãos públicos, é a modalidade
mais comum dos corruptos que objetivam acúmulo de poder e dinheiro,
principalmente se estiver associada à corrupção corporativa, ou seja, ao
mercado, aos empresários, à indústria e comércio.
A corrupção existe em toda parte,
em todos os países, e tem um papel importante na crise civilizatória que
estamos atravessando. Em alguns países essa prática chega a um ponto em que
interfere de maneira decisiva na gestão dos recursos nacionais, na política e
no comportamento cotidiano dos indivíduos, um clímax que exige respostas
urgentes da sociedade para evitar a corruptocracia, uma forma de governo que
causaria a implosão do estado e da convivência da sociedade. A Itália teve de
reagir a essa ameaça na década 1990 com a Operação Mãos Limpas, desfazendo um
esquema delituoso envolvendo bancos, empresas e a Máfia e resultando no
desaparecimento de vários partidos politicos e no fim do período conhecido como
Primeira República.
Vinte anos depois o Brasil também
se viu obrigado a fazer a sua operação de limpeza, esta que estamos vivenciando
no momento, iniciada em 2005 com o Mensalão (compra de votos de parlamentares)
e chegando a um grau de fervura com a Lava a Jato, apuração de um esquema
bilionário de desvio e lavagem de dinheiro envolvendo dirigentes da Petrobrás,
presidentes e altos funcionários das maiores empresas de construção do país,
ex-ministros do governo Lula, parlamentares e políticos de quase todos os
partidos e bandidos intermediários tipo doleiros e atravessadores. A Petrobrás,
maior estatal brasileira, que era a oitava maior empresa do mundo em 2011, hoje
ocupa a 416ª posição no ranking.
Fragilidade e
oportunismo
A ação dos corruptos ativos e
passivos é devastadora, como se vê, e investigações judiciais de grande
envergadura se faziam necessárias desde muito tempo. Elas acontecem no Brasil
em um momento em que o país está atravessando uma grave crise econômica e os
políticos, a mídia e boa parte da classe média acham que é uma oportunidade
para alimentar uma crise política, com a intenção de interromper o governo da presidente
Dilma Rousseff, do Partido dos Trabalhadores. É como brincar com fogo dentro de
um paiol, é como se equilibrar em corda bamba sobre um abismo. Por sua vez, o
governo não consegue erguer-se da sua fragilidade e retomar a escala de
grandeza dos programas de inclusão social e cultural iniciados por Lula, a base
de sua popularidade.
Com um governo sem chão e uma
oposição sem noção, o trabalho do Poder Judiciário contra a corrupção não está
sendo fácil e encontrará mais dificuldades à medida que as investigações e
prisões aumentem, como é a tendência, e novos figurões da política e do
empresariado sejam denunciados e sentenciados. Paira no ar a possibilidade de
choque de poderes contrapondo o Legislativo ao Judiciário, como nos deu a
entender a atitude do senador e ex-presidente Collor na sabatina do Senado ao
procurador-geral da República Rodrigo Janot (lembrando que Collor é um dos
grandes senhores da corrupção no Brasil).
Coração e
mente
É um cenário obviamente dramático
mas não se trata de uma situação sem saída, não é a sinopse de uma tragédia e
boa parte dos brasileiros mantém intacta a esperança ou até a certeza de que a
situação será superada, que em pouco tempo o País retomará seu ritmo de
crescimento econômico e essa será a solução: em uma economia saudável a crise
política será diluída. Pode até ser assim, mas para isso o Brasil tem de chegar
lá, à boa saúde econômica, e para chegar lá o governo tem de pavimentar seu
chão, tem de saber governar, e a oposição deixar de ser oportunista em um momento
que exige civismo e comprometimento de todos pelo bem de todos.
Nessa salada de governo fraco,
oposição irresponsável e sociedade em suspense, o único aspecto positivo da
crise é a apuração em alta escala dos delitos de corrupção. Estamos
demonstrando a nós mesmos e ao mundo que, apesar de tudo, podemos ser um país
sério, ao contrário do que teria dito o general De Gaulle durante a Guerra da
Lagosta nos anos 1960. Que podemos nos superar, como já aconteceu no passado em
crises piores do que a atual.
Mas, para isso, temos de fazer
valer o melhor do que nós somos e que às vezes nos esquecemos: que o brasileiro
ame o brasileiro, um amor acima de partidos, ideologias, religiões, ódios,
vinganças, descrenças, empáfias, preconceitos. Para tanto não é necessário
adotarmos a polêmica adjetivação de homem cordial, ou seja, regido pelo
coração, lançada por Sérgio Buarque de Holanda na década de 1930. O que
precisamos é ser inteligentes.
* Link para outros textos de Orlando Senna no Blog Refletor
http://refletor.tal.tv/tag/orlando-senna
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