Recebi um texto do Pedro DaCosta, que me remeteu a um
outro texto do alemão Robert Kurz que é bastante interessante... Sim, O Deus do Mercado! Está claro que
vivemos em uma sociedade tão Mitológica quanto aquela que inventou a Democracia. Invertemos a
concepção cíclica do tempo para incluir nosso maior mito de linearidade: o Mito
do Progresso. E o atual Governo Lula aplica um filosófico e profundíssimo
conceito sintetizado pela palavra "Crescimento". O que vejo crescer é
a ultradireitista UDR em conluio com Multinacionais da vida, que avançam com
suas boiadas e plantações de soja pela AMAZÔNIA e pelo CERRADO brasileiro.
Enquanto isso, os boias-frias da cana-de-açúcar continuam os mesmos escravos de
toda a eternidade. Crescimento para quem?Sim,
Vivemos o maior Obscurantismo de todos os tempos, pois agora, mesmo com nosso impressionante Conhecimento
continuamos privilegiando uma Lógica e
Racionalismo do ABSURDO que nos leva à aniquilação total. O BRASIL é uma
ficção, uma "WonderLand". País das Maravilhas. Uma Fazendinha Amazônica
multinacional nas mãos de uns poucos criminosos
muito bem representados. Viva o Folhetim! Precisamos de História nesse
marasmo cinematográfico brasileiro, em que os filmes se tornaram apenas
ilustrações pálidas de roteiros sem graça. Cinema é EMOÇÃO. "CINEMA IS
EMOTION!" "CINEMA IS A MOTION!" (PedroDaCosta).
A síndrome do
obscurantismo.
(ROBERT KURZ)
Na imagem que faz de si mesmo, o Ocidente é um mundo livre, democrático
e racional, ou seja, o melhor dos mundos
possíveis. Do seu ponto de vista, esse mundo é pragmático e aberto, sem
pretensões utópicas ou totalitárias.
Cada um deve "ser feliz segundo seu próprio modo de ser, de acordo com a
promessa de tolerância feita pelo Iluminismo europeu.Os representantes desse
mundo se dizem realistas. Afirmam que suas instituições, seu pensamento e sua
ação encontram-se em harmonia com as "leis naturais da sociedade, com a
"realidade atual. O socialismo,
pelo que ouvimos, desmoronou porque não era realista. Junto com o
socialismo, foi definitivamente enterrada toda utopia de uma mudança
fundamental da sociedade. E os antigos críticos do "way of life ocidental
agora se acotovelam nas bilheterias do "realismo para comprarem a tempo
seu ingresso na economia de mercado
globalizada.Esse idílio da tolerância e da democracia econômica mundial, no
entanto, produziu um novo inimigo. Com a morte do socialismo, entrou em cena o
fundamentalismo religioso. O fundamentalismo é feio, muito mais feio do que o
socialismo jamais poderia sê-lo. Aos olhos dos ideólogos ocidentais, ele possui
feições árabes muito acentuadas. Nos últimos anos, o Pentágono começou a
conceber o fundamentalismo islâmico como um substituto para o papel de inimigo
histórico.Como nos tempos da Guerra Fria, são subvencionadas na nova
constelação mundial todas as forças políticas que se declaram contra o fundamentalismo e a favor do Ocidente, por
mais corruptos e cruéis que sejam os regimes à frente de tais forças.Mas o novo
cálculo estratégico com que os especialistas ocidentais procuram justificar sua existência insiste em
deixar resto. Ao contrário do socialismo, o fundamentalismo não é mais um
adversário racional,politicamente definido e previsível em suas ações. Além de
não possuir um centro de atividades
nitidamente localizável no mundo, ele também não se restringe apenas ao
islamismo. Em muitas regiões da África não muçulmana e em toda a América
Latina, seitas fundamentalistas cristãs assumiram nos últimos anos o lugar
antes ocupado pelos movimentos socialistas. A mesma ilusão social do
fundamentalismo religioso floresce também nos próprios centros econômicos
ocidentais. Foi um choque para os Estados Unidos descobrirem que os
responsáveis pelo devastador atentado a bomba em Oklahoma City não eram
terroristas islâmicos e estrangeiros, mas sim cidadãos brancos e norte-americanos, adeptos de uma
facção ideológica cristã.E quem poderia imaginar que num país como o Japão,
considerado o aluno exemplar do sucesso econômico, um movimento radical
comandado que prega o final dos tempos
pudesse influenciar tantas pessoas e até aliciar adeptos no Exército japonês?
Os fanáticos religiosos tomam a ofensiva por toda parte. De onde eles vêm? Com
certeza não de outros planetas. Vêm justamente do interior do próprio mundo dominado pela economia de mercado.
O "realismo neoliberal, na verdade, conhece muito mal as pessoas. Ninguém
mais pode negar que no mundo do liberalismo econômico a miséria social se
alastra como um incêndio de vastas
proporções. Não apenas no Brasil, mas também em todo o mundo a liberdade e tolerância ocidentais dão provas de um
cinismo próprio à "democracia do
apartheid, como bem a denominou Jurandir Freire Costa. Ao mesmo tempo,
não é apenas nas favelas que os vínculos sociais são rompidos, mas em todas as
classes sociais. Tanto o efetivo processo econômico quanto a ideologia
neoliberal tendem a dissolver as relações humanas na economia. O economista
norte-americano Gary S. Becker foi laureado, em 1992, com o Prêmio Nobel por desenvolver a hipótese de que todo
comportamento humano (até mesmo o amor) é orientado pela relação
custo-benefício e pode ser representado matematicamente.Os "realistas não
têm resposta para a miséria social nem para a
miséria das relações e sentimentos humanos num mundo inteiramente
racionalizado pela economia; eles apenas encolhem os ombros e passam à ordem do
dia imposta pelo mercado. Mas a miséria não pode permanecer calada, tem de encontrar sua própria linguagem. Como porém a
linguagem racional do socialismo está
morta, o irracionalismo da linguagem religiosa faz seu retorno a uma
sociedade confusa só que agora com uma gramática muito mais selvagem e funesta.
Agora se tornou evidente que o socialismo não era apenas uma ideologia, mas também uma espécie de filtro
ético sem o qual a civilização moderna é totalmente incapaz de existir. Privada
desse filtro, a economia de mercado
sufoca em sua própria imundície, que deixou de ser assimilada institucionalmente.
Ao longo de quase 150 anos, até a década de 70 desse século, todo surto de modernização econômica desencadeava
simultaneamente uma reação revolucionária da juventude intelectual. A
solidariedade aos "fracos e oprimidos foi sempre um forte impulso à
oposição e à crítica radical, inclusive sob o império da "juventude
dourada das classes mais altas. Após a vitória global do mercado, esse impulso
extinguiu-se. Os "golden boys e as "golden girls da era neoliberal
querem apenas jogar na Bolsa. A juventude da classe média, numa atitude
narcisista, abandonou os preceitos morais e deixou de lado o trabalho
intelectual. Seu espírito capitulou diante do mercado globalizado. Seja no
Egito ou na Argélia, no Brasil ou na
Índia, jovens ocidentalizados sonham em ganhar dinheiro como engenheiros ou médicos, jogadores de futebol
ou corredores de atletismo; com o tempo,
não se sentem mais responsáveis pela miséria social.Os intelectuais estetizam a
miséria e a exploram comercialmente; os sofrimentos daqueles que passam fome
são transformados em publicidade.O temperamento ditado pela lógica do mercado
chegou mesmo a criar um "culto à
maldade. Em seu livro sobre o "Renascimento do Mal, o sociólogo alemão
Alexander Schuller afirma: "Não é mais o progresso e a razão que povoam
nosso cotidiano e nossa fantasia, mas sim o mal. Desde a queda do socialismo, é
possível verificar um aumento empírico da crueldade, e por toda parte impera
uma maldade incompreensível. Mas, se a própria juventude da classe média está
moralmente perdida, a base moral para que os filhos dos pobres compreendam sua
miséria é ainda mais problemática. Numa pesquisa realizada em Moscou com
menores de 14 anos, a maioria dos
meninos respondeu que sua "profissão dos sonhos é ser "mafioso, e as meninas,
"prostituta. O fundamentalismo não supera essa ausência de moralidade, mas
apenas lhe dá uma expressão irracional. Quando essa regressão pseudo-religiosa
se apodera do último resíduo de uma esperança perdida, arquivada ainda
pendente pela história, a vontade de
mudança torna-se o pálido desejo de ser deixado
em paz pela economia de mercado.O fundamentalismo não possui um programa de
emancipação social, mas apenas um projeto ideológico de pura agressão,
resultado aliás do próprio fracassem
concretizar a liberdade. Todo o seu programa esgota-se num ímpeto agressivo com
roupagem religiosa, como na expressão dos jovens favelados de Paris: "J'ai
la haine _tenho ódio. As novas religiões do ódio, sejam elas de origem islâmica
ou cristã, são todas de natureza sintética, arbitrária e eclética. Todas têm
apenas o nome em comum com as autênticas
tradições religiosas a que se remetem. São um subproduto da modernidade
decadente das sociedades de mercado
ocidentais ou ocidentalizadas. Pelo próprio fato de não oferecerem uma
perspectiva histórica, tornam-se uma atraente alternativa de carreira para pequenos e grandes "líderes que se valem
do ressentimento generalizado.Os representantes da sociedade oficial e os
ideólogos do neoliberalismo reagem a essa evolução ao tentarem aliar a lógica
de mercado às "virtudes conservadoras.
Os homens devem ser ao mesmo tempo egoístas e altruístas, implacáveis na
concorrência e humildes perante Deus, minuciosos no cálculo abstrato de custos e benefícios e ao
mesmo tempo moralmente imaculados.Com essa esquizofrenia ética e pedagógica, o
pensamento dos próprios "realistas econômicos transforma-se na mentira dos
fundamentalistas: não há como
diferenciar uma ideologia da outra. E isso não admira, pois o pano de fundo do
fundamentalismo é constituído não apenas pela pobreza, mas também
pelo medo da classe média com relação aos pobres. A ilusão pseudo-
religiosa constrói seu ninho tanto nas cabeças dos pobres quanto na dos ricos.
A militância social da classe média, sob o disfarce de religião, não é
menos poderosa do que a loucura dos
pobres. Em seu ensaio "Visões da Guerra Civil, o escritor alemão Hans
Magnus Enzensberger caracteriza essa tendência
das "sociedades respeitáveis: "Cidadãos discretos
transformam-se da noite para o dia em 'hooligans', incendiários, fanáticos
raivosos, 'serial killers' e franco-atiradores. O fundamentalismo é
"realista e o "realismo é fundamentalista. Ambos possuem a mesma estrutura ideológica. Ambos
falam, como se sabe, do "final da história, só que a escatologia do
mercado acredita que esse final já foi alcançado. E ambos transitam pelos
mesmos meios: os empresários, assim como os pregadores supostamente iluminados,
são ávidos por dinheiro. Os pregadores, assim como os políticos, são ávidos por
aparecer na televisão. Por outro lado, não se pode negar o caráter quase
religioso do "realismo econômico. Pois não vimos o presidente George Bush,
a exemplo de seu adversário islâmico Saddam Hussein, enviar à frente de batalha
o Deus de uma religião militante? E isso não é apenas um simples detalhe. A racionalidade
do mercado tem origem religiosa; ela só é racional na medida em que um sistema
irracional fechado sobre si mesmo cria sua racionalidade interna. O resultado
da história moderna _o mercado total é o resultado de uma religião secularizada
que ganhou forma no protestantismo. Os Estados Unidos, a última força mundial
do mercado, estão impregnados do fundamentalismo calvinista que considera o
sucesso financeiro um fim em si mesmo. A tolerância ocidental é somente uma
forma particularmente pérfida de intolerância, pois o deus do mercado não
admite nenhum outro deus além de si
mesmo e tolera apenas aquilo que se submete incondicionalmente a seus métodos.
O fim da história é o retorno da história. O início da modernização econômica
foi marcado pelas guerras religiosas do século 17. Essa época foi substituída pelo absolutismo, com
sua estrutura estatal e mercantilista. Somente no século 19 nasceu o
liberalismo do livre mercado. Mas como
definir o século 20? Sob o aspecto formal, ele transformou o mercado
numa totalidade perfeita, mas não sem
provocar crises avassaladoras. Este é o século em que a história
começou a voltar-se para o passado. As economias estatais das duas guerras mundiais, o socialismo estatal tanto
do Oriente quanto do hemisfério sul e
também o keynesianismo do Ocidente (com seus rudimentos de economia estatal) podem ser compreendidos de certa
maneira como um regresso à era
mercantilista. Hoje, após o colapso de todas as variantes da economia de
Estado moderna, o neoliberalismo promete
uma nova Era de Ouro para o livre mercado.
Mas, se é verdade que a história voltou-se realmente para o passado, uma
era totalmente diferente nos acena do futuro. O cientista político
norte-americano Samuel P. Huntington diz mais do que imagina ao propor a hipótese
de que a época dos conflitos entre ideologia e Estados nacionais será
substituída por um "conflito de civilizações. Qual o significado disso, senão que o processo de modernização
econômica antes de ser definitivamente
sugado pelo buraco negro da história_ retornará à era da militância religiosa e
à Guerra dos 30 Anos? O neoliberalismo será irremediavelmente arrastado por
essa tendência porque sua própria
"utopia negra do mercado total possui um germe de religião totalitária. O
socialismo, ao contrário, não se baseava apenas na economia estatal, mas também na ideia de uma
sociedade solidária, que sanciona suas
próprias leis em vez de seguir princípios irracionais. Se não quisermos que o
século 21 se torne uma nova época de guerras religiosas, devemos reformular o
socialismo num registro não mais dominado pela economia de Estado. Somente
desse modo será possível dar uma nova abertura à história. ROBERT KURZ é sociólogo e ensaísta alemão, coeditor
da revista ''Krisis''; publicou no Brasil, entre outros, ''O Colapso da
Modernização'' e ''A Volta do Potenkim'' (Paz e Terra)
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