Manuel Bandeira
(Itinerário de Pasárgada)
(...) fui vivendo, morre-não-morre, e,
em 1914, o doutor Bodmer, médico-chefe do Sanatório de Clavadel, tendo-lhe eu
perguntado quantos anos me restariam de vida, me respondeu assim: o senhor tem
lesões teoricamente incomparáveis com a vida, enquanto está sem bacilos, come
bem, dorme bem, não apresenta em suma nenhum sintoma alarmante. Pode viver cinco,
dez, quinze anos... Quem poderá dizer? Continuarei esperando a morte para
qualquer momento, vivendo sempre como provisoriamente.
Sua Poética:
Estou farto do lirismo comedido
Do lirismo bem comportado
Do lirismo funcionário público
com o livro de ponto
expediente protocolo
e manifestações de apreço ao sr. diretor
Estou farto do lirismo que pára e vai
averiguar no
dicionário
o cunho vernáculo de um
vocábulo
Abaixo os puristas
Todas as palavras sobretudo os barbarismos universais
Todas as construções sobretudo as sintaxes de exceção
Todos os ritmos sobretudo os inumeráveis
Estou farto do lirismo namorador
Político
Raquítico
Sifilítico
De todo lirismo que capitula ao que quer que seja fora
de si mesmo
De resto não é lirismo
Será contabilidade tabela de co-senos secretário do
amante exemplar
com cem modelos de cartas e as diferentes maneiras de agradar
às mulheres etc.
Quero antes o lirismo dos loucos
O lirismo dos bêbados
O lirismo difícil e pungente dos bêbados
O lirismo dos clowns de Shakespeare
- Não quero mais saber do lirismo que não é
libertação.
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