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sábado, 23 de julho de 2011

Política

Don Vincenzo

Outro dia, comentando a política local, uma voz amiga me falou que eu deveria permanecer neutro neste confronto de interesses, pois, se não estivesse do lado certo, poderia depois sofrer as consequências dessas minhas singelas reflexões.

Esta política de coerção, afeito aos coronéis das Minas Gerais no século retrasado, já havia sido expurgada da história com a morte da Guarda Nacional, criada na época do Império, e eu nunca imaginei de reencontrá-la aqui nestas terras costeiras que escolhi para viver.

O que as pessoas precisam saber é que hoje em dia, neste mundo hegemônico e cruel, só existe uma maneira de ser: ou você é um gangster, um homem rico, um Don Vincenzo na vida, ou é um revolucionário, um transformador de paradigmas e geralmente pobre.

Eu escolhi ser o segundo, mas o Brasil parece-me que escolheu um Don Vincenzo qualquer como protagonista das histórias escritas por uma geração de políticos. Mas essa aberração não é privilégio do nosso país, é sim o reflexo do que vem acontecendo em todo mundo dominado pelo interesse maior do capitalismo: o dinheiro. Ninguém vive sem ele. Quanto maior é o caixa, maior é o poder que ele exerce sobre outros poderes menores. Esta ganância vai crescendo até chegar ao poder supremo que é quando Don Vincenzo se julga deus.

Os homens brasileiros que hoje fazem política são todos iguais de longe. Posam de bons meninos. Querem o melhor para o cidadão. Mas quando se chega mais perto, ao aproximar-se, de um lado ou de outro, observando a intimidade dos grupos, pode-se ver que eles se agarram as elites financeiras do país como ostras no casco do navio. Ninguém quer largar o território conquistado. Todos querem ficar ricos, dar o melhor para a família, não perder a boquinha, nada eles pretendem transformar, nada eles podem mudar. Olhando-os de binóculos nota-se que em volta deles, geralmente escondidos, existe uma plêiade de impiedosos e mesquinhos empresários conservadores.

O povo pobre e a burguesia insatisfeita de uma pequena ou grande cidade brasileira sofrem com o poder estabelecido vivendo um regime de usura onde prevalece o capital com a selvageria do poder. Muitas cidades em todo território nacional passam por esse processo, algumas são tão massacradas que chega a assustar o observador mais atento. Rouba-se até da merenda escolar. Todos nós ficamos escandalizados, mas de maneira diferente. O povo pobre, trabalhador, biscateiro, a maioria, fica em silêncio e se contenta com pouco, Don Vincenzo sabe disso e anda com seu bolso cheio de moedas. Do outro lado, passando dificuldades e como está sempre assustada, a classe média coagida, a burguesia mais bem informada, querem participar mais do que nunca das mudanças democráticas que virão por ai. Eles só querem que o próximo homem, seja de que partido for, represente o seu futuro. E sendo aos seus olhos um governante confiável, novo, dinâmico, faça o que for preciso e muitas vezes rompendo os paradigmas do impossível para que todos eles melhorarem de vida.

Na verdade é que o povo precisa lutar por um governo socialista e verdadeiro, com oportunidades iguais a todos, mais saúde, trabalho e moradia para os que precisam e aos seus filhos educação de qualidade e boas escolas, universidades livres e públicas e muita cultura para elevar o sentimento do existir.

Mas Don Vincenzo não se interessa por nada que é público, justo e honesto. No mundo do capital eles são os ricos, donos do poder maior e por isso fica tão difícil derrotá-los sem ter a mesma moeda de troca, a mesma arma, o mesmo capital. - Não se luta contra um canhão com pedras na mão. Disse o comandante a José: - Eles estão dispostos a tudo. Sabem que com o tempo vão perder seu dinheiro e suas boquinhas, mas sabem também que o dinheiro compra homens e idéias e para não serem escorraçados, financiam campanhas, criam compromissos, distribuem benesses.

O povo precisa entender e ser informado da mecânica reacionária dos poderosos e dar um passo à frente na busca de novos horizontes sociais.

Don Vincenzo quer ver prevalecer seus interesses inescrupulosos, regidos por princípios de segredo e de silêncio solidários. Quando estão, chegam ou voltam ao poder, governam estabelecendo leis próprias e buscam sobrepor-se ao constituído.

Nada disso precisa novamente acontecer se o bom político, que ainda existe e vai mostrar a sua cara, não criar compromissos novos com as velhas oligarquias estabelecidas e seus representantes.

O povo precisa acreditar e apostar no novo, no que pode vir para transformar o velho e carcomido sistema e mudar o que for preciso ser mudado, com reformas e posicionamentos administrativos coerentes com a vontade desse mesmo povo. Nada melhor para isso que as eleições majoritárias do ano que vem. Mais do que nunca hoje eu tenho certeza que vai vencer o melhor.

Meu pai Sette de Barros, político habilidoso, getulista, juscelinista e janguista, era um homem de idéias avançadas. Depois de vinte anos afastado pelo golpe militar, voltou à política se elegendo prefeito de Ponte Nova, sua terra natal. Mesmo com a elite rural e grande parte da burguesia contra ele, nunca perseguiu ninguém nos seus seis anos de governo. O senador Tancredo Neves, na época candidato ao governo de Minas, dizia para o meu pai que ele não devia concorrer à eleição majoritária, perderia na certa em uma cidade comandada por uma poderosa oligarquia rural. Ele respondeu ao amigo disputando a eleição “do sem tostão contra o milhão”, como ficou conhecida, mas tratando o povo com a leveza da verdade combinada com o exemplo do seu passado de luta e de determinação da vitória construída a ferro e fogo contra os poderosos locais, ganhou a eleição com grande maioria dos votos. Assim Ponte Nova foi a primeira cidade visitada por Tancredo Neves, governador eleito de Minas. Ele fez tudo oficialmente, cheio de protocolos e pompas, só para prestigiar e cumprimentar publicamente o amigo em sua espetacular vitória. O velho tinha, portanto poder e muito, mas nem por isso precisava andar de mãos dadas com Don Vincenzo, perseguindo seus inimigos, que não eram poucos na política municipal sob seu comando. Ele me dizia: - a política não é feita com ódio, mas com idéias e liberdade e que um inimigo inteligente ajuda muito mais um governante esperto que um amigo burro e tapado. Viva o velho Sette!

(Essa história é tão longa que é quase uma vida. Sei que ela precisa ser contada ou escrita em todos seus detalhes qualquer dia desses para se conhecer e se entender, a partir da minha visão cinematográfica, a intrincada rede de intrigas e traições que forjam a cabeça e o pensamento do político brasileiro).

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