Grilhões do Passado
Sou a favor da liberdade total no processo criativo. Se um escritor começa a escrever um livro, um cineasta a fazer um filme, um pintor a pintar um quadro, um poeta esboçando o seu poema, e se o seu enredo está preso no cipoal dos clichês de uma trama que se quer realista, verossímil, novelesca, comum, mesmo sendo ele recheado de surpresas lingüísticas, erudição, personagens fortes, mesmo assim ele está preso a vida, ao que é papável, a terra e aí os seus limites são pétreos. Uma página após outra em sequência coloca a inteligência criativa presa aos objetivos de se chegar a um fim. Mas se ao contrário você cria a gênese dos seus personagens em situações fora do contexto acadêmico e lógico de um romance e passa a lhe dar asas poéticas experimentais, você primeiro se livra dos grilhões do passado, do lugar comum e se solta e voa com a liberdade do futuro, do inatingível, do novo, ao que não foi ainda experimentado e que verdadeiramente merece ser criado. Depois você está criando a partir do nada, não tem que chegar a lugar nenhum, não há o compromisso com o tempo, com a forma, tudo pode se estender pelo eterno e o texto vai fluindo em todos os sentidos, cristalino, puro na essência dos seus significados, só epifania! Só isso é prazer,..
Orson Welles fez no seu cinema um exemplo disso em dois dos seus filmes: Citizem Kane (1945) e Mr. Arkadin (1955). O primeiro, embora uma obra prima, foi concebido e realizado dentro dos conceitos clássicos do cinema e o segundo já está mais perto de um cinema livre e poético e por isso, na minha maneira de ver, é um filme mais revolucionário, mais impactante, que o primeiro e por isso menos visto, menos apreciado, menos entendido, até hoje conserva os seus mistérios e provoca novas descobertas, epifanias.
Assisti novamente os dois filmes aqui no meu computador, parando em algumas cenas descobri que Wells gosta mais do texto, escreve também com a imagem, o ator é o complemento, o meio. Eu gosto mais do segundo filme, me identifico com sua liberdade poética. Orson Welles e quem tem a palavra no final de uma entrevista dada ao crítico francês Andre Bazin;
... Vou lhes fazer uma confidência mais terrível: só gosto de cinema quando estou filmando; então é preciso saber não ser muito tímido com a câmera, violentá-la, acuá-la em suas últimas trincheiras, pois não passa de um vil mecanismo. O que conta é a poesia.
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