Sempre que me coloco em frente uma câmera de cinema, ou mesmo de vídeo, sinto-me desconfortável, não sei me comportar, não sei onde coloco a mão. Se eu dou um sorriso ou se fico sério. E se tenho que decorar ou falar algum texto, aí é que eu esqueço tudo. Mas o pior e o mais complicado é que não consigo deixar de olhar para a câmera. Toda vez que me convidam para representar um personagem, recuso o convite, não gosto de me ver nem no espelho. Pode ser um paradoxo, mas não nasci ator. Não tenho o gênio de um Welles ou de um Cassavetes, (não consigo me lembrar de outros), que são tão grandes atores quanto extraordinários cineastas.
Lembrei-me disso quando recebi o telefonema do Leonardo, que é amigo do meu filho Emiliano e que com muita simpatia na sua voz fonástica se apresentou dizendo que gostaria de fazer uma homenagem em cinema, um curta em 35mm, com fotografia do Dib Lutfi, sobre três cineastas brasileiros: Eu, o Rosemberg e o Visconti. Disse-me que tinha assistido no Estúdio Garimpo, com o meu filho Emiliano, parte do meu filme AMAXON, que ali está finalizando o som. Ele tinha gostado do que viu - Esse é o cinema que eu gosto, que me identifico, disse-me e depois me explicou a sua idéia do filme Alguém Tem de Honrar essa Derrota.
Ponderei com ele sobre o perigo que existe em homenagear os artistas vivos que ainda tentam trabalhar fazendo cinema e das minhas dificuldades em aparecer como personagem de mim mesmo. Olha que a maioria dos meus filmes foram feitos para homenagear grandes artistas – Goeldi; Krajcberg; P.W.Lund; C.Guarnieri; Blaise Cendrars; Murilo Mendes; P.Nava; Augusto dos Anjos; Geraldo Pereira; Nunes Pereira; A.Daibert; Tancredo Neves; Aloísio de Azevedo e outros... Sei como é difícil ser verdadeiro na narrativa cinematográfica sem traçar, desenrolar, sucumbir, destroçar a alma de um artista que outro artista quer homenagear no balançar da euforia de uma juventude intrépida, inquieta e rebelde. Confesso que fiquei honrado com a lembrança do meu nome, mas ainda irresoluto pedi ao jovem cineasta que marcasse o dia e a hora que eu estaria lá. Nesta noite lhe mandei um emeio: “Meu caro Leonardo, tenho certeza que você vai fazer um filme com inteligência e saber... Não somos atores representando personagens criando a sua história, mas as histórias de personagens que se quer representar como se atores fossem. É sem dúvida uma situação delicada que você coloca nessa sua proposta. Pois não é um documentário, mas sim uma ficção - conspiração do silêncio – um jogo de baralho - assassinato e suicídio - arte e comércio em conflito onde não há vencedores. São como o sal, o azeite e o vinagre, não se misturam, mas pode ter um sabor agradável se bem preparados, com equilíbrio, carinho, afeto e principalmente respeito, pois já passamos por tudo isso e muito mais ainda haveremos de passar”. Cheguei ao set de filmagem, no sábado de carnaval, as seis em puento de la tarde. Era uma praça destas dos bairros cariocas onde os velhinhos podem jogar dama e baralho. Já não havia mais luz. Reencontrei com alegria os velhos amigos que já estavam a algum tempo sentados no banco esperando o diretor e sua produção. - Vamos usar os faróis do carro para iluminar a cena! Gritou o diretor chegando apressado. Sentamos a mesa e distribuímos as cartas ao contrário. Os dados foram lançados. Não podia mais recuar. Tenho certeza, depois pensei: fui o personagem mais cafajeste, mais canastrão, mais estereotipado de todos os amigos ali presentes... Não vou pensar mais nisso. Liberei geral. Leonardo me ligou hoje à tarde me dando notícia do material filmado. Ele me disse ter ficado espetacular e que estaria me mandando algumas fotos desta inesquecível noite via internet... (as que estão aqui publicadas). Não falei nada, mas fiquei emocionado. Sempre fico quando alguém quer me fazer uma homenagem, um elogio, um agrado.
As fotografias são de Tatiana Almeida
Um comentário:
Também nunca sei o que fazer em frente às câmeras. Seja de que tipo for. Acho que me acostumei a estar por trás delas.
E quanto ao encontro de vocês, mesmo vendo de fora, posso dizer que foi emocionante.
Certas coisas ultrapassam a retina. :)
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