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sábado, 21 de março de 2009

Memórias da vanguarda

A arte maldita Um dia no passado tocou o telefone e falei com o grande ator de teatro e de cinema Kimura Schettino. Ator popular brasileiro. Mistura de todas as raças. Sempre um forte para interpretar os seus inúmeros personagens. Atendi ao telefone e era o meu amigo de Belo Horizonte. Ele, de frente à praça da igreja da Boa Viagem, confessava, interpretava chorando e rindo ao mesmo tempo, o seu amor perdido e o seu sentimento infinito de fracasso... Dei uma boa risada e lhe falei: - Um grande ator não fica desempregado! Um ator popular como você não se deixa perdido e muito menos maldito!... Ele não me deu ouvidos... Insistia comigo para encenar novamente a peça que eu havia escrito a mais de dez anos e dizia-me que ensaiava a mesma todos os dias no cemitério... Fiquei assustado do outro lado da linha. Ele recitou um poema – vazava interferência pelo fio ou passava uma motocicleta na rua, só consegui ouvir o final – “... do caos telúrico procedo / ... escuridão ... cósmicos segredos / ... substâncias de todas as substâncias...” Seguia falando do seu projeto e que estava atrás de dinheiro para comprar uma lata de tinta para Gilbertinho Abreu pintar o cenário quando resolveu me telefonar... Pensei: Como o amor a arte pura é o mais revolucionário, o mais inocente e primitivo sentimento de vanguarda de todas as manifestações do homem - Veja: ele não havia almoçado, estava com fome e podia ainda pensar na arte, em presentear ao distinto público com o seu melhor espetáculo, com sua peça preferida, com a melhor representação do seu maior sofrimento - Morte e vida! Ouvi e vi o exato momento em que ele bateu com sua mão forte no orelhão da igreja da Boa Viagem conclamando-me com sua voz empostada: -... Augusto é o meu Eu e Eu sou o seu Anjo! ... Morte e vida. Ouvi e vi o seu lamento e fiquei imaginando o quanto seria bom para a nação se os seus verdadeiros artistas, com liberdade, talento e poesia, pudessem dispor de pequenas quantias para seus grandes projetos. Podíamos estar trabalhando, revolucionando, consolidando a grande arte da vanguarda brasileira.

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