O desatino de Ezra Pound no mosaico da poesia moderna
por
Homero Nunes
In a Station of the Metro
The apparition of these faces in the crowd;
Petals on a wet, black bough.
A aparição destas faces na multidão;
Pétalas num úmido, negro ramalhete.
Ezra Pound ficou 13 anos em um hospício por suas ideias políticas.
Doido ou não, talvez, foi declarado incapaz por flertar com o fascismo, duvidar
da democracia, defender teorias econômicas controversas e produzir uma
poesia moderna demais. Elitista, intelectualmente elitista,
criticava a decadência da civilização e a monetarização das relações pessoais
no capitalismo putrefato. Reacionário na política, revolucionário na poesia,
Pound foi a contradição figurada no caos da consciência torturada do século XX.
E teve tempo, longevo, para torturar sua consciência e se arrepender de muita
coisa: 87 anos. Usando a poesia como instrumento, como artifício, “vórtice
imagético” (como alguns críticos tentaram circunscrevê-lo), o autor construiu
mosaicos de referências estilhaçadas do mundo antigo, medieval, renascentista,
moderno, do ocidente e do oriente, e de mundos mentais, épicos e fantasiosos.
Imagens, metáforas, citações e referências múltiplas; uma erudição que causa
vertigens em nossa mediocridade. Esqueça o fascismo, o autoritarismo, o
elitismo ou qualquer outro ismo relacionado a Ezra Pound, sua
poesia supera todos eles no ismo final do aforismo, poesia
pura no mosaico da modernidade.
O RETORNO
Veja, eles
retornam; ah, vê a tentativa
Movimentos, e os
pés lentos,
O problema do
ritmo e do incerto
oscilar!
Veja, eles
retornam, um, e por um,
Com medo, como
semi-acordados;
Como se a
neve hesitasse
E murmurasse ao
vento,
dando
meia-volta,
Estes eram os
que tem medo de voar,
Invioláveis.
Deuses do sapato
alado!
Com eles, os
cães de prata,
farejando o
rastro de ar!
E ASSIM EM
NÍNIVE
Sim! Sou um
poeta e sobre minha tumba
Donzelas hão de
espalhar pétalas de rosas
E os homens,
mirto, antes que a noite
Degole o dia com
a espada escura.
Veja! não cabe a
mim
Nem a ti
objetar,
Pois o costume é
antigo
E aqui em Nínive
já observei
Mais de um
cantor passar e ir habitar
O horto sombrio
onde ninguém perturba
Seu sono ou
canto.
E mais de um
cantou suas canções
Com mais arte e
mais alma do que eu;
E mais de um
agora sobrepassa
Com seu laurel
de flores
Minha beleza
combalida pelas ondas,
Mas eu sou poeta
e sobre minha tumba
Todos os homens
hão de espalhar pétalas de rosas
Antes que a
noite mate a luz
Com sua espada
azul.
Não é, Raana,
que eu soe mais alto
Ou mais doce que
os outros. É que eu
Sou um Poeta, e
bebo vida
Como os homens
menores bebem vinho.
SAUDAÇÃO
Oh geração dos
afetados consumados
e consumadamente deslocados,
Tenho visto
pescadores em piqueniques ao sol,
Tenho-os visto,
com suas famílias mal-amanhadas,
Tenho visto seus
sorrisos transbordantes de dentes
e escutado seus risos desengraçados.
E eu sou mais
feliz que vós,
E eles eram mais
felizes do que eu;
E os peixes
nadam no lago
e não possuem nem o que vestir.
poesia:
“Não use palavras supérfluas, nem adjetivos que nada revelam. Não use expressões como dim lands of peace (brumosas terras de paz). Isso obscurece a imagem. Mistura o abstrato com o concreto. Provém do fato de não compreender o escritor que o objeto natural constitui sempre o símbolo adequado.
“Não use palavras supérfluas, nem adjetivos que nada revelam. Não use expressões como dim lands of peace (brumosas terras de paz). Isso obscurece a imagem. Mistura o abstrato com o concreto. Provém do fato de não compreender o escritor que o objeto natural constitui sempre o símbolo adequado.
Receie as abstrações. Não reproduza em versos medíocres o que já
foi dito em boa prosa. Não imagine que uma pessoa inteligente se deixará iludir
se você tentar esquivar-se aos obstáculos da indescritivelmente difícil arte da
boa prosa subdividindo sua composição em linhas mais ou menos longas. O que
cansa os entendidos de hoje cansará o público de amanhã.
Não imagine que a arte poética seja mais simples que a arte da
música, ou que você poderá satisfazer aos entendidos antes de haver consagrado à
arte do verso uma soma de esforços pelo menos equivalente aos dedicados à arte
da música por um professor comum de piano.
Deixe-se influenciar pelo maior número possível de grandes
artistas, mas tenha a honestidade de reconhecer sua dívida, ou de procurar
disfarçá-la.
Não permita que a palavra influência signifique
apenas que você imita um vocabulário decorativo, peculiar a um ou dois poetas
que por acaso admire. Um correspondente de guerra turco foi surpreendido há
pouco se referindo tolamente em suas mensagens a colinas cinzentas como
pombas, ou então lívidas como pérolas, não consigo lembrar-me.
Ou use o bom ornamento, ou não use nenhum.”
POUND, Ezra. Arte da Poesia, Ensaios. São
Paulo: ed. Cultrix, 1976. (p.11-12)
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