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sexta-feira, 17 de junho de 2016

Criticando a crítica

Um memorioso formigueiro mental

AUGUSTO DE CAMPOS
ESPECIAL PARA A FOLHA
15/06/2016 

O poeta Ferreira Gullar abre um parêntese nas suas senilidades politicoides para voltar a provocar-me, invocando suposta conversa que teria tido comigo há mais de 60 anos, na qual eu teria falado mal de Oswald de Andrade ("Ilustrada", 12 de junho). Assim procede para enganar os leitores, passando-se por grande amigo e conhecedor da obra de Oswald, quando mal o conheceu e nada fez pela sua reabilitação, iniciada pelos poetas concretos de São Paulo.
A verdade é que, quando veio a opinar, afirmou que quem estava certo era Mário de Andrade e não Oswald. Só abre a pós-boca para autolouvar-se. Enquanto isso Haroldo, Décio e eu, desde fins dos anos 1940, enfatizávamos a importância do autor de "Serafim Ponte Grande", livro que Gullar afirma ter comprado em 1954, mas que Oswald nos ofertou pessoalmente em 1949 com a dedicatória: "Aos irmãos Campos, firma de poesia".
Muito antes de Gullar ouvir falar de Oswald, eu assinara com Décio e Haroldo, em 1950, um texto subscrito por pequeno grupo de intelectuais, "Telefonema a Oswald de Andrade", que ressaltava: "Você, sexagenário, é o mais moço dos escritores brasileiros" ("Jornal de São Paulo", 18/1/1950). Não cola, portanto, a delação desprimorosa de Gullar.
Em 1954, Décio incluía "O Rei da Vela" no seu Teatro de Cartilha. No "Diário Popular", de 12/12/1956, Haroldo e eu afirmávamos: "Contra a reação sufocante, lutou quase sozinha a obra de Oswald de Andrade, que sofre, de há muito, um injusto e caviloso processo de olvido sob a pecha de "clownismo" futurista. Seus poemas ("Poesias Reunidas O. Andrade"), seus romances-invenções "Serafim Ponte Grande" e "Memórias Sentimentais de João Miramar" (de tiragens há muito esgotadas, para não falar de seus trabalhos esparsos ou inéditos), que ainda hoje, por sua inexorável ousadia, continuam a apavorar os editores, são uma raridade no desolado panorama artístico brasileiro." A pretensão de Gullar de ter influído em nossa percepção de Oswald é, pois, mera fanfarronice.
Se alguma vez o seu memorioso formigueiro mental ouviu qualquer restrição de minha parte, não era à obra de Oswald, mas ao seu comportamento, que não era o de um santo. Por exemplo, nos anos 1950, Oswald começou a proclamar que Cassiano Ricardo, presidente do Clube de Poesia, mas também diretor-geral do governador Adhemar de Barros ("rouba, mas faz"), era o nosso Fernando Pessoa. Ora, Cassiano podia nomear quem indicasse para cargos públicos... O verdeamarelista, ridicularizado por Oswald, passava a ser o gênio da raça, por interesses familiares. Era muito mais do que uma irresponsabilidade. Não dava, obviamente, para concordar em tudo e por tudo com Oswald, a despeito de sua grande obra.
São mais do que conhecidos os estudos que publicamos, Haroldo, Décio e eu, ressuscitando a obra de Oswald. Fomos nós que relacionamos o seu "poema-minuto" à poesia concreta. E que estabelecemos o elenco básico de autores do movimento, Mallarmé/Joyce/Pound/Cummings, que Gullar secundou em artigo de 1957, mas cuja obra ignorava. De autores franceses, só conhecia os surrealistas. Não sabia e não sabe inglês.
Em suma, por que sempre insultou os poetas paulistas? Porque sabe que não inventou nada. Que o seu "neo", cercado de uma pequena corte de subpoetas, hoje esquecidos, foi incapaz de deixar de copiar os nossos poemas concretos. Por que volta a me provocar, tendo sido já contestado e desmentido? O surto vem da repercussão da mostra de meus poemas –"REVER"– no Sesc Pompeia (São Paulo), a contrastar com o conformismo dos seus subprodutos drummondcabralinos. Gullar diz que poesia é espanto. Espanto é o que sentimos ao ver o autor de "João Boa-Morte" coroar-se, de fardão, chapéu de plumas, colar e espada, na Academia Brasileira de Letras, onde chucha o seu chazinho bem remunerado com Sarney, FHC, Marco Maciel e até um golpista da TV Globo, entre outros espantalhos imortais da nossa literatura...


AUGUSTO DE CAMPOS, 85, é poeta, ensaísta e tradutor, autor de "Viva Vaia - Poesia 1949-1979" (Ateliê), "Não", "Outro"(ambos pela Perspectiva) e "Poesia Antipoesia Antropofagia & Cia" (Companhia das Letras), entre outros livros.

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