Voos
proibidos
Por Orlando
Senna
Vi o filme cubano Vuelos prohibidos na
bela mostra do 8º Encontro de Cinema Negro Brasil, África e Caribe, criado por
Zózimo Bulbul, com curadoria de Joel Zito Araújo e direção de Biza Vianna. O
filme incide na Cuba atual, neste momento cubano (aproximação com EUA, reformas
econômicas, implementação do grande polo produtor e exportador de Mariel) que
está despertando novas curiosidades, indagações e esperanças com relação à ilha
caribenha que, há pelo menos um século, se instalou no imaginário da humanidade
como um país, ou um povo, diferenciado. O filme, embora realizado este ano e
recém lançado em Cuba, não trata diretamente dos novos acontecimentos, mas sim
da atualização da antiga dicotomia inferno/paraíso, satanização/deificação que
envolve as distintas visões sobre a sociedade cubana desde a Revolução de
1959.
O diretor é Rigoberto López, documentarista super
premiado que se aventura por segunda vez na ficção (a primeira foi Roble
de olor, 2003), apoiado em textos do ensaista acadêmico Julio Carranza e da
trepidante romancista Wendy Guerra, autora de Posar desnuda en La
Habana (no Brasil Posar nua em Havana, Editora Benvirá). O filme
conta o envolvimento entre uma francesa que viaja a Havana para conhecer seu
pai cubano e um fotógrafo cubano que está em trânsito, voltando da África para
seu país. Encontram-se no aeroporto de Paris e ficam juntos porque o voo é
transferido para o dia seguinte e, por fim, chegam ao destino.
É uma longa discussão, às vezes tensa, às vezes
amorosa, entre a francesa que vê Cuba como uma ditadura e o cubano que afirma
que seu país é outra coisa, tentando esclarecer o significado de uma revolução
permanente. Ele expõe as dificuldades e os avanços sociais, os descaminhos e as
retomadas, as dores e as alegrias, os erros e acertos da Revolução.
Principalmente, ele afirma seu pertencimento ao país e à sua cultura,
defendendo a ideia de que nesse pertencimento está incluído o “ser
revolucionário”, o revolucionar-se todos os dias da vida. Ela tenta trazer a
discussão para a “realidade”, para a censura, para o descumprimento de direitos
humanos. Ele se apoia na vivência, ela se apoia na mídia.
Discussão aberta, sem papas na língua, os autores
almejam todo o tempo a sinceridade, inclusive sem esconder as dúvidas e as
inseguranças dele ou dela. Em seguida à exibição aconteceu um debate que,
surpreendentemente, repetiu na plateia a esgrima político-filosófica que está
no filme. De outro jeito, sem a tensão de discordâncias políticas entre
namorados, mas na mesma linha. Perguntou-se como um filme com aquele conteúdo
podia ser cubano se existe censura em Cuba e Rigoberto López teve de informar
que é uma produção da empresa estatal de cinema, com apoio do Ministério da
Cultura.
Perguntou-se se era uma exceção. Explicou-se que o
cinema cubano (como o teatro e a literatura) sempre teve um viés crítico com
relação ao governo, ao regime, aos costumes. Que uma das principais
manifestações cinematográficas da Cuba revolucionária é a chamada Comédia Crítica.
O que é visível, basta lembrar Morango e chocolate (Fresa y
chocolate) e Guantanamera, ambos de Tomás “Titón” Gutierrez Alea,
considerado o maior cineasta cubano. Vi algumas pessoas boquiabertas quando
Rigoberto mencionou o movimento do Cinema Independente, fato mais chamativo da
atualidade cinematográfica cubana, com filmes de sucesso internacional
(exemplo: Juan de los Muertos, de Alejandro Brugués, prêmio Goya
da Espanha). Cinema Independente em uma ditadura socialista? Como? Pois é, Cuba
é mesmo difícil de entender e, por isso, seria salutar que Vuelos
prohibidos e outros filmes made in Cuba fossem lançados
comercialmente no Brasil e outros países. O cinema é uma via de entendimento,
como se sabe.
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