O ESPÍRITO DAS ALTURAS
Fabio Carvalho
Mais ou menos quatro anos atrás, recebi um
telefonema do amigo Antônio Leão, pesquisador de cinema em São Paulo, colocando
à minha disposição um material em 16mm, que encontrara numa feira de
antiguidades. Ele me contou que se tratava de um registro raro do
ex-presidente Juscelino Kubitschek durante seu exílio em Portugal, em uma lata
sem identificações e que sua preocupação era que esse material estava avinagrando
e poderia se perder. A princípio relutei em aceitar, primeiro porque não estava
nem um pouco interessado naquele momento em trabalhar com imagens que não
tivesse produzido; segundo, não tenho muitos contatos na área de conservação e
preservação, por fim não queria pegar para mim mais uma questão para resolver.
Estava com uma série de projetos engastalhados, não tinha disposição nenhuma em
arrumar mais um problema para minha acidentada trajetória cinematográfica. Aos
poucos fui convencido pelo Paulo Augusto Gomes e pela Isabel Lacerda a comprar
a idéia e ver no que ia dar. Recebi pouco mais de duas horas de filme p&b
revelado. A partir de então como mágica as coisas começaram a mudar. Há muito
pensava em tirar minha produtora de cima da mesa da sala do apartamento em que
moro, coisa que causava enormes transtornos e inadequações. Foi quando surgiu a
oportunidade, através de um arquiteto, de alugar um apartamento chamado duplex
nas alturas do edifício JK, bem no coração da cidade. O espaço era extraordinário,
todo reformado, novinho em folha, perfeito para o estúdio que eu desejava ter,
coisas de arquiteto. Aí veio o problema: muito caro para minhas parcas
condições. No ato fiquei sabendo através da corretora, que tinha outro igual a
esse, só que sem benfeitorias, bem mais barato. Perto do primeiro, era muito
mais simples, mesmo assim me encantou de chofre. Não demonstrei entusiasmo e
ofereci quase a metade do que a proprietária pedia, ela aceitou. Passados mais
de três meses que agora o filme estragava na minha casa, já não disfarçava
minhas preocupações. Numa roda de velhos conhecidos na mesa do botequim,
comentei meu problema, nesse momento um deles, diretor financeiro de uma grande
empresa, me perguntou do que eu precisava para tocar o projeto. Respondi que
precisava urgentemente digitalizar tudo, antes que se perdesse para sempre.
Falou então para eu ver quanto custava que ele iria bancar. Não duvidei. Três
dias depois, no seu escritório, sem pechinchar ele pagou de uma tacada só.
Perguntei como poderia colocar um agradecimento ou apoio com o nome dele e o da
empresa no filme. Ele me recomendou veementemente a não colocar nenhuma menção
nem a ele nem à empresa, senão todo mundo pediria patrocínio para ele, e que só
tinha feito isto porque gostava de mim, ainda mais especialmente por causa do
JK. Três dias antes do prazo combinado para entrega, o técnico encarregado da
telecinagem ligou se dizendo entusiasmado com a excelência do trabalho me
chamando para ir lá ver. Realmente, para surpresa geral, a qualidade técnica
estava intacta em imagens de um preto&branco de altíssimo nível,
notadamente feitas por um extraordinário fotógrafo, além de exímio câmera com
movimentações e angulações surpreendentes e grande proximidade e cumplicidade
com a personagem JK. Esta visão lavou meus olhos e minha alma. Assim fecundamos
um filme.
Nenhum comentário:
Postar um comentário