‘ESTADO DE MINAS’
A agonia dos Diários e Emissoras Associados
Por Ângela Carrato em 13/01/2015
A sede do jornal Estado de Minas está à venda,
deixando explícita a gravíssima crise que a empresa enfrenta, envolvendo má
gestão, perda de credibilidade e o consequente desaparecimento de leitores e
anunciantes. A título de exemplo, o jornal, que é o mais antigo e tradicional
da capital mineira, tem circulado com apenas dois cadernos, num total de 24
páginas, ao contrário de um ou dois anos atrás, quando, mesmo em dias de edição
mais fraca, eram quatro ou cinco.
O objetivo da venda é tapar buracos no caixa da
empresa, que tem demitido jornalistas e demais funcionários com idêntico
objetivo. As instalações do Estado de Minas serão transferidas para o prédio
onde funciona a TV Alterosa e a rádio Guarani, ambas do mesmo grupo, os Diários
e Emissoras Associados. Nesta transferência, é possível antever novos cortes de
pessoal e não está descartado nem mesmo o fim da publicação em papel, permanecendo
apenas a versão digital.
Localizada em um dos pontos nobres da capital
mineira, a sede da SA Estado de Minas vale em torno de 50 milhões de reais, mas
as ofertas, até o momento, não ultrapassam 30 milhões de reais. A venda
representará mais um capítulo, talvez dos últimos, na história do condomínio
fundado pelo primeiro magnata da mídia brasileira, Assis Chateaubriand, que
chegou a ter 36 jornais, 18 revistas, 36 rádios e 18 emissoras de televisão.
Do que antes foi o “império” de Chateaubriand restam
agora, com alguma expressão, além dos veículos em Minas, apenas o Correio
Braziliense, na Capital Federal, e dois jornais no Nordeste. Há pelo menos duas
décadas que o jornal Estado de Minas é considerado o carro-chefe do grupo,
situação que apenas enfatiza a gravidade do quadro.
Os jornais impressos estão enfrentando problemas em
todo o mundo. Recentemente o Washington Post também colocou sua sede à venda.
Diariamente se tem notícia de jornais nos Estados Unidos e na Europa que estão
fechando as portas ou reduzindo drasticamente suas tiragens em consequência das
novas tecnologias que, indiscutivelmente, tem tido forte impacto no modelo de
negócios destas publicações. No entanto, seria um equívoco atribuir à derrocada
dos Associados e, em especial do jornal Estado de Minas, apenas às novas
tecnologias. Os problemas são mais antigos e profundos.
O reforço à imagem de “neutro”
O jornal Estado de Minas foi o tema de minha
dissertação de mestrado, defendida na Universidade de Brasília, em 1996. Sob o
título de “A ‘amena’ Casa de Assis, imprensa e conservadorismo em Minas
Gerais”, procurei entender as razões pelas quais os Associados haviam declinado
em todo o país, mas continuavam firmes e fortes no Estado. Em outras palavras,
quais eram as relações e ligações entre este veículo e seus leitores? O jornal,
como se autodefinia, era realmente “o espelho de Minas” e “a voz de Minas”?
Ao contrário do que muitos acreditam, o jornal
Estado de Minas não nasceu grande e durante muito tempo foi apenas um entre os
vários jornais existentes em Belo Horizonte. Fundado em 1929 por Pedro Aleixo,
Juscelino Barbosa e Álvaro Mendes Pimentel, foi adquirido no ano seguinte por
Chateaubriand. A decisão de vender a publicação foi tomada pelo grupo de Pedro
Aleixo após vários enfrentamentos com as forças situacionistas locais,
encarnadas pelo Partido Republicano Mineiro (PRM).
Na época, as disputas entre grupos políticos em
Minas eram muito intensas e o aparente distanciamento de Chateaubriand dessas
questões contou pontos a favor de sua publicação aos olhos da maioria dos
leitores, calejados com os frequentes arroubos da imprensa nitidamente partidária.
No início da década de 1960, o Estado de Minas era
um entre os 13 jornais existentes em Belo Horizonte. A maior tiragem cabia ao O
Diário, de propriedade da Cúria Metropolitana, que se apresentava como “o maior
jornal católico da América Latina”. Outras publicações de peso eram a Folha de
Minas, o Diário de Minas e o semanário Binômio, aos quais se somou a edição
mineira da Última Hora, de Samuel Wainer. Em vários momentos, nos anos de 1962
e início de 1963, as edições de O Binômio e Última Hora venderam bem mais que
as do Estado de Minas.
De olho na concorrência, os Associados, que já
contavam com um segundo título em Minas, o Diário da Tarde, nunca se sentiram
constrangidos em copiar inovações, mesmo as que se constituíam em marca
registrada dos concorrentes. Aliás, desde a década anterior que Estado de Minas
formava uma dobradinha com o Diário da Tarde, o primeiro destinado aos leitores
classes A e B e o segundo ao “povão”.
Pelo fato de Chateaubriand contar com amigos e
financiadores ligados a Juscelino Kubitschek, ele preferiu não aderir aos
setores da UDN que questionaram o resultado da eleição presidencial de 1955,
quando o ex-governador de Minas saiu vitorioso. Agindo assim, o jornal Estado
de Minas conseguiu reforçar a imagem de “neutro” e dá início ao aumento de suas
vendas em banca, mesmo com tiragem muito reduzida se comparada aos jornais do
Rio de Janeiro e de São Paulo.
“Limpeza geral”
Os anos de JK na presidência foram excelentes para o
Estado de Minas, que trouxe para as suas páginas, como anunciantes, todas as
vedetes da época, seja em termos do comércio local, seja das empresas
multinacionais que chegavam ao país. O tráfico de influências, ao lado de propostas
audaciosas como a construção da nova capital federal, marcaram o governo de
Juscelino e a própria relação entre imprensa e poder na época. Nunca interessou
a Chateaubriand o rompimento com JK. O que ele sempre quis e obteve foram
muitos favores e dinheiro. Daí sua presença constante em Minas, que era vendida
aos mineiros como “apreço e gosto pela cultura e tradições locais”.
O que a maioria dos mineiros não desconfiava é que
muitas das vindas de Chateaubriand ao estado tinham a ver com a conspiração que
redundou no golpe civil-militar de 1964. Mesmo bastante doente e preso a uma
cadeira de rodas, ele conspirou e estimulou amigos e funcionários a fazerem o
mesmo. Desde a chegada de João Goulart ao poder que o jornal, sob o argumento
que estava combatendo o “comunismo ateu”, abriu suas baterias contra o governo
federal, respaldado pelo apoio do então governador de Minas, Magalhães Pinto,
“o general civil da revolução” e por empresas nacionais e multinacionais que
aumentavam os anúncios em suas páginas.
A vitória do golpe de 1964 não significou apenas o
sucesso da tese que a publicação defendia. Significou, sobretudo, o fim das
ameaças provocadas pelos concorrentes em Minas. Aliás, publicações que os
Associados não mediram esforços para liquidar, a partir de denúncias,
perseguições e de ameaças a anunciantes que insistiam em investir em “páginas
adversárias”. Sem os entraves de antes, o Estado de Minas passa a atuar como
narrador e comentarista político dos fatos, em suma, como um “ator político”
conservador, que se beneficia da nova situação que ele ajudou e contribuiu para
consolidar.
No editorial “Minas e a Revolução”, publicado pelo
Estado de Minas em 6 de abril de 1964, por exemplo, tem início uma verdadeira
cruzada contra qualquer tipo de atenuante ou perdão “aos que ontem entregavam a
pátria aos flibusteiros de Cuba”. Na mesma edição, o jornal dedicava toda a
contracapa do primeiro caderno aos “Flagrantes da Vitoriosa Revolução
Democrática”. Entre as fotos estampadas estava a da sede da União Nacional dos
Estudantes (UNE), no Rio de Janeiro, em chamas. Apresentada como “célula do
Partido Comunista”, o jornal informava que ela havia sido incendiada “por
populares”.
Para se referir às cassações e prisões de pessoas
ligadas ao ex-presidente João Goulart, o jornal cunhou a expressão “limpeza
geral”, conclamando os militares, através de editoriais, a “não ensarilhar suas
armas, antes que se emudeçam as vozes da corrupção e da traição à pátria”. O
golpe civil-militar de 1964 foi transformado assim na “revolução redentora”,
que havia livrado o Brasil das garras do comunismo, com o Estado de Minas não
medindo esforços na organização e cobertura da “Parada da Vitória”, dia 18 de
abril, quando tropas do Exército e da Polícia Militar de Minas Gerais
desfilaram pela avenida Afonso Pena, a principal de Belo Horizonte, comemorando
os feitos alcançados.
Se a Rua Goiás não deu...
Quem lesse as edições do Estado de Minas no final
dos anos 1960 e durante toda a década de 1970 dificilmente não seria tomado
pela sensação de coparticipante de um processo que havia salvado o Brasil, pois
não faltavam manifestos e abaixo-assinados ressaltando os feitos e o sucesso
dos governos militares. É importante destacar que naquele período, várias
publicações brasileiras que igualmente apoiaram o golpe de 1964 já se mostravam
desiludidas e passavam a enfrentar a pesada censura prévia instaurada a partir
da edição do AI-5. No jornal Estado de Minas, a censura sempre foi dispensável.
O jornal só publicava o que interessava aos novos donos do poder.
Os profissionais considerados mais à esquerda
perceberam que não havia mais condição de continuar escrevendo textos
minimamente críticos e que contivessem quaisquer informações que desagradassem
à direção da empresa e trataram de pedir demissão. Uma parte foi cuidar da vida
como pode e outra se mudou para São Paulo ou Brasília, em busca de trabalho.
Em tempos tão sombrios, a marca registrada do Estado
de Minas era a tranquilidade. Tranquilidade quebrada apenas na manhã de 22 de
junho de 1965, quando do assassinato de seu diretor, Geraldo Teixeira da Costa.
A manchete da publicação sobre o assunto foi “Silencia-se uma das grandes vozes
de Minas”, com o jornal conseguindo não tocar nas razões efetivas da morte de
seu dirigente. E se dependesse dele, estas razões jamais seriam divulgadas.
Fiel aos compromissos católicos, O Diário foi o único a apresentar a verdade
sobre o assunto: o jornalista era o responsável pela sedução de uma jovem de
família pobre, cujo pai jurara vingança. Detalhe: durante o enterro, aviões da
Esquadrilha da Fumaça sobrevoaram Belo Horizonte desenhando no céu o apelido
Gegê, em homenagem ao diretor assassinado.
Mesmo não possuindo ligações com questões políticas,
o episódio serve para ilustrar como o jornal Estado de Minas passa a apresentar
a realidade ao sabor dos seus interesses, pouco somando com a veracidade das
informações e, menos ainda, com a opinião pública, fazendo exatamente o
contrário do que pregava. O episódio demonstra também o peso e a ligação do
jornal com os diversos poderes e instituições. A confortável situação
desfrutada pela publicação levou-a a acreditar piamente nas palavras de seu
então editor-chefe, Pedro Aguinaldo Fulgêncio: “Se a rua Goiás não deu, não
aconteceu”. Para quem não é de Belo Horizonte, rua Goiás é onde se localizava a
antiga sede do jornal.
“Sociedade” com os cofres públicos
Esse autoritarismo, mais do que a postura de um
dirigente, tornou-se a marca registrada do fazer jornalístico do Estado de
Minas. Autoritarismo que impediu e continua impedindo que fatos de importância
local, nacional e internacional “aconteçam” nas páginas do jornal. Quando
muito, o jornal dava e dá a sua versão sobre eles.
Não importava que o Brasil e o mundo passassem por
mudanças significativas. Tudo o que desagrada à ótica dos dirigentes da “amena”
Casa de Assis era e continua sendo atribuído à subversão comunista e, mais
recentemente, ao “bolivarianismo”. Por outro lado, fiel ao ideário de Assis
Chateaubriand, que nunca escondeu sua admiração pelos Estados Unidos, tudo o
que vem daquele país é tratado como certo, importante e fabuloso.
Em 1982, o jornal Estado de Minas apoiou a
candidatura do ex-ministro Elizeu Resende contra Tancredo Neves na disputa pelo
governo do estado. Para Tancredo conseguir que matérias sobre sua campanha
fossem publicadas, teve que comprar espaço, mesmo sendo acionista da empresa.
As páginas do Estado de Minas ignoraram a campanha pela anistia aos presos
políticos e em prol das eleições diretas para presidente da República. No plano
regional, de 1980 aos dias atuais, o jornal Estado de Minas esteve uma única
vez na oposição, quando do governo de Newton Cardoso. Mesmo assim, as razões
desta oposição estão longe de qualquer ideal republicano. A empresa e Cardoso
se desentenderam no que se refere a pagamentos de publicidade e a verbas
destinadas à publicação, numa briga classificada por quem a acompanhou de perto
como sendo “coisa de cachorro grande”.
Se os métodos de Chateaubriand valeram para garantir
poder e influência ao Estado de Minas em décadas anteriores, foram importantes
para mantê-lo em pé, sobretudo a partir de 2003, quando o neto de Tancredo
Neves chega ao poder e garante-lhe uma sobrevida que poucos julgavam possível.
Já naquela época, os Associados estavam quebrados e o Estado de Minas era a
publicação que tinha situação financeira um pouco melhor, mas longe de ser
considerada boa. Aliás, fiel ao estilo de vida de Chateaubriand, os dirigentes
do Estado de Minas sempre foram pródigos em gastos, pouco somando se a situação
financeira da empresa permitia isso. A título de exemplo, enquanto os seus
dirigentes e condôminos têm salários (além de retiradas mensais) superiores a
R$ 50 mil, a empresa atrasa o depósito do FGTS e paga o piso salarial da
categoria para a maior parte de seus funcionários.
No passado, o próprio governo de Minas chegou a
arcar com a folha de pessoal do jornal e também com a complementação salarial
dos funcionários da empresa via assessorias de imprensa no próprio governo e
empresas estatais. O colunista social Wilson Frade, por exemplo, chegou a
receber por 17 assessorias. Vale dizer: dia sim, dia não, tinha um dinheiro
entrando em sua conta. Inúmeros são também os casos de jornalistas dos
Associados em Minas que tiveram três, quatro ou mais assessorias ao mesmo
tempo. Para o já citado Pedro Aguinaldo Fulgêncio, entrar para o Estado de
Minas era quase sinônimo de ganhar na loteria esportiva ou “tirar a sorte
grande”, como preferia dizer.
Os governos tucanos em Minas fizeram o possível para
garantir o retorno dos “anos dourados” para os Associados. Razão pela qual a
direção da empresa apoiou, elogiou e não mediu esforços para tentar viabilizar
a vitória de Aécio Neves para a presidência da República, transformando o
jornal em uma espécie de boletim de campanha do tucano (ver artigo “Por quem os
sinos dobram“, neste Observatório da Imprensa). Não deu certo e os antigos
problemas de gestão agora batem, com mais força, à porta da empresa. Afinal, a
“sociedade” com os cofres mineiros parece ter chegado ao fim.
Ângela Carrato é jornalista e professora do
Departamento de Comunicação Social da UFMG. Este artigo foi publicado no blog
Estação Liberdade
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