SAIA PLISSADA AZUL MARINHO
Fabio Carvalho
Hoje dia 11 do mês
12 do ano 13, não aconteceu nada de especial, a não ser o celular que vibrou e
tocou na palma da minha mão na hora exata. Deu certo. No dia seguinte ouço esta
música enquanto chove lá fora sem pinga aqui dentro e me obrigo a escrever já
que ela fica seca se lhe faltam minhas letras, ela mesma assim me disse via
estrelas. Vamos lá ao esplendor. Uma cidade a cantar. De súbito estou tocando o
piano de cauda no primeiro plano acompanhado por uma orquestra completa ao
fundo, vou guardar meu bureau secreto nas alturas para o outro texto, segundo
Ricardo Miranda. É tempo de se pensar. Tenho andado pela Serra chovendo e não
tenho visto Mário o ator, o que me deixa com certo vazio na hora do almoço, mora
na filosofia. Qual o próximo passo? Com esta questão iniciei o lacônico diálogo
que travei com o magricela de boné vermelho que me encarava numa parte sombria
da Avenida do Contorno no inicio daquela madrugada. É certo que iria me
assaltar, mas atordoado ficou ao perceber que eu estava ligado e era muito
maior que ele, assim acabou desistindo de tal ação e me pediu um cigarro
despistando. Ofereci o que eu estava fumando, ele o pegou e saiu de fininho
cabisbaixo até desaparecer atrás da árvore lá na frente, onde o escuro era
maior. Notei nos olhos dele que não era um profissional, o que o movia era a
fome, o crack e o medo, veio daí minha vantagem, para mim era só o instinto
natural da defesa. Salve - se quem puder a vida. Que explicação meu! Cinema
para adultos, brinquedo para putas; escreveu num papel de agenda, a médica
otorrinolaringologista e ambientalista Eulália Jordà-Poblet, logo após assistir
no Cineclube Casa de Cássia o filme que acabei de cometer. Vemos assim a vida
passar. Nós somos o último ocidente, agora se nos provocarem podemos ser o
último oriente. Não lembro quem disse essa frase, nem quem somos os nós a que
ela se refere, coloco aqui simplesmente por um impulso inexplicável. Isto posto
continuemos. Após uma semana de extrações e dores continuadas, esta Sexta feira
dia 20, me permitiu redescobrir através de um Suplemento Literário esquecido
debaixo do criado-mudo, o grande Dantas Motta. O também grande Carlos Drummond
o descreveu: “O que eu apreciava nele, acima de tudo (abstração feita de
valores intelectuais e morais), era me dar a sensação de estar conversando com
alguém que, sob a aparência de Dantas, se chamava Minas Gerais. (...) Sua
ironia e doçura misturadas. Não essa Minas convencional, submissa, concordante,
cautelosa... Mas a Minas aberta, revisora, contestatória, que não se conforma
com a mesmice dos princípios estabelecidos e expõe a exame nomes, situações ,
ideias, com infatigável espírito crítico.” O poeta Motta enxergava a si mesmo
como um ser precário, um homem “nascido no Outono e, como tal, já nascido
velho.” Dantas Motta refere-se ao “sentido aiuruocano da dor” em uma entrevista
a João Condé, embora sua poesia não se limite a um provincianismo, conforme
observou Almeida Salles: “Arrancaste a tua Aiuruoca do espaço mineiro e a
dilataste, por força do teu desespero de exilado, na medida das terras
clássicas, em que a voz do homem configurou o drama do paraíso perdido.” Retiro
estas citações do texto do escritor e professor Caio Junqueira Maciel que um
dia, fazem muitos anos, tive o privilégio de entrevistar, para um pequeno
jornal que fazia com um grupo de amigos, chamado “Artefato.” Claro está que não
passou do terceiro número. Pois bem, o que sei é que “a dor de Aiuruoca”,
ajudou a conter as minhas dores gengivais e estomacais, então vamos lá: esta é
a pagina da dedicatória. É bom que ela mereça ao que veio. Será feio o erro que
ela venha a fazer, agora a pergunta é quem é ela? Resposta bastante difícil, e
para evitar a dificuldade, vou dizer que é complexa e perguntar de novo, que
dedicatória é essa? Quem não for cavalheiro que o pareça. Essa é do Machado de
Assis. Ora pró nóbis, isto sim é piração de cara limpa. Affinia. Ouço os
barulhos do elevador lá fora. Todo esse último parágrafo eu estou copiando do
meu bloco de notas, desconfiado que já tenha utilizado as mesmas palavras em
outro texto, portanto posso estar plagiando a mim mesmo, se o estiver fazendo,
a razão com certeza é a etapa autista que estou cumprindo, só tenho pensado no
meu umbigo, aliás, nunca ouvi falar em alguém que tenha pensado no umbigo dos
outros. Difícil é olhar de frente o próprio umbigo. O Otávio III inventou, e eu
gostei da ideia de escrever minha auto biografia não autorizada, não escondendo
nada que nem mesmo eu gostaria de lembrar, contando com o direito que depois de
escrever se eu não aprovar, posso me auto processar. Tudo tem jeito, por vezes
mais de um jeito. Imagina. Estamos no primeiro dia do novo Verão e me lembrei
do que me motivou a escrever este texto que foi exatamente o título. No Cabral
eu e o Mário pensamos em registrar uma editora para minha auto biografia não
autorizada, com o seguinte nome: Não Procure Saber. Meu ódio à ciência e
meu horror a tecnologia, finalmente me levarão a absurda crença em Deus. Uma
piadinha é claro, mas que pretendemos seriamente levar a adiante. Em estado de
natureza humana corrompida a graça interior é irresistível. Desafio ao duelo. A
graça nem sempre obtém o efeito que Deus a destina. Um instante, por favor.
Você está negando que o homem no momento de agir, é grato pela boa e completa
realização? Sim nego! A vontade está submetida aos prazeres do momento. Merecer
ou não com a natureza corrompida não se precisa ter necessariamente a liberdade
de se ter necessidades. O homem deve ser libertado de toda a necessidade
absoluta e até da relativa. É um erro semi pelagiano dizer que Jesus Cristo
morreu por todos os homens! Você insulta a vontade divina! Cristo morreu para
que o homem tivesse o desejo da salvação. Vontade pré existente é desejo. Meus
pensamentos e ações não estão em meu poder. Minha liberdade é só um fantasma!
Liberdade! O que significa afinal? Significa que entre duas ações, bem e mal,
você pode escolher. Sim, mas deus não sabe de tudo? Sim. Então se eu escolher o
mal ele já sabia? Claro. Então como pode dizer que sou livre, se tudo que faço
é planejado antes? É chamado livre arbítrio, a graça de Deus o ajuda a escolher
o bem. Mas se ele sabe que eu vou escolher o mal, é ele que decide não eu!
Porque ele decidiu que eu escolhesse o mal? Deus trabalha de forma misteriosa.
Durante a minha virtuosa convalescença, além do encanto do Dantas Motta, pude
rever os filmes Mahler do Ken Russel e Via Láctea do Luiz Buñuel, que
vislumbrei, depois de anos perdidos na minha bagunça habitual. Penso hoje em
voz alta que deve fazer algum sentido.
EMBARCAÇÃO NOTURNA
Coquetel fantasma
à bandeja na aurora fria,
Trazendo – me, nos
passos longos dos garçons,
Aquela pluma de
galo que riscava de mulheres servidas,
Todo um tempo
tecido de parede, retrato e chão.
Tempo de um pavor
esquisito, enquanto quieto,
Caminhando por um
enterro de homens e bromélias,
Té quando de mim
os barbitúricos inda precisem,
E este beijo na
fronte marque o sentido doutras ofélias.
Um umbigo não é
taça. Mas nele floresce o mundo,
Entre formões,
formóis, serrotes em flor serrando tíbias,
Para amanhecer,
amanhã, nas grades outros ladrões.
Outros ladrões e
outros chãos de emurchecidas flores,
Que não lograram
viver hoje porque são ontem,
De onde tenho partido para nunca mais voltar.
Dantas Motta
Amizade: quando o silêncio a dois não se torna
incômodo.
Amor: quando o silêncio a dois se torna cômodo.
Amor: quando o silêncio a dois se torna cômodo.
Mario Quintana
Um comentário:
um abração e obrigado por relembrar dantas motta. caio j. maciel
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