Em 28 de
agosto 2013 comemora-se vinte anos da morte de Arlindo Daibert.
Releitura pop de MacunaímaHerói sem caráter e outros mitos da cultura nacional revelam-se através de desenhos
Pedro Maciel
Macunaíma, a obra mais conhecida de
Mário de Andrade, transformada em filme por Joaquim Pedro de Andrade e recriada
nos palcos por Antunes Filho, ganha nova releitura através de uma série de
desenhos de Arlindo Daibert (1952-1993). Os desenhos fazem parte da coleção de
Gilberto Chateaubriand, as sim como as duas
outras séries do artista, Imagens do Grande Sertão e Alice.
Arlindo
Daibert, ao reconstruir personagens de Mário de Andrade, insere traços
autobiográficos, transforma os amigos em personagens, escolhe Tarsila do Amaral
para representar Uiara e Ci, e elege o pintor Siron Franco como Macunaíma, no
quadro das adivinhas . No final do capítulo de Macumba, Mário de Andrade também “mistura aos personagens de ficção
alguns ‘macumbeiros’ reais como Bandeira, Antônio Bento, Cendrars, etc.
Trata-se de uma lembrança de caráter efetivo ou talvez por identificação
ideológica, como no cas o de Raul
Bopp, também evolvido no estudo da cultura popular”.
Macunaíma
de Andrade, Arlindo Daibert, ed. Editora UFJF, é ilustrado com 58 imagens
em técnica mista (desenho, pintura, fotografia, xerox e colagem) e 10 esboços,
realizados entre 1980 e 1982. Daibert, no Diário
de Bordo, registro do planejamento e realização de seus desenhos, diz que,
“o projeto está muito mais ligado ao campo da literatura
comparada e semiologia do que as
chamadas artes plásticas ”. E prossegue: “Meu objetivo é traduzir o
discurso literário em imagens, recriando os processos de escritura do autor e
procurar paralelos nos fabulários americanos”.
O
livro Macunaíma, de Mário Andrade, é
uma rapsódia moderna, história mítica do Bras il
esquecido, lenda de um “herói sem nenhum caráter nem moral nem psicológico”.
Segundo a pesquisadora Telê Ancona Lopez, “Macunaíma
é um projeto que ultrapas sa o
nacionalismo modernista no qual se inscreve ao nas cer,
na segunda metade da década de 20. Na estrutura que recolhe, unifica e dá novo
sentido a um sem número de fragmentos, que se pergunta com ironia sobre seu
próprio rumo; no tratamento conferido ao tempo e ao espaço, na inclusão do
mito; na prosa experimental que se liga à musica e à poesia, na linguagem
decalcada na fala bras ileira, no
herói/anti-herói, espelho dos descaminhos do homem contemporâneo, Macunaíma consegue oferecer, através de
sua arte e da sua funda reflexão sobre o Bras il,
expressiva contribuição à literatura
universal”.
Para
delimitar seu próprio Macunaíma,
Daibert anota no final do Diário de Bordo:
“o projeto não se trata de uma ilustração literal do livro e sim de uma
recriação feita a partir do texto, o que me permite preferir este episódio
àquele e, até mesmo, romper com a ordem da narrativa. Constato a
impossibilidade (inutilidade?) de esgotar as
possibilidades de ilustração do livro. Trata-se de uma narrativa essencialmente
aberta e é este seu encanto”.
O
leitor/observador não precisa necessariamente conhecer a grande obra de Mário
de Andrade para se encantar com a leitura pop que o artista promove. A série de
desenhos surpreende até mesmo o leitor/observador distraído ou desavisado.
Daibert, com
sua estética kitsch-cômico, faz as sociações
livres e colagens bem-humoradas .
Retrata um país incivilizado. Desregionaliza personagens populares. Goza com a
cara sem vergonha do Bras il, como na
colagem Piaimã, O Gigante Comedor de Gente; Getúlio Vargas
é colorido no centro de uma cédula de dez cruzeiros, entre um anjo e um
demônio, e um balão de história em quadrinhos estampa a fras e “Afas ta
que vos engulo”. A montagem sugere o Estado Novo, O DIP, o autoritarismo e a
repressão.
Há
outras leituras
cômicas e tropicalizadas da sociedade bras ileira,
como o desenho Ai, Que Preguiça; o
artista recria a bandeira bras ileira
com estampas de araras e papagaios e o losângulo e o círculo centrais em
branco estampam uma faixa presidencial em verde e amarelo com a fras e do herói
sem caráter: “Ai, que preguiça”.
Daibert, em Macunaíma de Andrade, não teve a
intenção de ilustrar o livro mas de
recriar o repertório imaginário do modernismo. O artista propõe uma nova
leitura do mito Macunaíma, leitura que certamente trará novos leitores para
dentro da maior obra de criação de Mário de Andrade.
De um
pequeno porto para o mundo afora
Arlindo
Daibert Amaral nas ce em Juiz de
Fora, Minas Gerais, no dia 12 de
agosto de 1952. Em 1970 inicia o curso de Letras .
Realiza a sua primeira exposição individual na Galeria
Studio 186, no Rio de Janeiro, 1974. Recebe o prêmio Ambas sade
de France, que oferece ao artista uma bolsa de estudos em Paris durante o
período de outubro de 1975 a
junho de 1976. Após retornar ao Bras il,
participa do Salão Paulista de Arte Contemporânea em São Paulo e da exposição
Bras il
Arte Agora, realizada no MAM-RJ.
Em 1977
apresenta individual no MAM-RJ, onde mostra 61 trabalhos divididos em quatro
séries: Alice no País das Maravilhas ,
Persephone, Gran Circo Alegria de Viver e Ofício das Trevas . Em 1979, Daibert obtém o Prêmio de Melhor
Desenhista, oferecido pela Associação Paulista de Críticos de Arte. Ainda neste
ano participa do II Salão Nacional de Arte do Rio de Janeiro e do VII Salão de
Arte Contemporânea, em São Paulo.
No ano
seguinte o artista recebe, com trabalhos da série Retrato do Artista, o Grande Prêmio da II Bienal Ibero-Americana do
México e o Prêmio de Viagem ao Estrangeiro do III Salão Nacional de Artes
Plásticas , no Rio de Janeiro. Em
1982 o artista apresenta, na Galeria
de Arte Banerj, no Rio de Janeiro, a série Macunaíma
de Andrade.
Participa da
I Bienal de Havana, Cuba, 1984. Coordena como professor universitário, projeto
de estudo e organização do acervo do poeta
Murilo Mendes. Nos anos seguintes organiza várias
mostras do acervo artístico de
Murilo. A partir de 1976 realiza várias
individuais na Europa. É novamente premiado pela Associação Paulista de
Críticos de Arte em 1990. Nos anos seguintes participa de muitas outras
exposições nacionais e internacionais.
No dia 28 de
agosto de 1993, Arlindo Daibert falece em Juiz de Fora. Logo após seu
falecimento é inaugurada a mostra Grande
Sertão Veredas , no Anexo do
Museu da Inconfidência, em Ouro Preto. Suas
obras encontram-se em importantes
acervos, como o Museum of Modern Art, Jerusalém (Israel), Museo de Arte
Americano, Maldonado (Uruguai), Foro de Arte Contemporânea (México), Pinacoteca
do Estado (São Paulo), MAM-SP, MAC/USP, MNBA-RJ, Cas a
de Cultura Murilo Mendes (Juiz de Fora, MG), Museu de Arte da Pampulha (Belo
Horizonte, Coleção Gilberto Chateaubrinad, entre outros.
Pedro Maciel é autor do romance Como deixei de ser
Deus (Editora Topbooks , 2009).
Segundo o filósofo e poeta Antonio
Cícero, “de certo modo, é o tempo o verdadeiro tema desse livro, que pode ser
considerado uma espécie de Bildungsroman, isto é, de romance de educação ou
formação. Pode-se dizer que é justamente a intensa capacidade de instigar a
sensibilidade, o pensamento e a imaginação que constitui um dos maiores
encantos de Como deixei de ser Deus”. Já o escritor Moacyr
Scliar diz que, “Como deixei de ser Deus foi para mim uma gratíssima surpresa, pela originalidade, pela
profundidade e pela transcendência do texto”. Pedro Maciel,
segundo o poeta e tradutor Ivo
Barroso, "nos faz acreditar que a literatura
bras ileira possa ainda apresentar
alguma coisa de novo que, curiosamente, remonta à própria arte de escrever: o
estilo. O seu primeiro romance A Hora dos Náufragos (Bertrand Bras il, 2006) perturba pela força da linguagem. O que
há de mais próximo desse livro seriam os famosos fusées de Baudelaire".
E-mail: pedro_maciel@uol.com.br
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