O DOMÍNIO FINAL DO ATO
Fábio Carvalho
O cinema começou assim: não se
fazia roteiro,
não se escrevia... partia-se e
filmava-se.
Leva-se muito mais tempo para
saber manejar
uma câmera do que uma
espingarda.
Jean Luc Godard
O retumbante é o que interessa. Viagem de palavras. A hora do
lobo. Nosso romance não durou dois anos, restam boas e fugidias lembranças.
Acho até que não passou de seis meses.
Um desejo de amor coletivo muito intenso formado num longo tempo
curto. Ele fez nascer uma escrita de gestação aparentemente demorada, todavia o
tempo foi justo. Se a antevisão existia, só agora depois, compreendendo o
passado se difundiu e ampliou-se as bordas da visão. O conhecimento. Alegro
andante. Quase todos os rostos são ainda claramente visíveis. Misteriosamente
outros não. Abricó de macaco. É o curioso nome dado para a flor que nasce numa
árvore muito comum no Rio, especialmente no velho bairro de Botafogo. São umas
bolotas cor de rosa de onde explode uma flor fininha vermelha, deixando quatro
pétalas abertas como páginas dobradas com as partes de dentro mais vermelhas
ainda. Melhor dizendo, vermelhonas. O cheiro é horrível. Já a tinha visto
algumas vezes, nunca me chamara tanto a atenção quanto no cruzamento Visconde
de Caravelas com Capitão Salomão. O paraíso já ali instalado com bares em cada
uma das quatro esquinas, irretocável na seleta diversificação. De dentro de um
você pode observar os outros três. Avant
la lettre, dizia o Guará. Era um fim de tarde. As bolotas tomavam a rua,
tornando a ambiência nada realista. Abricó de macaco. Cuspi vários caroços de
mexerica pela janela enquanto escrevia esta frase. Vou transformar o meu jardim
em um jardim vergel. Enfim um pomar. Naturalmente desde criança sou fascinado
pelos botequins. Quanto menor e mais discreto na fachada, mais me atrai. A que
eu sei, não herdei esta peculiaridade de ninguém da família sanguínea, a não
ser de uns tios tortos. De
volta a Belo Horizonte de novo nos ouvidos Moacir Santos. Uma benção. Esta é
para o Toninho. Manhã grená as folhas caem no Jardim de Alá. Parei no sinal
vermelho hoje na hora do almoço, dois pré-adolescentes se beijavam em frêmito
com os rostos colados no vidro da janela do carro escolar parado ao lado. Não
sei se estavam indo ou vindo da escola. De volta às esquinas de Botafogo,
Aurora é o belo nome de um destes bares. Já meio decadente, lá estão os mesmos
garçons que sempre lá estiveram. As mesmas cadeiras de madeira também. Se me
perguntarem onde quero ir, respondo que vou lá. Na contra esquina tem um
minúsculo copo sujo ou pé sujo, aonde você encontra todos os tipos de veneno,
seja para fumar, beber, cheirar ou comer. Os boêmios terminais estão sempre por
ali. Ao lado tem o Informal que freqüento mais porque meus amigos o preferem.
Boemia saudável. Na última das esquinas, está o único que ainda não
experimentei.Tive o privilégio de
filmar dois cineastas-atores, Luiz Carlos Lacerda, o Bigode, e o Cláudio Costa
Val, fazendo o que vivi em um botequim. Esta seqüência eu nominei através de
uma cartela “A METAFÍSICA DO BAR”. Filmamos em uma cachaçaria na cidade de
Tiradentes. Este título eu roubei de um texto encantador escrito pelo
Presidente Francisco de Almeida Salles, que o cineasta David Neves publicou
como prefácio em seu livro “Cartas do meu bar”. Transcrevo aqui um pequeno
trecho: “entramos no bar e a História se detém, não somos mais seres
biográficos, com problemas e preocupações. O mundo Histórico morre às portas do
bar.
Daí o seu fascínio, já que o tempo devora a vida, como disse
Baudelaire. Le temps mange la
vie.
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