DE REPENTE NUM CINEMA
Fabio Carvalho
“Chega
de poetas brochas.
Salve
o poeta bruxo.”
Roberto
Piva
Só tenho pensado no filme que
tenho que terminar o mais rápido possível. Ou no impossível rápido. Uma doença,
velho. Tenho absoluta certeza que é ela: a obsessão. Minha dominatriz. O
Manga-Rosa e o Silvério vinham subindo a Rua do Ouro. O que já era uma situação
suspeita por si só. O agravante era que o Silvério levava em uma das mãos
espalmada, como um garçom, um bolo branco enorme coberto por uma cúpula redonda
de plástico transparente. Acho que todas as cúpulas são redondas, nem sei.
Enquanto eu atravessava a pouca rua para muitos carros, eles entraram no Bar da
Tia, que era o meu destino. Todos estavam lá dentro, era o dia do aniversário
do Primo. Naquela noite. Quando de surpresa apagaram as luzes, acenderam a vela
e cantamos parabéns pra você, ele chorou como uma criança. Cheguei na hora
certa. Senti o quadro bonito. O Amadeu serviu filé de peixe que ele pescou,
frito na farinha e acompanhado de molho rosê na cumbuca. Estórias de pescador.
Nada mais agradável para atravessar mais aquela noite de crise financeira.
Aproveito a maré e tomo mais uma. Fazer o quê? Amanhã vou jogar no bicho. Mais
uma vez converso dançando com o Paulinho Brabeque sobre os vários mortos deste
primeiro semestre. Parecia um retake, tinha a nítida impressão que era a mesma
cena e o mesmo diálogo de algum tempo, com os mesmos personagens, exceto outros
que já não puderam comparecer visíveis. Os mesmos de ontem. Comecei a ouvir
cantoras extraordinárias no programa Vozes do Brasil da rádio Inconfidência.
Movimento dos barcos. O galo cantou, é de manhã. Tenho que encontrar o
Biro-Biro. Aquela luz da aurora do inverno nos trópicos. Céu de brigadeiro.
Estranha expressão. Desço a rua na calçada do lado esquerdo, para tomar um
solzinho. Hoje só volto amanhã. A estrela da manhã chegou e me lembrou de todas
as últimas, comecei a ouvir mais uma Coisa do Moacir Santos. Com a voz dele no
final. Que coisa meu, diria o Otávio. Fiquei vendo a Catarina e depois vi outra
Catarina que é filha do meu amigo Nino, na pousada Nello Nuno. Assim viajei com
a personagem Maria Madalena que desejo que a Ana Maria faça no meu filme. Duas
Catarinas na mesma manhã. Mais
à noite, fiquei vendo a sobrinha-neta do mestre escritor e sua filha. Visões
que me deixaram siderado. Se é que isto existe. Sei que dormi muito bem.
Revendo agora nesta nova manhã pela milhonésima vez após um espaço de tempo, O
Fantasma do Cinema, percebi com um prazer secreto e incontido que a todo custo
desviei a atenção da estória que eu mesmo escrevi. Jamais quero ser um contador
de estórias. Ave Maria de Gounod.
OBRAS DO ARTISTA PAULO LAENDER À VENDA
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domingo, 1 de julho de 2012
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