SORTILÉGIOS DO TEMPO
“A arte é tudo que
produzimos com poesia”. O filme “Febre do Rato”, que eu chamo de “O Decameron
de Pernambuco”, é feito da arte pura e popular brasileira. Não vou escrever
muito agora, mas me sinto devedor de um texto profundo ao poema cinematográfico
do pernambucano Cláudio Assis. Faz muito tempo que não assisto (no cinema) a um
filme poético e revolucionário como este.
A poesia e a revolução das ideias são suas únicas quimeras. Precisa
dizer mais alguma coisa neste momento tétrico por que passa a arte
cinematográfica mundial?... Só mais uma coisa, me permitam: este é um filme de invenção poética, regido
pelo conflito dos contrários, registrado em belíssima fotografia clássica do
Walter Carvalho, europeia e em preto e branco cinemascope, que me provocou, ao
vê-lo e ouvi-lo, no dia de sua estreia no Rio, um grande choque de linguagem, uma
machadada na cabeça. Ao observador
atento, o filme explode na dicotomia entre o realismo panfletário do ator
Irandhir Santos, o poeta Zizo, que está vigoroso
em cena e é possuidor de uma fórmula dramática, única, messiânica de
representar, contrapondo-se a morte sequencial do personagem, expondo-se a
vida. O ator demonstra a mais pura contradição cênica e filosófica recitada
pela miséria material do seu povo e, no mais coloquial, elevando-se, quando
passa a sofrer, como um grande interprede de sua angústia, a desconstrução da
geologia da fome, através das belezas fotográficas do seu mundo cruel nas tristezas do texto poético do caranguejo
do mangue. Assim, o impactante ator, chega ao extremo da arte na sua
irretocável interpretação cinematográfica, vê-lo em cena é estonteante
e definitivo, é o povo brasileiro dando vida ao seu extraordinário personagem.
Só posso dizer agora: se por milagre ele passar nas salas de cinema de sua cidade, não deixe de ver esse filme. Viva
o nordeste e sua gente!
Escrevendo a mão, faço algumas anotações sobre diversos
assuntos e situações que me tocaram nestas últimas semanas. Não tenho vontade
de tocar no programa de texto do meu
computador. Eu sei o motivo: nestes dias não estou vivendo na tranquilidade da
minha caverna de leitura e de trabalho, onde moro e me coloco diuturnamente, num
sacerdócio de indagações, frente a todas as reflexões dos fatos, pensamentos e
outras revelações feitas pela mídia escrita, televisada e eletrônica, a que
tenho acesso. Assim é: vivendo agora preso por necessidade financeira
de sobrevivência, na realidade desse mundo, desse sistema que desprezo, eu
tenho que me afastar do que me é mais caro.
O sopro fresco da brisa da criação poética, que só o ócio me
proporciona, foi substituído pela fornalha descontrolada da necessidade do
negócio, que é preciso ser feito para se
obter o mínimo de dignidade existencial a que todos nós somos impostos.
Primeiro pelo regime comandado pelo capital e depois pela especulação social do
simples fato de existir. O resto agente controla.
Tenho lido nestes últimos dias das barbaridades cometidas
pelos órgãos de repressão e seus homens secretos escondidos no passado pelo
poder bélico ditatorial das armas nacionais. O caso da casa de Petrópolis, onde
aconteciam as festas regadas a sangue; a história do comandante – capitão vulgo
coronel – da Oban em São Paulo, que torturou a Presidenta; o absurdo dos
milhões de dólares doados pelo desgoverno Garrastazu-Geisel em armas ao
assassino ditador do povo chileno; e tantas outras bizarrices que precisariam
de páginas e paginas para enumerá-las. Não há como ficar impune quando o espírito
se revolta com tantas atrocidades, violência cometida contra os mínimos
direitos dos homens, hoje ditos civilizados. Mas não foi com a redemocratização
que as causas e os efeitos sociais mudaram a vida do homem latino-americano. O
mundo continua sendo irracional e é dominado pela mesma política-polícia
intervencionista do velho estado totalitário, só que agora pautada em força maior, pois a
tortura é a financeira, onde a intervenção dos mais poderosos oprime, às vezes, de maneira desumana os que nada têm, ou
marginalizam os que querem reformas
radicais no sistema vigente. Abaixo a ditadura financeira a que estamos
submitidos. Viva a liberdade do homem em escolher o seu destino.
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