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segunda-feira, 2 de julho de 2012


SORTILÉGIOS DO TEMPO

“A arte é tudo que produzimos com poesia”. O filme “Febre do Rato”, que eu chamo de “O Decameron de Pernambuco”, é feito da arte pura e popular brasileira. Não vou escrever muito agora, mas me sinto devedor de um texto profundo ao poema cinematográfico do pernambucano Cláudio Assis. Faz muito tempo que não assisto (no cinema) a um filme poético e revolucionário como este.  A poesia e a revolução das ideias são suas únicas quimeras. Precisa dizer mais alguma coisa neste momento tétrico por que passa a arte cinematográfica mundial?... Só mais uma coisa, me permitam:  este é um filme de invenção poética, regido pelo conflito dos contrários, registrado em belíssima fotografia clássica do Walter Carvalho, europeia e em preto e branco cinemascope, que me provocou, ao vê-lo e ouvi-lo, no dia de sua estreia no Rio, um grande choque de linguagem, uma machadada na cabeça.  Ao observador atento, o filme explode na dicotomia entre o realismo panfletário do ator Irandhir Santos, o poeta Zizo,  que está vigoroso em cena e é possuidor de uma fórmula dramática, única, messiânica de representar,  contrapondo-se  a morte sequencial do personagem, expondo-se a vida. O ator demonstra a mais pura contradição cênica e filosófica recitada pela miséria material do seu povo e, no mais coloquial, elevando-se, quando passa a sofrer, como um grande interprede de sua angústia, a desconstrução da geologia da fome, através das belezas fotográficas do seu mundo cruel  nas tristezas do texto poético do caranguejo do mangue. Assim, o impactante ator, chega ao extremo da arte na sua irretocável  interpretação  cinematográfica, vê-lo em cena é estonteante e definitivo, é o povo brasileiro dando vida ao seu extraordinário personagem. Só posso dizer agora: se por milagre ele passar nas salas de cinema de  sua cidade, não deixe de ver esse filme. Viva o nordeste e sua gente!

Escrevendo a mão, faço algumas anotações sobre diversos assuntos e situações que me tocaram nestas últimas semanas. Não tenho vontade de tocar no programa de  texto do meu computador. Eu sei o motivo: nestes dias não estou vivendo na tranquilidade da minha caverna de leitura e de trabalho, onde moro e me coloco diuturnamente, num sacerdócio de indagações, frente a todas as reflexões dos fatos, pensamentos e outras revelações feitas pela mídia escrita, televisada e eletrônica, a que tenho acesso.  Assim é:  vivendo agora preso por necessidade financeira de sobrevivência, na realidade desse mundo, desse sistema que desprezo, eu tenho que me afastar do que me é mais caro.  O sopro fresco da brisa da criação poética, que só o ócio me proporciona, foi substituído pela fornalha descontrolada da necessidade do negócio, que é preciso ser feito para se  obter o mínimo de dignidade existencial a que todos nós somos impostos. Primeiro pelo regime comandado pelo capital e depois pela especulação social do simples fato de existir. O resto agente controla.

Tenho lido nestes últimos dias das barbaridades cometidas pelos órgãos de repressão e seus homens secretos escondidos no passado pelo poder bélico ditatorial das armas nacionais. O caso da casa de Petrópolis, onde aconteciam as festas regadas a sangue; a história do comandante – capitão vulgo coronel – da Oban em São Paulo, que torturou a Presidenta; o absurdo dos milhões de dólares doados pelo desgoverno Garrastazu-Geisel em armas ao assassino ditador do povo chileno; e tantas outras bizarrices que precisariam de páginas e paginas para enumerá-las. Não há como ficar impune quando o espírito se revolta com tantas atrocidades, violência cometida contra os mínimos direitos dos homens, hoje ditos civilizados. Mas não foi com a redemocratização que as causas e os efeitos sociais mudaram a vida do homem latino-americano. O mundo continua sendo irracional e é dominado pela mesma política-polícia intervencionista do velho estado totalitário,  só que agora pautada em força maior, pois a tortura é a financeira, onde a intervenção dos mais poderosos oprime, às vezes,  de maneira desumana os que nada têm, ou marginalizam  os que querem reformas radicais no sistema vigente. Abaixo a ditadura financeira a que estamos submitidos. Viva a liberdade do homem em escolher o seu destino.

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