(ao lado foto de Luis Eça e Luis Alves)
A idéia era que desses textos e dessas “entrevistas”, nascessem sempre bons filmes...
Batuque de Cozinha
As origens e o desenvolvimento do ritmo e da percussão no Brasil, partindo do batuque de terreiro no Rio de Janeiro, suas histórias, seus personagens, sua memória, na voz de alguns dos nossos melhores músicos é matéria de origem nobre, é madeira de lei, é cultura de informação étnica, sociológica e de registro cinematográfico de importância histórica que não poderá deixar de ser documentada.
Viajando pela natureza tropical de nossas matas e florestas, pela correnteza do rio, pelo vôo das aves, buscamos e descobrimos, através do silêncio, os sons que originaram as primeiras manifestações musicais do homem.
Descobrimos que os tambores e a percussão deles, é a manifestação sonora mais próxima à natureza das coisas da nossa terra. O batuque da cozinha é o que mais mexe e penetra na alma e no corpo do homem brasileiro.
Vindos da África, nos porões dos navios negreiros, os tambores, ainda hoje existem. São peças de uma beleza indescritível. Hoje, com toda evolução, quase são outros instrumentos. Couros sintéticos, plástico e até conjuntos eletrônicos que permitem infinitas outras combinações sonoras.
- A floresta, o rio, a cachoeira, os pássaros, as folhas, o tronco caído no meio da mata, são coisas do passado.
- No início, é a natureza a grande mãe de todos os sons, de todos os instrumentos, de toda a música.
O feiticeiro, ao lado da fogueira que ilumina a boca da caverna do homem primitivo, sopra a sua flauta vertical produzindo um breve bramido.
Uma boca indígena vermelha sopra a folha verde retirada da árvore centenária, cuidadosamente enrolada no dedo, produzindo um pio contínuo.
Pássaros de todos os tamanhos e cores saltam nos galhos das árvores.
- O homem primitivo imitava o som da natureza para saciar a fome dos
Deuses e dos animais para saciar a fome dos homens.
Os negros batem palmas. Mãos negras em detalhe marcam o ritmo das palmas.
Um ameríndio sopra uma concha no alto de uma pedra de frente para o mar.
Na praia o nascimento de Macunaíma.
Uma criança negra nasce de uma índia.
O índio sopra em uma flauta de bambu.
- Fui nascido e criado no Rio de Janeiro entre a montanha e o mar.
A mata.
Siluetas de fortes negros que batem nos troncos ocos das árvores caídas no chão coberto de folhas secas, provocando um som grave que ecoa pela mata.
Na mata o índio brasileiro cantarolando balança o maracá
(combinação dos ritmos).
- Sou filho do povo do tambor e do povo do maracá.
Um bebê negro brinca no terreiro. (Passagem de tempo). Uma criança negra, um pouco mais velha, dá os seus primeiros passos no mesmo terreiro.
- Eu não tenho tia, tio, nem avó, nem avô. Da minha família só pai, mãe e
irmãos. Meu pai veio de Pernambuco fugido. Ele não conheceu o seu pai e nem a sua mãe, foi criada pela avó. Ela também não conheceu nem o pai, nem a mãe, foi adotada. Sinto que eu e a minha família pertencemos a grande família brasileira, de origem muito antiga, muito mais antiga que o descobrimento, cunhada na escrita das pedras do Amazonas.
Fotos antigas da natureza e dos casarios da zona norte carioca. Na cozinha brincando uma criança negra de 6 anos, descobre o ritmo colocando em uma latinha um pouco de milho e feijão para balançar em seguida na cadência repetida do som do chocalho.
- Eu não sei da onde veio a minha musicalidade. Como eu não conheci meus ancestrais, também não sei como tudo isso começou.
Zona Norte carioca, suas casas e bairros.
- Não sei nada sobre a música popular dos três séculos coloniais. O que eu sei é que este povo misturado, feito de portugueses, africanos, espanhóis, ameríndios, trazia junto com as falas deles, as cantigas e danças que a colônia escutava.
As casas ficam mais isoladas no bairro. O urbano torna-se, dobrando uma esquina, rural.
Há pouca luz na rua. Som ao longe de batuque de terreiro.
- Fui criado nessa região. Quando garoto, descobri que lá tinha choro, candomblé, umbanda e depois, mais tarde, samba.
Terreiro de Candomblé. Batuque.
- Do dilúvio de instrumentos que os escravos trouxeram para cá, vários se tornaram de uso corrente, o ganzá, a cuíca e o atabaque, instrumentos de percussão que prestam a orgia rítmica, dinâmica, incisiva, contundente mesmo, da música brasileira.
- A história do tambor é sugestiva e poderosa, a mais cheia de densidade
mágica e de expressão social no continente africano e regiões onde suas raças influem. As peles de mamíferos, ofídios e até humanas, que cobriam os tambores de Uganda, custavam à vida de um homem quando renovadas.
Os gatos nos morros.
- Sacrificam-se até hoje, nos morros do Rio de Janeiro, os gatos que vão
chorar nas peles das cuícas e dos tamborins a alma carioca do samba.
A CASA DAS MINAS.
Coleção de tambores em todos os seus detalhes e ornamentos. Soa o tambor no fundo da sala. A morena requebra os quadris.
- O Tambor é, visivelmente, um instrumento social, independente, bastando imprimir ritmo para excitar o bailado, passar a informação e agradar os deuses.
A Cidade do Rio de Janeiro em diversos e antigos ângulos.
- Capital do país desde 1763, o Rio de Janeiro era o destino de levas de brasileiros livres e escravos, alem de africanos vindos diretamente de seus países de origem, transformando a cidade numa espécie de síntese da cultura popular do país.
Pelas ruas antigas do Rio caminham quatro senhores negros sorridentes e elegantes: João da Bahiana, Pixinguinha, Donga e Heitor dos Prazeres. Caminham até chegar à casa da Tia Ciata.
No caminho observam um músico ser preso pelo pecado de portar pela rua o seu violão.
- Em 1912, Nair de Teffé – a Rian – casada com o Presidente Marechal
Hermes da Fonseca abriu o Palácio do Catete para saraus de música popular, mas mesmo assim, os muitos sofrimentos impostos aos músicos e poetas aconteciam pelas ruas das cidades do Brasil.
É festa na casa da Tia Ciata. É festa no Rio antigo. Estão todos na cozinha quando o regional acompanha Donga cantando uma de suas gravações.
- Havia perto da Praça Onze, no Rio de Janeiro do início do século, um refúgio do samba onde os mestres da música popular se reuniam, era a casa de Tia Ciata, e lá estava Donga, Pixinguinha, João da Bahiana, Heitor dos Prazeres e Sinhô. Nesta casa, que sempre estava em festa, nasceu o samba.
Rio antigo.
- É nesta cidade do Rio de Janeiro, que vamos encontrar um ritmista, como ele gosta de ser chamado, um dos mais criativos deste país de ritmos ardentes, contagiosos, marcantes, inebriantes, propiciatórios à música popular contemporânea brasileira. Seu nome? Robertinho Silva.
Roberto Silva, fala como que estivesse cantando, encantado, e se acompanha criando um ritmo nos instrumentos selecionados:
- Fui nascido e criado em Realengo, zona norte da cidade, no ano de 1941.
Bairro de Realengo na Zona Norte do Rio.
Roberto passeia pelo antigo bairro.
- Sou um carioca do sertão. Realengo na minha infância tinha um rio onde se pescava cascudo e traíra. Isso aqui parecia uma cidade do interior das Minas Gerais. Com o tempo fui descobrindo que de Realengo à Santa Cruz formava-se uma área com sangue musical correndo pelos trilhos no trem da Central do Brasil. Meu pai era militar e também militante do Partido Comunista. Acho que este lado inteligente eu herdei dele.
Viagem de trem de Realengo até a estação da Central do Brasil.
:
Roberto Silva, depois de se apresentar retorna contando a sua experiência em todas as fases que passou pela música popular, suas influências, seus amigos e descobertas de novos ritmos.
Durante esta viagem Roberto fala sobre o Batuque Carioca. Origens e conseqüências.
- Eu sou Erê. Eu sou moleque. Eu sou carioca do sertão.
Uma fonte importante da música popular é a feitiçaria com suas cerimônias em que o canto e a dança dominam.
Nos cultos de direta origem africana – Candomblé, Macumba, Xangô – até hoje se consegue recolher música originalíssima.
Realengo, zona norte do Rio.
- Na minha infância aqui tinha um rio, onde a gente pegava cascudo e traíra. Tinha um clima de cidade do interior. Eu me considero um carioca capiau. Tem um clima de interior no subúrbio do Rio de Janeiro.
É com os africanos que o Lundu chega ao nosso país. Trata-se de gênero musical e dançam de par solto, com sapateados, batucadas, remelexos dos quadris e a sensual umbigada. É através do Lundu que o negro deu à música brasileira a sua característica mais importante: a sistematização da síncope. O maxixe em quase tudo lembra o Lundu.
- Meu pai veio de Pernambuco fugido. Meu pai era pedreiro e carpinteiro. Meu pai era orgulhoso, uma pessoa muito inteligente, ele era Pernambucano, ele era pobre financeiramente, mas muito rico de inteligência. Se o vizinho tinha uma super vitrola que estava na moda ele ralava para ter igual ao do vizinho. Eu ficava orgulhoso, porque a gente era pobre mais tinha uma vitrola igual a do vizinho da classe média. Daqui a pouco eu vou chorar. Eu me emociono quando me lembro disso. Nós tínhamos uma criação rígida. Não podíamos ir para rua de noite, só até certa hora. Eu e meus irmãos, a noite, dormíamos num quarto só, eu saia da cama, pegava um lençol e cobria para esconder a claridade da luz vermelha da super moderna vitrola. Minha mãe, quando acordava de noite, me pegava escondido sob o lençol ouvindo as transmissões das casas noturnas do Rio de janeiro.
Em 1852, um conjunto de bombos e tambores liderados pelo sapateiro português invade as ruas do Rio de Janeiro. Era o Zé-pereira, um bloco ruidoso e contagiante. Nascia assim, com a percussão, o carnaval carioca. O Barão do Rio Branco afirmou: “Existem no Brasil, apenas duas coisas realmente organizadas: a desordem e o carnaval”.
- Com tempo fui descobrindo que de Realengo ( zona militar) a Santa Cruz (fim da linha Central do Brasil – o matadouro) era uma área com sangue musical. Na praça do canhão de Realengo meu pai tinha uma vila de casa (construídas por ele) que alugava para soldados do exercito que vinham do interior do Brasil, para fazer carreira militar. Em 1958, quando surgiu a Bossa Nova, um ano antes, meu pai tinha um inquilino, seu Mário que era padeiro. Ele tocava violão. Foi a primeira pessoa que me influenciou. Vi o violão de perto e cheguei estudar um pouco, mas o meu negócio era o batuque. Através do Seu Mário é que eu comecei a praticar a percussão tocando o pandeiro e pegando informação. Minha formação foi através do Rádio. Desde pequeno eu ouvia Radio. Eu não dormia, eu sofro de insônia desde garoto, sofro até hoje. Não sei se foi por causa da música. Eu sonhava em um dia tocar em Copacabana, na Cinelândia, nos Dacings da Avenida. E olha: tudo isso eu consegui!
Em sua formação a música brasileira recebeu contribuição dos indígenas, dos colonizadores e dos negros. Musicalmente, o africano tem o mais forte caráter entre os três elementos étnicos que se fundiram para formar o perfil cultural brasileiro.
- Meu pai achava que pelo fato da gente morar em frente do quartel do exercito, achava que eu seria músico, que eu ia tocar na banda militar. O sargento do exército dizia que “o futuro desse menino está feito, ele vai ser nosso”. Só que meu pai não sabia o que rolava dentro da minha cabeça. Eu sonhava em viajar pelo mundo. O Jazz, por exemplo, eu descobri através do Rádio. Um dia eu sintonizei o rádio numa música diferente, era o jazz.
O Jazz nos Estados Unidos e o samba no Brasil mostram como se diversificaram, no contato com o elemento branco, as influências musicais negras na América.
- Em 1995, quando eu participei de um Festival de percussão em Recife, eu me toquei que o meu lado musical veio do meu pai. Eu vendo aqueles tambores do Maracatu, eu me arrepiava todo, aí eu tive certeza que alguém da família do meu pai tocava tambor, tinha sido batuqueiro. Sim! Quando eu nasci, minha mãe, Dona Justina, disse para o meu pai: Vamos dar o nome de Roberto, por que é nome de artista. Ela me dizia que quando eu nasci, tava tocando no radio uma música chamada “Brasil pandeiro”...Voltando a falar da minha iniciação musical, do choro, dos bares da vida.... Em 1958 eu ouvi João Gilberto no radio. Chega de Saudade mudou minha cabeça.
Fruto da fusão do samba com soluções harmônicas mais requintadas, extraídas do Jazz, a bossa nova teve como marco o disco Chega de Saudade em 1959, do cantor e violonista baiano João Gilberto. Esta maneira intimista de cantar e a batida quebrada do violão explorando o contratempo influenciaram toda uma geração de instrumentistas, cantores, compositores e arranjadores.
- Nessa época meus amigos lá de Realengo, não tinham acesso à loja de disco ouviam tudo pelo rádio. Meu irmão mais velho tinha uma coleção de Glen Miller... Mas eu no fundo não gostava... Eu achava bonito, mais meu coração não estava pedindo aquilo. Meu irmão José era coroinha. É olho do Padre... Eu já tinha outra cabeça. A minha primeira bateria foi construída por mim... A primeira bateria foi assim: os moleques da rua pegavam uma lata de manteiga ou uma lata de banha, a gente pegava uma folha de saco de cimento vazio do material do meu pai e botava encima da lata, amarrava com barbante e passava cola feita com farinha de mesa até dá um som. A minha primeira bateria de verdade foi minha mãe que me deu. Nessa época estava morando na minha rua um baterista, um dia de tarde eu apareci, devagarzinho, desconfiado no quintal da casa dele - passei pela cerca viva toda florida e meti a cara. Ele me perguntou se eu tocava. Eu falei: mais ou menos! Essa coragem veio do meu pai... Ai eu falei que gostava de tocar bongo e maracas. Na verdade meu bongo era um banquinho que meu pai tinha feito para uma prima manicure. Ele me mandou sentar na bateria e eu toquei meu primeiro ritmo: BAIÃO. Nunca tinha sentado numa bateria. Deveria como sou carioca tocar SAMBA. Mas olha o privilégio! A região onde eu morava era uma comunidade nordestina, chorinho, samba de Padre Miguel, candomblé, toque de marcha militar, os rudimentos de caixas do método americano eu já ouvia desde garoto. Banda de coreto e os toques dos tambores do exército. Tudo passava em frente da minha porta.
- Ouvia o trem passar em cima do rio, às 5 horas da manha, eu fazia ritmo com o barulho do trem. Quando eu ia da minha casa até o armazém comprar alguma coisa para minha mãe, eu sempre estava com uma vareta na mão para brincar na beira do rio, eu botava as varetas na grade e ia correndo fazendo barulho. Tirando um som. Achando o ritmo. Gastei muito tamanco fazendo ritmo. Fazia som com tamanco. Olha! Eu gosto de samba mais não sou sambista.
A música popular brasileira é a mais completa, mais totalmente nacional, mais forte criação da nossa raça até agora.
- Quando eu ouvia jazz no início não sabia que os músicos eram negros. Eu sou do jazz. A negra nata da música americana.
A síncope é uma característica rítmica de um som articulado em tempo ou parte de tempo fraco que se prolonga sobre um tempo ou parte de tempo forte, causando a sensação de antecipação do apoio natural do pulso.
- Havia também um centro de umbanda em volta da minha casa. O tambor batia o tempo todo. Realengo era um lugar distante que tinha muito pouca ligação com o centro do Rio. Era rural. Eu não sabia de nada. Gostava de ouvir o tambor. O tambor sempre me chamava atenção. Os toques de umbanda, os tambores da Folia de Reis, etc. Os toques de candomblé exigem mais de você do que os da umbanda. Minha mãe tinha um centro espirita e tinha um tocador de tambor chamado Nelson, que era uma fera, um dia ele faltou e eu me atrevi a tocar. Outros toques que influenciaram o batuque carioca foram os ritmos do nordeste. Como eu fui criado numa comunidade nordestina também sofri muitas outras influencias.
A Congada é praticada do Ceará ao Rio Grande do Sul. O Reisado sai do nordeste e passando por Minas chega ao Rio de Janeiro. O Maracatu nasceu no Recife. O Bumba-meu-boi é uma dança dramática nascida no Norte, sendo o Maranhão seu principal palco. O Balaio é brasileiro da gema e procede do Nordeste. O Maxixe é uma dança popular de 1870 que veio do Lundu. O samba, como dança, deve ter surgido em Angola, onde a umbigada era o seu ponto culminante. E o Xaxado pertence ao grupo de lampião, o Rei do Cangaço. Os cangaceiros fazem dos seus rifles suas damas e seguem sem volteio, arrastando suas sandálias pelo chão levantando a poeira do terreiro num bailado rápido e vigoroso.
- O samba me pegou através de Jorge Negão, que era ritmista da Portela. Ele tinha um bloco que se reunia na padaria perto da minha casa. No samba eu me encantei pela frigideira. A Portela fazia um toque de pandeiro diferente de hoje, um toque rufado.
Dos gêneros musicais que influenciaram a música urbana incluem-se a embolada, cultivada pelo grande Almirante e por Noel Rosa, na fase primitiva do rádio brasileiro e também o baião, o coco, maracatus e caboclinhos e alguns pontos de candomblé.
- Eu sou contemporâneo de Elton Medeiros, Ney Lopes e Wilson das Neves. Que é meu grande ídolo. Pra mim, o mestre dos mestres era o baterista Suti . Um baterista malabaristas. TV TUPI. Apresentações ao vivo. Coisa rara. Um grande professor. Descobri através do Rádio. Ele solava “Apito no Samba” do Luís Bandeira. Carro chefe/ música para bateria. Anos 50. Luís Bandeira foi crooner da boite Drink c/ Caubi Peixoto com o qual eu trabalhei em 1964. A Orquestra Tabajara tem culpa de eu não saber nadar... Domingo minha família saia para a praia e eu ficava ouvindo ao meio-dia na Radio Nacional a orquestra Tabajara. Plínio Araújo era meu ídolo. O baterista Juquinha que foi o primeiro baterista a fazer o toque da Bossa Nova e o primeiro a tocar com Joao Gilberto. Ele tocava baixinho com a vassourinha, suave como o João gostava. As minhas primeiras influencias musicais, na bossa nova, foram o Milton Banana, o Do Um Romão e o Edson Machado.
Um pouco do gênio do Edson Machado
- O Edson marcou muito a minha vida. Quando eu era garoto ele era conhecido como Edson Maluco. Raul de Souza diz que quem inventou o samba no prato foi o Godolfredo que era militar e não gostava de tocar alto. Um dia o Edson e Raul viram ele tocando e o Edson pediu para dar uma canja e saiu arrebentando no prato. Isso na gafieira de Bento Ribeiro. A primeira vez que vi o Edson Machado tocar foi no Cassino Bangu - Ed Lincom no contrabaixo, Ribamar no piano, Araken no trumpete e o Edson na bateria. Para ver o quarteto tocar tive de tomar coragem e tomei umas “peruas”. Pulei o muro do clube, porque eu era muito pobre e pobre não entrava no clube. O Edson arrasou. A maior emoção da minha vida foi ver o Edson ao vivo. Era o ano de 1958. Edson Machado é o Samba Novo. Edson tinha uma concepção toda sua de tocar bateria. Não fazia concessão nenhuma. Muita dignidade. Tocava com a bandeira do Brasil encima da bateria. Aprendi muito com ele. Um grande sambista, melhor: uma escola de samba na bateria. Edson me conheceu em 1967 no Dancing Avenida. Eu tocava com “Os Copacabanas” que era um repertório barra pesada para caramba. Nessa época, do Dancing, começaram a falar de mim: “Tem aí um garotinho novinho, que além de tocar bem ainda lê música. O pessoal da zona sul começou aparecer e um dia Edson estava lá. Eu estava super concentrado, tinha estudado muito. Edson disse: Muito bem, Roberto! Você esta tocando muito bem! Edson saiu de Copacabana para me ver e já sabia meu nome. Isto foi demais. Depois do primeiro encontro com Edson ficamos amigos. Edson cheio de dificuldades financeiras morava em Santa Teresa, foi aí que eu encontrei um apartamento para ele em um prédio da Prado Júnior em Copacabana. A bateria para o Edson era sua mulher. Chamava ela de Tulipa. Tulipa era preta ou tulipa era dourada.... Edson chegou no Rio no dia do arroxo do Collor. Ficou louco e ligou para a mulher dele em Nova York e ela, impaciente o dispensou. Aí ele ficou por aqui, duro, abandonado, humilhado e acabou morrendo. Edson me ensinou como usar os pratos, os tambores. A bateria do Edson tinha harmonia e ritmo. As pessoas tem dificuldade em ver isso. Os bateristas sofrem de preconceito até hoje no Brasil.O Bossa Três acabou. O último foi o Vinhas. Tião Neto, Luís Carlos Vinhas e Edson Machado. Aqui jazz o Bossa Três. Edson para mim é o Brasil encima de uma bateria.
Finalizando a história.
- Na minha infância eu ouvia muito que baterista que não lia música era batedor de tambor de couro. Eu não queria ser batedor de tambor de couro. Queria ser músico. Músico completo! Estudei muito para chegar onde eu cheguei.O Wilson das Neves apareceu na minha trajetória musical quando tocava na orquestra de Lilo Panicalli. Era um baterista diferente, lia música de ouvido e sofria varias influencias, incluindo o Jazz. Ele me clareou. Além de ler ele interpretava muito bem. O Dom Um Romão foi o mestre da Bossa Nova. Ele africanizou a bossa. Entre todos, era ele que tinha o toque mais africano. Dom Um foi a primeira pessoa que me levou ao Beco das Garrafas. Fui ver o Raul de Souza e Leni de Andrade no show “Só se for agora”. Ele tem hoje 75 anos. Doa a quem doer, foi ele o cara que trouxe o batuque africano para a Bossa Nova. O Mestre Marçal é a minha Escola de Samba. Ele sempre foi uma pessoa muito respeitada no samba. Eu não tinha acesso a ele. Só fui conhecê-lo em 69 na gravadora Odeon. Ele era o ritmista, o maior dos cuiqueiros. A maioria das gravações de 50 / 60 foi feita pelo Mestre Marçal. Ele inventou o toque do tamborim, chamado de teleco-teco, que hoje está sendo desprezado pelos novos ritmistas. No momento estou fazendo um resgate desse toque tradicional. Caetero – é o toque atual do tamborim da escola de samba. Sinhô foi o primeiro autor a projetar o Samba na sociedade carioca. O Brasil não tem memória. Posso citar alguns nomes e ritmos que fizeram o batuque carioca: Sinhô e Donga, Clementina de Jesus (Jongueira), Darcy do Jongo, Aniceto do Império (pai dos partideiros), Folias de Reis, Congados, Geraldo Pereira, Xangô da Mangueira, Luís Gonzaga, Jackson do Pandeiro (trouxe o coco), João do Vale (maranhense), tambor de crioulo, os bois do Maranhão, o Milton Nascimento, Gilberto Gil (afoxé, samba de roda), Paulinho da Viola, Jorge Benjor, Elton Medeiros, Ney Lopes, Wilson das Neves, as tradicionais Escolas de Samba: Mangueira, Portela, Salgueiro, Império Serrano e o Mestre Marçal...
Roberto sai andando da Estação Central do Brasil, atravessa a Av. Getúlio Vargas, passa pela Praça da República e chega à Estudantina, onde já se encontram seus amigos e convidados, então sobe as escadas até o salão onde os músicos já estão tocando. No palco a bateria vazia e todos os instrumentos de percussão estão arrumados e armados com vários microfones a espera da participação do grande homenageado da noite.
As origens e o desenvolvimento do ritmo e da percussão no Brasil, partindo do batuque de terreiro no Rio de Janeiro, suas histórias, seus personagens, sua memória, na voz de alguns dos nossos melhores músicos é matéria de origem nobre, é madeira de lei, é cultura de informação étnica, sociológica e de registro cinematográfico de importância histórica que não poderá deixar de ser documentada.
Viajando pela natureza tropical de nossas matas e florestas, pela correnteza do rio, pelo vôo das aves, buscamos e descobrimos, através do silêncio, os sons que originaram as primeiras manifestações musicais do homem.
Descobrimos que os tambores e a percussão deles, é a manifestação sonora mais próxima à natureza das coisas da nossa terra. O batuque da cozinha é o que mais mexe e penetra na alma e no corpo do homem brasileiro.
Vindos da África, nos porões dos navios negreiros, os tambores, ainda hoje existem. São peças de uma beleza indescritível. Hoje, com toda evolução, quase são outros instrumentos. Couros sintéticos, plástico e até conjuntos eletrônicos que permitem infinitas outras combinações sonoras.
- A floresta, o rio, a cachoeira, os pássaros, as folhas, o tronco caído no meio da mata, são coisas do passado.
- No início, é a natureza a grande mãe de todos os sons, de todos os instrumentos, de toda a música.
O feiticeiro, ao lado da fogueira que ilumina a boca da caverna do homem primitivo, sopra a sua flauta vertical produzindo um breve bramido.
Uma boca indígena vermelha sopra a folha verde retirada da árvore centenária, cuidadosamente enrolada no dedo, produzindo um pio contínuo.
Pássaros de todos os tamanhos e cores saltam nos galhos das árvores.
- O homem primitivo imitava o som da natureza para saciar a fome dos
Deuses e dos animais para saciar a fome dos homens.
Os negros batem palmas. Mãos negras em detalhe marcam o ritmo das palmas.
Um ameríndio sopra uma concha no alto de uma pedra de frente para o mar.
Na praia o nascimento de Macunaíma.
Uma criança negra nasce de uma índia.
O índio sopra em uma flauta de bambu.
- Fui nascido e criado no Rio de Janeiro entre a montanha e o mar.
A mata.
Siluetas de fortes negros que batem nos troncos ocos das árvores caídas no chão coberto de folhas secas, provocando um som grave que ecoa pela mata.
Na mata o índio brasileiro cantarolando balança o maracá
(combinação dos ritmos).
- Sou filho do povo do tambor e do povo do maracá.
Um bebê negro brinca no terreiro. (Passagem de tempo). Uma criança negra, um pouco mais velha, dá os seus primeiros passos no mesmo terreiro.
- Eu não tenho tia, tio, nem avó, nem avô. Da minha família só pai, mãe e
irmãos. Meu pai veio de Pernambuco fugido. Ele não conheceu o seu pai e nem a sua mãe, foi criada pela avó. Ela também não conheceu nem o pai, nem a mãe, foi adotada. Sinto que eu e a minha família pertencemos a grande família brasileira, de origem muito antiga, muito mais antiga que o descobrimento, cunhada na escrita das pedras do Amazonas.
Fotos antigas da natureza e dos casarios da zona norte carioca. Na cozinha brincando uma criança negra de 6 anos, descobre o ritmo colocando em uma latinha um pouco de milho e feijão para balançar em seguida na cadência repetida do som do chocalho.
- Eu não sei da onde veio a minha musicalidade. Como eu não conheci meus ancestrais, também não sei como tudo isso começou.
Zona Norte carioca, suas casas e bairros.
- Não sei nada sobre a música popular dos três séculos coloniais. O que eu sei é que este povo misturado, feito de portugueses, africanos, espanhóis, ameríndios, trazia junto com as falas deles, as cantigas e danças que a colônia escutava.
As casas ficam mais isoladas no bairro. O urbano torna-se, dobrando uma esquina, rural.
Há pouca luz na rua. Som ao longe de batuque de terreiro.
- Fui criado nessa região. Quando garoto, descobri que lá tinha choro, candomblé, umbanda e depois, mais tarde, samba.
Terreiro de Candomblé. Batuque.
- Do dilúvio de instrumentos que os escravos trouxeram para cá, vários se tornaram de uso corrente, o ganzá, a cuíca e o atabaque, instrumentos de percussão que prestam a orgia rítmica, dinâmica, incisiva, contundente mesmo, da música brasileira.
- A história do tambor é sugestiva e poderosa, a mais cheia de densidade
mágica e de expressão social no continente africano e regiões onde suas raças influem. As peles de mamíferos, ofídios e até humanas, que cobriam os tambores de Uganda, custavam à vida de um homem quando renovadas.
Os gatos nos morros.
- Sacrificam-se até hoje, nos morros do Rio de Janeiro, os gatos que vão
chorar nas peles das cuícas e dos tamborins a alma carioca do samba.
A CASA DAS MINAS.
Coleção de tambores em todos os seus detalhes e ornamentos. Soa o tambor no fundo da sala. A morena requebra os quadris.
- O Tambor é, visivelmente, um instrumento social, independente, bastando imprimir ritmo para excitar o bailado, passar a informação e agradar os deuses.
A Cidade do Rio de Janeiro em diversos e antigos ângulos.
- Capital do país desde 1763, o Rio de Janeiro era o destino de levas de brasileiros livres e escravos, alem de africanos vindos diretamente de seus países de origem, transformando a cidade numa espécie de síntese da cultura popular do país.
Pelas ruas antigas do Rio caminham quatro senhores negros sorridentes e elegantes: João da Bahiana, Pixinguinha, Donga e Heitor dos Prazeres. Caminham até chegar à casa da Tia Ciata.
No caminho observam um músico ser preso pelo pecado de portar pela rua o seu violão.
- Em 1912, Nair de Teffé – a Rian – casada com o Presidente Marechal
Hermes da Fonseca abriu o Palácio do Catete para saraus de música popular, mas mesmo assim, os muitos sofrimentos impostos aos músicos e poetas aconteciam pelas ruas das cidades do Brasil.
É festa na casa da Tia Ciata. É festa no Rio antigo. Estão todos na cozinha quando o regional acompanha Donga cantando uma de suas gravações.
- Havia perto da Praça Onze, no Rio de Janeiro do início do século, um refúgio do samba onde os mestres da música popular se reuniam, era a casa de Tia Ciata, e lá estava Donga, Pixinguinha, João da Bahiana, Heitor dos Prazeres e Sinhô. Nesta casa, que sempre estava em festa, nasceu o samba.
Rio antigo.
- É nesta cidade do Rio de Janeiro, que vamos encontrar um ritmista, como ele gosta de ser chamado, um dos mais criativos deste país de ritmos ardentes, contagiosos, marcantes, inebriantes, propiciatórios à música popular contemporânea brasileira. Seu nome? Robertinho Silva.
Roberto Silva, fala como que estivesse cantando, encantado, e se acompanha criando um ritmo nos instrumentos selecionados:
- Fui nascido e criado em Realengo, zona norte da cidade, no ano de 1941.
Bairro de Realengo na Zona Norte do Rio.
Roberto passeia pelo antigo bairro.
- Sou um carioca do sertão. Realengo na minha infância tinha um rio onde se pescava cascudo e traíra. Isso aqui parecia uma cidade do interior das Minas Gerais. Com o tempo fui descobrindo que de Realengo à Santa Cruz formava-se uma área com sangue musical correndo pelos trilhos no trem da Central do Brasil. Meu pai era militar e também militante do Partido Comunista. Acho que este lado inteligente eu herdei dele.
Viagem de trem de Realengo até a estação da Central do Brasil.
:
Roberto Silva, depois de se apresentar retorna contando a sua experiência em todas as fases que passou pela música popular, suas influências, seus amigos e descobertas de novos ritmos.
Durante esta viagem Roberto fala sobre o Batuque Carioca. Origens e conseqüências.
- Eu sou Erê. Eu sou moleque. Eu sou carioca do sertão.
Uma fonte importante da música popular é a feitiçaria com suas cerimônias em que o canto e a dança dominam.
Nos cultos de direta origem africana – Candomblé, Macumba, Xangô – até hoje se consegue recolher música originalíssima.
Realengo, zona norte do Rio.
- Na minha infância aqui tinha um rio, onde a gente pegava cascudo e traíra. Tinha um clima de cidade do interior. Eu me considero um carioca capiau. Tem um clima de interior no subúrbio do Rio de Janeiro.
É com os africanos que o Lundu chega ao nosso país. Trata-se de gênero musical e dançam de par solto, com sapateados, batucadas, remelexos dos quadris e a sensual umbigada. É através do Lundu que o negro deu à música brasileira a sua característica mais importante: a sistematização da síncope. O maxixe em quase tudo lembra o Lundu.
- Meu pai veio de Pernambuco fugido. Meu pai era pedreiro e carpinteiro. Meu pai era orgulhoso, uma pessoa muito inteligente, ele era Pernambucano, ele era pobre financeiramente, mas muito rico de inteligência. Se o vizinho tinha uma super vitrola que estava na moda ele ralava para ter igual ao do vizinho. Eu ficava orgulhoso, porque a gente era pobre mais tinha uma vitrola igual a do vizinho da classe média. Daqui a pouco eu vou chorar. Eu me emociono quando me lembro disso. Nós tínhamos uma criação rígida. Não podíamos ir para rua de noite, só até certa hora. Eu e meus irmãos, a noite, dormíamos num quarto só, eu saia da cama, pegava um lençol e cobria para esconder a claridade da luz vermelha da super moderna vitrola. Minha mãe, quando acordava de noite, me pegava escondido sob o lençol ouvindo as transmissões das casas noturnas do Rio de janeiro.
Em 1852, um conjunto de bombos e tambores liderados pelo sapateiro português invade as ruas do Rio de Janeiro. Era o Zé-pereira, um bloco ruidoso e contagiante. Nascia assim, com a percussão, o carnaval carioca. O Barão do Rio Branco afirmou: “Existem no Brasil, apenas duas coisas realmente organizadas: a desordem e o carnaval”.
- Com tempo fui descobrindo que de Realengo ( zona militar) a Santa Cruz (fim da linha Central do Brasil – o matadouro) era uma área com sangue musical. Na praça do canhão de Realengo meu pai tinha uma vila de casa (construídas por ele) que alugava para soldados do exercito que vinham do interior do Brasil, para fazer carreira militar. Em 1958, quando surgiu a Bossa Nova, um ano antes, meu pai tinha um inquilino, seu Mário que era padeiro. Ele tocava violão. Foi a primeira pessoa que me influenciou. Vi o violão de perto e cheguei estudar um pouco, mas o meu negócio era o batuque. Através do Seu Mário é que eu comecei a praticar a percussão tocando o pandeiro e pegando informação. Minha formação foi através do Rádio. Desde pequeno eu ouvia Radio. Eu não dormia, eu sofro de insônia desde garoto, sofro até hoje. Não sei se foi por causa da música. Eu sonhava em um dia tocar em Copacabana, na Cinelândia, nos Dacings da Avenida. E olha: tudo isso eu consegui!
Em sua formação a música brasileira recebeu contribuição dos indígenas, dos colonizadores e dos negros. Musicalmente, o africano tem o mais forte caráter entre os três elementos étnicos que se fundiram para formar o perfil cultural brasileiro.
- Meu pai achava que pelo fato da gente morar em frente do quartel do exercito, achava que eu seria músico, que eu ia tocar na banda militar. O sargento do exército dizia que “o futuro desse menino está feito, ele vai ser nosso”. Só que meu pai não sabia o que rolava dentro da minha cabeça. Eu sonhava em viajar pelo mundo. O Jazz, por exemplo, eu descobri através do Rádio. Um dia eu sintonizei o rádio numa música diferente, era o jazz.
O Jazz nos Estados Unidos e o samba no Brasil mostram como se diversificaram, no contato com o elemento branco, as influências musicais negras na América.
- Em 1995, quando eu participei de um Festival de percussão em Recife, eu me toquei que o meu lado musical veio do meu pai. Eu vendo aqueles tambores do Maracatu, eu me arrepiava todo, aí eu tive certeza que alguém da família do meu pai tocava tambor, tinha sido batuqueiro. Sim! Quando eu nasci, minha mãe, Dona Justina, disse para o meu pai: Vamos dar o nome de Roberto, por que é nome de artista. Ela me dizia que quando eu nasci, tava tocando no radio uma música chamada “Brasil pandeiro”...Voltando a falar da minha iniciação musical, do choro, dos bares da vida.... Em 1958 eu ouvi João Gilberto no radio. Chega de Saudade mudou minha cabeça.
Fruto da fusão do samba com soluções harmônicas mais requintadas, extraídas do Jazz, a bossa nova teve como marco o disco Chega de Saudade em 1959, do cantor e violonista baiano João Gilberto. Esta maneira intimista de cantar e a batida quebrada do violão explorando o contratempo influenciaram toda uma geração de instrumentistas, cantores, compositores e arranjadores.
- Nessa época meus amigos lá de Realengo, não tinham acesso à loja de disco ouviam tudo pelo rádio. Meu irmão mais velho tinha uma coleção de Glen Miller... Mas eu no fundo não gostava... Eu achava bonito, mais meu coração não estava pedindo aquilo. Meu irmão José era coroinha. É olho do Padre... Eu já tinha outra cabeça. A minha primeira bateria foi construída por mim... A primeira bateria foi assim: os moleques da rua pegavam uma lata de manteiga ou uma lata de banha, a gente pegava uma folha de saco de cimento vazio do material do meu pai e botava encima da lata, amarrava com barbante e passava cola feita com farinha de mesa até dá um som. A minha primeira bateria de verdade foi minha mãe que me deu. Nessa época estava morando na minha rua um baterista, um dia de tarde eu apareci, devagarzinho, desconfiado no quintal da casa dele - passei pela cerca viva toda florida e meti a cara. Ele me perguntou se eu tocava. Eu falei: mais ou menos! Essa coragem veio do meu pai... Ai eu falei que gostava de tocar bongo e maracas. Na verdade meu bongo era um banquinho que meu pai tinha feito para uma prima manicure. Ele me mandou sentar na bateria e eu toquei meu primeiro ritmo: BAIÃO. Nunca tinha sentado numa bateria. Deveria como sou carioca tocar SAMBA. Mas olha o privilégio! A região onde eu morava era uma comunidade nordestina, chorinho, samba de Padre Miguel, candomblé, toque de marcha militar, os rudimentos de caixas do método americano eu já ouvia desde garoto. Banda de coreto e os toques dos tambores do exército. Tudo passava em frente da minha porta.
- Ouvia o trem passar em cima do rio, às 5 horas da manha, eu fazia ritmo com o barulho do trem. Quando eu ia da minha casa até o armazém comprar alguma coisa para minha mãe, eu sempre estava com uma vareta na mão para brincar na beira do rio, eu botava as varetas na grade e ia correndo fazendo barulho. Tirando um som. Achando o ritmo. Gastei muito tamanco fazendo ritmo. Fazia som com tamanco. Olha! Eu gosto de samba mais não sou sambista.
A música popular brasileira é a mais completa, mais totalmente nacional, mais forte criação da nossa raça até agora.
- Quando eu ouvia jazz no início não sabia que os músicos eram negros. Eu sou do jazz. A negra nata da música americana.
A síncope é uma característica rítmica de um som articulado em tempo ou parte de tempo fraco que se prolonga sobre um tempo ou parte de tempo forte, causando a sensação de antecipação do apoio natural do pulso.
- Havia também um centro de umbanda em volta da minha casa. O tambor batia o tempo todo. Realengo era um lugar distante que tinha muito pouca ligação com o centro do Rio. Era rural. Eu não sabia de nada. Gostava de ouvir o tambor. O tambor sempre me chamava atenção. Os toques de umbanda, os tambores da Folia de Reis, etc. Os toques de candomblé exigem mais de você do que os da umbanda. Minha mãe tinha um centro espirita e tinha um tocador de tambor chamado Nelson, que era uma fera, um dia ele faltou e eu me atrevi a tocar. Outros toques que influenciaram o batuque carioca foram os ritmos do nordeste. Como eu fui criado numa comunidade nordestina também sofri muitas outras influencias.
A Congada é praticada do Ceará ao Rio Grande do Sul. O Reisado sai do nordeste e passando por Minas chega ao Rio de Janeiro. O Maracatu nasceu no Recife. O Bumba-meu-boi é uma dança dramática nascida no Norte, sendo o Maranhão seu principal palco. O Balaio é brasileiro da gema e procede do Nordeste. O Maxixe é uma dança popular de 1870 que veio do Lundu. O samba, como dança, deve ter surgido em Angola, onde a umbigada era o seu ponto culminante. E o Xaxado pertence ao grupo de lampião, o Rei do Cangaço. Os cangaceiros fazem dos seus rifles suas damas e seguem sem volteio, arrastando suas sandálias pelo chão levantando a poeira do terreiro num bailado rápido e vigoroso.
- O samba me pegou através de Jorge Negão, que era ritmista da Portela. Ele tinha um bloco que se reunia na padaria perto da minha casa. No samba eu me encantei pela frigideira. A Portela fazia um toque de pandeiro diferente de hoje, um toque rufado.
Dos gêneros musicais que influenciaram a música urbana incluem-se a embolada, cultivada pelo grande Almirante e por Noel Rosa, na fase primitiva do rádio brasileiro e também o baião, o coco, maracatus e caboclinhos e alguns pontos de candomblé.
- Eu sou contemporâneo de Elton Medeiros, Ney Lopes e Wilson das Neves. Que é meu grande ídolo. Pra mim, o mestre dos mestres era o baterista Suti . Um baterista malabaristas. TV TUPI. Apresentações ao vivo. Coisa rara. Um grande professor. Descobri através do Rádio. Ele solava “Apito no Samba” do Luís Bandeira. Carro chefe/ música para bateria. Anos 50. Luís Bandeira foi crooner da boite Drink c/ Caubi Peixoto com o qual eu trabalhei em 1964. A Orquestra Tabajara tem culpa de eu não saber nadar... Domingo minha família saia para a praia e eu ficava ouvindo ao meio-dia na Radio Nacional a orquestra Tabajara. Plínio Araújo era meu ídolo. O baterista Juquinha que foi o primeiro baterista a fazer o toque da Bossa Nova e o primeiro a tocar com Joao Gilberto. Ele tocava baixinho com a vassourinha, suave como o João gostava. As minhas primeiras influencias musicais, na bossa nova, foram o Milton Banana, o Do Um Romão e o Edson Machado.
Um pouco do gênio do Edson Machado
- O Edson marcou muito a minha vida. Quando eu era garoto ele era conhecido como Edson Maluco. Raul de Souza diz que quem inventou o samba no prato foi o Godolfredo que era militar e não gostava de tocar alto. Um dia o Edson e Raul viram ele tocando e o Edson pediu para dar uma canja e saiu arrebentando no prato. Isso na gafieira de Bento Ribeiro. A primeira vez que vi o Edson Machado tocar foi no Cassino Bangu - Ed Lincom no contrabaixo, Ribamar no piano, Araken no trumpete e o Edson na bateria. Para ver o quarteto tocar tive de tomar coragem e tomei umas “peruas”. Pulei o muro do clube, porque eu era muito pobre e pobre não entrava no clube. O Edson arrasou. A maior emoção da minha vida foi ver o Edson ao vivo. Era o ano de 1958. Edson Machado é o Samba Novo. Edson tinha uma concepção toda sua de tocar bateria. Não fazia concessão nenhuma. Muita dignidade. Tocava com a bandeira do Brasil encima da bateria. Aprendi muito com ele. Um grande sambista, melhor: uma escola de samba na bateria. Edson me conheceu em 1967 no Dancing Avenida. Eu tocava com “Os Copacabanas” que era um repertório barra pesada para caramba. Nessa época, do Dancing, começaram a falar de mim: “Tem aí um garotinho novinho, que além de tocar bem ainda lê música. O pessoal da zona sul começou aparecer e um dia Edson estava lá. Eu estava super concentrado, tinha estudado muito. Edson disse: Muito bem, Roberto! Você esta tocando muito bem! Edson saiu de Copacabana para me ver e já sabia meu nome. Isto foi demais. Depois do primeiro encontro com Edson ficamos amigos. Edson cheio de dificuldades financeiras morava em Santa Teresa, foi aí que eu encontrei um apartamento para ele em um prédio da Prado Júnior em Copacabana. A bateria para o Edson era sua mulher. Chamava ela de Tulipa. Tulipa era preta ou tulipa era dourada.... Edson chegou no Rio no dia do arroxo do Collor. Ficou louco e ligou para a mulher dele em Nova York e ela, impaciente o dispensou. Aí ele ficou por aqui, duro, abandonado, humilhado e acabou morrendo. Edson me ensinou como usar os pratos, os tambores. A bateria do Edson tinha harmonia e ritmo. As pessoas tem dificuldade em ver isso. Os bateristas sofrem de preconceito até hoje no Brasil.O Bossa Três acabou. O último foi o Vinhas. Tião Neto, Luís Carlos Vinhas e Edson Machado. Aqui jazz o Bossa Três. Edson para mim é o Brasil encima de uma bateria.
Finalizando a história.
- Na minha infância eu ouvia muito que baterista que não lia música era batedor de tambor de couro. Eu não queria ser batedor de tambor de couro. Queria ser músico. Músico completo! Estudei muito para chegar onde eu cheguei.O Wilson das Neves apareceu na minha trajetória musical quando tocava na orquestra de Lilo Panicalli. Era um baterista diferente, lia música de ouvido e sofria varias influencias, incluindo o Jazz. Ele me clareou. Além de ler ele interpretava muito bem. O Dom Um Romão foi o mestre da Bossa Nova. Ele africanizou a bossa. Entre todos, era ele que tinha o toque mais africano. Dom Um foi a primeira pessoa que me levou ao Beco das Garrafas. Fui ver o Raul de Souza e Leni de Andrade no show “Só se for agora”. Ele tem hoje 75 anos. Doa a quem doer, foi ele o cara que trouxe o batuque africano para a Bossa Nova. O Mestre Marçal é a minha Escola de Samba. Ele sempre foi uma pessoa muito respeitada no samba. Eu não tinha acesso a ele. Só fui conhecê-lo em 69 na gravadora Odeon. Ele era o ritmista, o maior dos cuiqueiros. A maioria das gravações de 50 / 60 foi feita pelo Mestre Marçal. Ele inventou o toque do tamborim, chamado de teleco-teco, que hoje está sendo desprezado pelos novos ritmistas. No momento estou fazendo um resgate desse toque tradicional. Caetero – é o toque atual do tamborim da escola de samba. Sinhô foi o primeiro autor a projetar o Samba na sociedade carioca. O Brasil não tem memória. Posso citar alguns nomes e ritmos que fizeram o batuque carioca: Sinhô e Donga, Clementina de Jesus (Jongueira), Darcy do Jongo, Aniceto do Império (pai dos partideiros), Folias de Reis, Congados, Geraldo Pereira, Xangô da Mangueira, Luís Gonzaga, Jackson do Pandeiro (trouxe o coco), João do Vale (maranhense), tambor de crioulo, os bois do Maranhão, o Milton Nascimento, Gilberto Gil (afoxé, samba de roda), Paulinho da Viola, Jorge Benjor, Elton Medeiros, Ney Lopes, Wilson das Neves, as tradicionais Escolas de Samba: Mangueira, Portela, Salgueiro, Império Serrano e o Mestre Marçal...
Roberto sai andando da Estação Central do Brasil, atravessa a Av. Getúlio Vargas, passa pela Praça da República e chega à Estudantina, onde já se encontram seus amigos e convidados, então sobe as escadas até o salão onde os músicos já estão tocando. No palco a bateria vazia e todos os instrumentos de percussão estão arrumados e armados com vários microfones a espera da participação do grande homenageado da noite.
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