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quinta-feira, 18 de março de 2010

CONTO

Poderia ter vindo para Cabo Frio ou Búzios de helicóptero, mas distanciaria o meu objetivo, chamaria muito a atenção para minha pessoa. Pois assim, despercebido, incógnito, atordoado, eu estava chegando à rodoviária e ainda não havia conseguido arquitetar os meus primeiros passos, pois a viagem foi um porre e o meu vizinho não parava de falar.
O ônibus freou bruscamente no sinal vermelho. Um pânico assaltou os passageiros, o motorista não conseguia abrir a porta quando uma fumaça começou a sair do motor que ficava atrás do veiculo. Antes de o fogo começar, eu, que sou magrinho, pulei a janela passando por cima do meu gordo vizinho. O fogo tomou conta do ônibus lotado e não deu tempo de ninguém sair. Para quem queria ficar no anonimato, nada mais espetacular que uma grande tragédia urbana. Com a confusão formada, pessoas correndo, tentando abrir a porta emperrada, eu consegui rapidamente sair despercebido, nada se podia fazer. Só parei de andar quando os gritos de horror das pessoas cessaram com uma grande explosão. Quando dei por mim estava de frente para o grande canal que nutria de água salgada do mar aberto a lagoa morta do Araruama. Procurei um lugar para almoçar e encontrei um restaurante que servia uma carne, uma picanha, de primeira e vi que todos ali, ao lado do grande canal, repleto de barquinhos e de pescadores com seus balaios recheados de iguarias, preferiam o sangue quente de uma carne vermelha. Que contradição! Não me importei e pedi também aquela picanha mal passada que era trazida por um garçom alto e gordo, sem crise, até a minha mesa. Foi o garçom que me deu as primeiras informações sobre a cidade e que me indicou o marinheiro que arrumaria um barco em bom estado para eu realizar os meus propósitos. Acho que o gordo garçom simpático foi com a minha cara de andrógino, o que já era um bom começo. Comi muito pouco, tomei uma cerveja, saí e fui procurar o marinheiro indicado no cais. As águas do canal estavam agitadas e sujas quando me aproximei do velho pescador.
- Boa tarde, meu senhor! Venho aqui indicado...
- Já sei! Ele acabou de me telefonar e me disse que você é exigente... Venha ver! Eu tenho aquilo que vai lhe agradar.
Comprei o barco, levei meus pertences para dentro e pedi para o marinheiro encher o tanque de combustível e as caixas com água doce enquanto eu ia comprar alguns mantimentos.
Eu tinha um endereço, aqui nesta cidade, onde morava uma pessoa que eu precisava ver antes de embarcar. Quando cheguei na rua indicada a casa estava vazia. Fui até a padaria que havia na esquina e procurei pelo balconista, que na certa morava nas redondezas.
- Boa tarde, meu senhor! Venho aqui para saber do paradeiro dos moradores da casa que esta ali fechada...
- Não mora ninguém ali meu senhor...
Retirei do bolso uma nota de 100 reais e mostrei ao pobre padeiro.
- Preciso saber onde foram morar os antigos moradores dessa residência!
O padeiro pega os cem reais e da um sorriso.
- Eles foram embora daqui a mais ou menos um mês atrás. Parece que o professor adoeceu e os filhos o levaram para tratamento...
- Onde estão agora? Perguntei mostrando outra nota de cem que ele pegou com um sorriso aberto.
- Foram morar na cidade de Búzios...
- Só para ter certeza você poderia me dizer o nome deles?
- Por mais duas dessas notas eu lhe digo tudo que sei.
- Meu amigo, eu só não conhecia aquela família, mas sabia dela muito mais do que eu poderia falar: Começo pelo professor Demóstenes, 56 anos – pai de Gabriel e Marcos. Gabriel, 18 anos – filho da sua segunda mulher. Marcos, 28 anos – filho da sua primeira mulher (falecida). Mariana, uma linda mulher de 34 anos – mãe de Gabriel e atual mulher de Demóstenes e por todos nós cobiçada.
Eu podia observar a cena a seguir enquanto navegava no canal:
Na sala de uma casa da classe média alta, o velho Demóstenes está sentado em uma cadeira de balanço:
- Eu sou uma criança e preciso que alguém cuide de mim...
Tudo mentira e falsidade. Marcos está andando na sala da casa como se falasse com alguém.
- Quem vai querer cuidar de um velho de sessenta anos que se acha uma criança?

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