Quando era adolescente, era um apaixonado pelas músicas tocadas e interpretadas pelo Tamba Trio. Para mim era o que havia de melhor no instrumental da música popular brasileira no ano de 1965. Eu era um admirador fervoroso, tinha todos os Lps do grupo, mas me identificava principalmente com o seu pianista e arranjador que trazia nas suas concepções rítmicas, do que se chamava bossa nova, não só o jazz tradicional, mas a alma romântica dos cancioneiros franceses e das modinhas portuguesas. Era uma maneira de interpretar, harmonicamente, os temas da época no piano, sem a total influência do jazz. É bom que se diga que nesta época a música popular brasileira tinha nas suas formações de música instrumental o que havia de melhor. Do samba ao chorinho. Do jazz a bossa nova. Mas, talvez, por sua formação clássica, francesa, este extraordinário músico me agradava mais que outros também geniais pianistas brasileiros.Imagine o que eu senti vinte anos depois, em 1985, quando em memoráveis noitadas, na sua casa e no estúdio de gravação do seu amigo Arthur Verocai, talentoso violonista que gravou o violão do belíssimo arranjo paro o Trenzinho Caipira do Villa-Lobos, eu me aproximei e conheci o lado criativo e iluminado deste artista sensível.
Fiquei feliz quando ele, na sua casa, me disse que tinha formado um novo trio, com dois outros músicos e com o nome de Triângulo e que gostaria que eles participassem do nosso trabalho. Assim ele me apresentou ao baterista Robertinho Silva e ao baixista Luiz Alves, o seu trio. Surpresa. Ambos eram meus conhecidos anos antes durante as filmagens, no Teatro Municipal de São Paulo, do show O Milagre dos Peixes com o Milton Nascimento. Filme que eu fotografei para o Márcio Borges e o Sérvulo Siqueira.
Com a formalização dos primeiros contatos – contratos feitos com o produtor, iniciamos os trabalhos de criação da trilha que deveria ter quase o mesmo tempo do todo filme – 80 minutos – Assim foi feito com a apresentação para ele dos 120 minutos do copião montado e gravado em uma moviola com uma VHS.
Lembro-me que cheguei à casa do pianista e fui recebido na porta por sua mulher. Fui entrando timidamente, como um bom mineiro, e ela me levou até a cozinha do apartamento. Olhei de esgueiro para não incomodar, mas ele me colocou a vontade me oferecendo o que ele estava comendo – um prato, uma montanha, de arroz com feijão preto. Eu, mesmo sendo o todo poderoso diretor, produtor do filme, não tinha palavras pra enfrentar o meu ídolo da juventude – sempre fui um apaixonado por piano que aprendi a tocar com a minha avó – e, enquanto ele comia, eu pensava como me aproximar e conquistá-lo para o filme... Levava na mão um disco do Darius Milhaud
que tentava lhe entregar, mas ele comia em silêncio, sem parar e com prazer indescritível o seu banquete brasileiro... Assim, numa explosão de timidez, levantei o disco raro na mão e disse com a voz forte: - Faz muito tempo que pensei neste encontro, não sabia como iria acontecer, mas hoje aqui na sua frente, dissipadas todas as nuvens do estrelismo, eu posso dizer ao extraordinário músico, que só você é capaz de entender o que quero como trilha musical para esse filme... Ele continuava comendo, e eu levantei o tom da minha voz dizendo-lhe: - Fiz um filme sobre um poeta francês que vem ao Rio de Janeiro no carnaval e aqui se envolve com a nossa história, com a nossa cultura e principalmente com o nosso povo e só você pode fazer a cama musical aonde esse poeta vai se deitar... Ele deixa o prato na pia da cozinha, da um gole no cálice de vinho e coloca a sua mão no meu ombro e me pergunta o que eu trazia em minhas mãos. Eu lhe falei do músico francês e do disco raro que em seguida lhe dei de presente... Fomos até a sala onde ficava o piano e eu me emocionei com o belo instrumento e sem querer disse três vezes com inflexões diferentes: - Grande Luis Eça! Luis Eça, Luisinho! Toca alguma coisa aqui pra esse seu fã mineiro matar a saudade.Ele riu e me deu um abraço, não tocou o piano, aceitou o trabalho e começamos assim, em alto astral, a trilha musical do Filme 100% Brazileiro, que venho trazendo diariamente aqui para os privilegiados leitores do Kynoma.





Um dia no passado tocou o telefone e falei com o grande ator de teatro e de cinema Kimura Schettino. Ator popular brasileiro. Mistura de todas as raças. Sempre um forte para interpretar os seus inúmeros personagens. Atendi ao telefone e era o meu amigo de Belo Horizonte. Ele, de frente à praça da igreja da Boa Viagem, confessava, interpretava chorando e rindo ao mesmo tempo, o seu amor perdido e o seu sentimento infinito de fracasso... Dei uma boa risada e lhe falei: - Um grande ator não fica desempregado! Um ator popular como você não se deixa perdido e muito menos maldito!... Ele não me deu ouvidos... Insistia comigo para encenar novamente a peça que eu havia escrito a mais de dez anos e dizia-me que ensaiava a mesma todos os dias no cemitério
Ouvi e vi o seu lamento e fiquei imaginando o quanto seria bom para a nação se os seus verdadeiros artistas, com liberdade, talento e poesia, pudessem dispor de pequenas quantias para seus grandes projetos. Podíamos estar trabalhando, revolucionando, consolidando a grande arte da vanguarda brasileira.








Ouço o silêncio do poder absoluto


Ponderei com ele sobre o perigo que existe em homenagear os artistas vivos que ainda tentam trabalhar fazendo cinema e das minhas dificuldades em aparecer como personagem de mim mesmo. Olha que a maioria dos meus filmes foram feitos para homenagear grandes artistas – Goeldi; Krajcberg; P.W.Lund; C.Guarnieri; Blaise Cendrars; Murilo Mendes; P.Nava; Augusto dos Anjos; Geraldo Pereira; Nunes Pereira; A.Daibert; Tancredo Neves; Aloísio de Azevedo e outros... Sei como é difícil ser verdadeiro na narrativa cine




