Lá
fora amor, uma rosa nasceu. As portas deverão permanecer abertas durante o
horário de funcionamento, era o que estava escrito em uma placa ao lado do
balcão do bar de três portas. Perguntei ao português que mordia os fartos bigodes
brancos com os dentes implantados do canto da boca: isso quer dizer que você
não pode funcionar fechado, para um evento qualquer? Ele respondeu secamente:
são as portas que abrem ou fecham e não eu. Continuou depois de uma longa
pausa, sem tirar os olhos do dinheiro que contava: exigência dos bombeiros.
Noutro dia fui visitar o May Flowers, um pequeno e escondido botequim no
coração de Copacabana, que há anos luz me fora apresentado pelo Otávio
Terceiro. Amancio, o dono do pedaço, colocou uma mesa para mim ao lado da banca
de jornal de frente para o bar com a calçada no meio, fiquei por ali tomando um
tempo. Todas e todos passavam em profusão pra lá e pra cá desfocando o primeiro
plano, já que o ponto é a dois quarteirões do metrô e na outra direção, a mesma
distância da praia. Bem na minha frente nitidamente, dois senhores bem idosos
se reencontraram, cumprimentaram-se de uma maneira muito efusiva, com carinhos,
abraços apertados, beijos na testa e nas mãos, olhos molhados de lembranças e
palavras amorosas. Tamanha afetividade me levou às lágrimas contidas nos óculos
escuros. Que coisa bela é a amizade. Em seguida, mostraram o relógio de pulso
um para o outro, explicando o motivo da pressa e cada um seguiu seu caminho.
Desta vez, por um erro crasso de logística, não fui ao bomBardeio, na mítica
Prado Junior território do David Neves. Na madrugada na mesa do bar, é só o
tempo lá fora. Fui ao BeloBar e para minha tristeza o estabelecimento na minha
hora boa, já não é atendido pelos meus antigos convivas. Quase tudo muda.
Continuei
a via sacra. A mulher
cuspiu a maçã é o título do diáfano curta que a Las Casas nos apresentou
enquanto filmávamos com o auxílio luxuoso da luz natural e de um mono-pé
a
sonora imagem da minha Maria Madalena
revolucionária, no filme que um dia consigo fazer: Ana Maria
Magalhães. Novamente o elegante bandolim do Madeira com outros
instrumentos
comparsas me levou a novas lágrimas executando Papo de Anjo na porta do
meio da
esquina de dentro para fora. Foi perdido o maior pensamento na mudança
do encaminhamento
para o Word e vice-versa
ao contrário. Mudei a ordem dos fatores com maior autonomia, afinal sem
alguma
autonomia a essa altura você não é nada, e eu voltando ao nada da
verdade, nem
te digo. Tive um sonho tão real essa noite que achei que era mentira.
Continuando anatomicamente, depois que cheguei na esplendorosa criação
do Farnese de
Andrade, mineiro catador dos pedaços científicos jogados como lixo da
praia de
Botafogo, inventando a própria expressão do objeto, assim sem saber
sabendo,
voltei a verter lágrimas indisfarçáveis sem possibilidades de contenção.
Arqueologia existencial. Só ali, estava dentro de um carrossel de
emoções
requintadas. A beleza me fez voltar a ser o velho bebê chorão que sempre
consegui ser sem a menor intenção, hoje com bem mais experimentações
arriscadas
e todos os mais variados medos. A beleza e que beleza tarda e não falha,
às
vezes. Depois já nas montanhas em frente à drogaria Araújo, encontro com
o Zé
Lourinho carregando duas sacolas de plástico lotadas de remédios. Com
olhos
melancólicos ele disse: pois é, quando a despesa da farmácia fica maior
do que
a do bar, é sinal que as coisas estão piorando. Dia treze de Maio, dia
da Nossa
Senhora. Conceição eu me lembro muito bem. Na sequência vejo o Cabeça,
que
junto ao Biscoito são os deliverys mais espertos da Serra, sentado em
frente ao Bar da Árvore com o braço esquerdo imobilizado cheio de pinos,
a
perna metida numa bota azul para fratura e do queixo até a testa
coberto de hematomas. Diante do meu choque, antes que eu perguntasse,
ele foi
logo explicando o sucedido, parece que estava sentado ali para isto. Com
dificuldade porque sua boca estava torta e metade dos dentes quebrados,
ele contou: estava na comunidade descendo a rua de pedra ao lado do
Torneirão,
aí quando fui entrar naquela curvinha para a esquerda tinha uma areia
jogada no canto, a moto derrapou e eu caí exatamente no vão da rua nos
fundos
da casa do Mancha que fica lá embaixo onde estava tendo um churrasco, só
fui
parar quebrando a mesa espalhando arroz
pra todo lado e fiquei neste
estado. Ele mesmo riu, então também tive que rir.
Tenho que falar dos dois filmes
que vi durante o momento do intervalo ou do recreio, quando não me submeti às
regras da sala de aula. Que saudades da professorinha que me ensinou o beabá.
Um museu imaginário. Voltei a autobiografia, geralmente de onde todos nós
começamos. É uma luta para barbarizar um país mau civilizado, a consciência é
difícil de
alcançar. Voltemos ao inicio, coisa de maluco, eu sei meu bem.
Tudo está passando tão rápido,
que hoje já é amanhã e como se sabe cada dia é um dia a menos. Cantando
aos acordes do meu violão é que mando depressa ir-se embora a saudade que mora
no meu coração. Na parada esperta do Tonel da Pinga, sentado ao fundo na mesa
mais nobre do estabelecimento que é um beco, pude observar o negão de quase
dois metros, cabelo rastafári e macacão de entregador de gás, se aproximar do
balcão e sorrindo pedir ao Derley que antes chamava Shirlei, uma dose
dupla da amarela. Depois de servido levantou o Lagoinha cheio e olhando através
da sua transparência em direção à rua, disse melodiosamente: a vida é bela
como uma moça na janela esperando o broto dela. De uma talagada matou a
aqua-vita brasileira, pagou, agradeceu e foi embora. Finalmente o frio
chegou. No dia seguinte, passando em frente a um botequim na Barata Ribeiro
com República do Peru, vejo uma placa com os seguintes dizeres: bebo para
esquecer, mas nem assim.
Em Belo Horizonte noto o Moraes Moreira de chapéu
de palha dirigindo um carro vermelho pela Rua Dos Guajajaras. Talvez
fosse um chapéu Panamá. Só vou pra casa quando o dia clarear. Se por acaso
um grande amor eu arranjar não vou pra casa não vou não vou. Tarde fria,
sinto um frio na alma. Só você não vem minha calma.
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