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quarta-feira, 27 de abril de 2016

UM CONTO DE REIS


O TEASER É UM PUZZLE
 Fábio Carvalho
Amanhã vou caminhar por toda avenida para localizar em que ponto está aquela árvore frondosa que escolhi para ornar o quadro da cena de amor. Esqueci o inesquecível, Mariana na imagem engolindo as bolas… de sabão. Vi na noite de segunda feira sem lei, através da janela, o gato pardo subindo lépido a rua do Ouro iluminado pela luz da lua quase cheia. A fotografia é o momento decisivo da imagem. O Eugênio Kusnet ensinou ao Othon Bastos: você deve entrar no palco e passar a impressão que o mundo é pequeno para você. Significações Amorosas, observa a relação entre um casal de músicos de orquestra, uma violoncelista e um percussionista. Essa relação enfrenta uma relação limite: estão trancafiados em um abrigo nuclear e não sabem o que se passa lá fora, o que está acontecendo. Essa situação leva os dois a um embate de idéias, a um confronto de desejos, já que ela mantém esperanças na vida lá fora e ele, por sua vez, acredita que aquela vida que levam ali - somente os dois em um buraco - é o espaço que lhes cabe pelo resto de suas existências. O sentimento de um pelo o outro entra em cheque e em choque. Essa é a linha do roteiro do Rô, que consigo um dia filmar. Passei uma delícia de noite estrelada com A Noiva da Cidade, me enviado pelo poeta Ronaldo Werneck, direto da cidade de Cataguases, o gosto do infinito havia sido ali realizado. Extasiado por sua magia, invenção e sensualidade, eu havia assistido na adolescência do segundo andar do Cine Acaiaca, sua projeção reveladora por três sessões seguidas. Ainda existiam os três sinais de som e de luz, as cortinas se abriam para o inicio do cinejornal Canal 100 antes do filme, uma beleza que já era. Não dancei o tango e nem lavei a louça naquele dia. Meu avô Carlos de Alencar, escreveu: o pensar é um ato doloroso, é a tragédia do homem. Mas se não fosse o pensamento, o homem seria menos que um objeto. Meu irmão e meu sobrinho biólogos, comentavam durante o almoço do Sábado de Aleluia, que duas das principais causas da extinção da Ararinha Azul eram: em primeiro o fato do espermatozoide da Ararinha macho ser muito lento, quase retardado, em segundo os cães e gatos que comiam seus ovinhos nos ninhos. Perguntei se haviam cães e gatos na floresta encantada onde a Ararinha Azul vivia, não houve resposta. A luta da minha vida. Depois do Fundão fui visitar o Caçapa e aqueles que moram por lá, todos lá estavam, tive a impressão que o mundo vai mudar. O seu futuro é duvidoso e esse filme também. Iluminou-me uma antevisão que meu ator iria aparecer por trás da parede da sorveteria, exatamente no meu quadro de visão, em sequência ele realmente apareceu, que coisa meu. Contei o ocorrido e ele me disse que deveríamos aproveitar a minha mediunidade, capitaliza-la, no que concordei imediatamente. O mar ainda era verde-água em Ipanema, quando comi aquela empadinha de alho-poró com azeitona, instante que demorou a passar rápido assim mais ou menos como os anos oitenta. Isto pode soar um pouco doloroso, em todo caso bastante ardente. Tomei uma reflexão francesa,que não é exatamente a minha, já que prefiro e quero as reflexões musicais tropicais com curvas, onde sempre corremos o risco de derrapar. Escapei por enquanto de mais essa curva. Depois que vi e ouvi o Milton cantando o Monsueto descobri que hoje só volto amanhã em Diamantina. 


sábado, 23 de abril de 2016

ARTE_PLÁSTICA


MEMÓRIAS DAS SOMBRAS
Paulo Laender

(Sobre Farnese de Andrade em 2002)

A primorosa edição do livro Farnese de Andrade, com texto do crítico Rodrigo Naves e a inclusão do DVD Farnese, registro cinematográfico realizado sobre o artista e sua obra por Olívio Tavares de Araujo em 1971, vem fazer justiça e resgatar a obra de um dos mais instigantes, criativos e emblemáticos artistas brasileiros.Morto há seis anos, em julho de 1996, esse aluno de Guignard, contemporâneo de Maria Helena Andrés, Marília Giannetti, Nelly Frade, Chanina e Amilcar de Castro, Yara Tupynambá, entre tantos daquela profícua leva da Escola do Parque Municipal, em Belo Horizonte, não alcançou em vida a dimensão do reconhecimento devido.

Avesso a todo tipo de mundanismo e ao convívio social mais amplo que o círculo das amizades próximas, mergulhado nas intrincâncias do seu universo pessoal, Farnese não cultivou, sequer se preocupou com questões de mercado, assuntos de marketing ou mídia.
Na prioridade da sua criação, na necessidade da expressão dos seus anseios, e talvez mesmo pelo seu recato e natureza reclusa, esses assuntos não lhe significaram importância.

Nascido em Araguari em 1926, oriundo de uma família de dez filhos, típica do interior de Minas ( o pai tabelião e a mãe, que, além dos afazeres domésticos, cultivava o ofício da confecção de flores para grinaldas e buquês ), Farnese teve uma infância marcada pelo episódio da morte de dois irmãos mais velhos, que não chegou a conhecer, vitimados por uma enchente.

Sobre ele e a família pesava essa perda, essa tragédia particular. A memória desse universo familiar, a solidão e o sofrimento pessoal agravado por uma tuberculose contraída por volta de 1944, quando mudara para Belo Horizonte, e cuja cura definitiva só alcançaria em 1949, já então residindo no Rio de Janeiro, iriam marcar definitivamente sua vida e obra, principalmente seus objetos e esculturas, testemunhas reveladoras das lembranças e tormentos recônditos.

Farnese teve sua formação inicial em desenho com Guignard, em Belo Horizonte, a partir de 1945. No período que se segue, e após a cura da sua doença, até 1960 trabalha no Rio de Janeiro, como ilustrador de inúmeros jornais e revistas.
Realiza suas primeiras exposições de desenhos e participa de salões de arte. Em 1961, inicia seu aprendizado de gravura em metal com Johnny Friedlander e Rossini Peres, no ateliê do MAM do Rio de Janeiro.

Quando o conheci, por volta de 1963, habitava uma quitinete em Botafogo, na rua da Passagem , dividindo ase pequeno espaço com sua prensa de gravura e as bacias de ácido. Ainda trabalhava durante o dia, se não me engano nos correios, e passava as noites imerso na magia desse pequeno ateliê, gravando e imprimindo suas chapas. É dessa época a série das “gravuras negras”, gravações em relevo profundo recobertas por uma aguatinta  geral que lhes conferia, na negritude da impressão final, mistério e preciosidade. Essa série vibrante, reveladora já da sombra que sua alma artística expressaria cada vez com mais contundência, me impressionou tão fortemente então que confesso, até hoje, ao lidar com a gravura em metal, volta e meia tais referências brotam das minhas chapas, como que identificação e parentesco dessa natureza barroca inevitável que paira sobre os mineiros.

A essa época também Farnese já coletava seus primeiros “lixos”, objetos que amontoava em um canto desse pequeno mundo onde habitava.
A praia de Botafogo, após o aterro, reconstruída com a areia revolvida e lançada pelas dragas na nova orla, lhe oferecia, a cada maré, elementos e achados com os quais ia formando “uma memória encontrada”. Passaria, a partir de então, a compor seus primeiros objetos.

Lembro-me dele contando, com humor, que durante suas caminhadas de garimpo pela praia , com uma sacola na qual depositava seus achados, a turma do futebol, que ali se reunia, o apelidara, carinhosamente de “ O Cata-lixo Barbudo”.

Pouco tempo depois, em 1965, voltei para Belo Horizonte para cursar a Escola de Arquitetura, mas ainda mantive encontros esporádicos com Farnese, quando das minhas idas ao Rio de Janeiro ou mesmo em exposições que por lá realizei. Trocamos alguns trabalhos e posso afirmar, com saudosa lembrança, que mantivemos admiração e respeito mútuos em todos os nossos encontros recheados da instigante conversa, diria quase fantástica, daquele mago.
Em 1996 Farnese volta pela última vez a Belo Horizonte para uma exposição na Pace Arte Galeria, vindo a morrer pouco tempo depois, a 18 de julho daquele ano, de edema pulmonar.

Contados de forma resumida e entrecortada, na urgência desse pequeno texto, esses episódios não espelham a extensão da vidas de um artista como Farnese, a grandiosidade da sua existência. Se o faço é apenas com o intuito de sinalizar algumas datas que localizaram nossos encontros ou momentos, a meu ver, significativos da sua vida artística e, por tal desrespeito, peço perdão. Poucos artistas brasileiros foram capazes de efetuar o “mergulho” com a profundidade com que ele o fez. Esse retorno na memória aos acontecimentos marcantes de uma infância perdida em Araguari, o estigma da doença, a consciência da presença da morte trazem a marca sofrida dos grandes artistas que, de volta a sua”Macondo”, organizam e nos revelam os arcanos comuns e universais que compõem a tragédia humana.
Farnese era o artista da composição e associação dos objetos encontrados na areia da praia de Botafogo,ou no lixo de Barcelona, cidade que habitou durante algum tempo e da qual dizia possuir o lixo mais precioso do mundo, das fotos antigas herdada do tio fotógrafo, das gamelas e das peças adquiridas em antiquários montou sua obra.

Essa forma de expressão que ele, na sua releitura renovou e consolidou na arte brasileira.
O objeto veio se fixar, definitivamente, como um segmento autônomo e próprio da nossa criação contemporânea. Próxima, pela sua metáfora e resíduo memorial, do sentimento dos mineiros foi, entre artistas , da minha e subsequente geração, que o objeto se estabeleceu como meio característico e importante.
Somada à obra de Celso Renato de Lima, outro mineiro que soube lidar com os achados, se bem que  numa outra temática, Farnese veio, com seu trabalho carregado de história e significado, instigar e referenciar artistas como Marcio Sampaio, Fernando Lucchesi, Marcos Coelho Benjamim, José Bento, Léo Maciel, entre muitos aqui em Minas.

A emoção entre montanhas se faz tridimensional, ouso afirmar, e, dentro da nossa experiência com o lidar escultórico, sempre nos detivemos em duas possibilidades ou níveis da realização volumétrica: o objeto e a escultura. Ao pensar a origem e o significado dessas manifestações,ambas frequentemente encontráveis num mesmo realizador, chegamos à conclusão de ser, cada uma delas, reflexo de um universo determinado: o objeto, pela sua característica íntima, subjetiva, misteriosa, sacralizada em caixas, busca o inconsciente de quem o faz. Realiza-se e se suporta no mergulho interior, através da memória, atravessando os véus que delimitam os diferentes estágios desse retorno ao cerne. É processo doloroso, vital para o autoconhecimento e base para a história pessoal do artista, revelador de demônios, sofrimento e, às vezes, nem sempre, consegue atingir o “lótus”, a luz por trás de todos os véus.
 Através das obras assim surgidas o artista estabelece linguagens, ponte, parentescos, identifica falanges afins que lhe possibilitarão melhor localizar-se no mundo.

A escultura, por sua vez, coloca-se em nível externo, abrangente, universal. Busca formas que possibilitem uma identidade coletiva. O escultor produz ícones, arquétipos cuja qualidade mítica poderá inserí-los no inconsciente coletivo, transformando-os em símbolos universais. Sua natureza, portanto, menos pessoal ou subjetiva, espelha síntese, busca a identificação ampla e imediata, o espaço, a grande escala, por vezes o monumental.

Farnese com sua compulsão coletora e sua ordenação de conjuntos, elaborou uma farta e requintada linguagem para a sua história através do objeto.
Sua obra, executada com primor de acabamento, exuberância técnica, virtuosismo e limpeza, consolidou essa vertente induzindo, influenciando, sugerindo a tantos artista e àqueles que o compreenderam e admiram retornar às suas origens, contar suas histórias, revistar seus quintais de infância, encontrar seus demônios, seus santos, suas dores, suas alegrias seu sagrado, seu profano e, na dualidade dessas emoções, adensar, aprofundar, enriquecer, de significados sua própria arte ou existência.

“Não tenham medo de ir muito longe…Para ser atual não precisam macaquear as modas espúrias:escutem as vozes de nossa tradição, se abeberem nas raízes”, disse Guimarães Rosa e tanto o fez Farnese em obra que, infeliz e tardiamente, o mercado, colecionadores e público começam a avaliar e compreender, na sua extensão devida, mas que, nem por isso, perdeu qualquer força, pelo contrário, cresce a cada dia como a imagem da memória que, ao distanciar-se no tempo, depura o poder do significado.



(Paulo Laender - arquiteto/escultor/designer)-( escrito em julho de 2002 revisado em abril de 2016)

terça-feira, 19 de abril de 2016

POLITICA TROPICAL

Vamos transformar a farsa em uma festa.

Acabei de receber um texto do meu amigo Mario Drumond que, além de expressar o que todos nós sentimos em relação aos atuais políticos no dantesco espetáculo de ontem na Câmara dos Deputados, propõem uma espetacular estratégia de defesa, que o Governo deveria ter usado e poderá usar em relação ao Senado Federal, armando um cheque-mate nos golpistas: Organizar uma ação inesperada, revolucionária, para o dia D, é simplesmente programar o não comparecer ao senado (de todos os senadores que são contrários ao golpe) e ir juntos com os políticos da esquerda, acompanhados de Lula e Dilma, de braços dados, ao encontro do povo reunido em grande manifestação de repúdio nos jardins do Congresso Nacional.
Vamos ao texto:
Se eu fosse um deputado
Se eu fosse um deputado eu não iria ontem ao Congresso Nacional.
Se eu fosse um deputado eu seria um deputado de verdade e jamais participaria de uma encenação como aquela que se deu ontem no Congresso.
Se eu fosse um deputado eu teria brio e coragem para não passar recibo com minha presença e o meu voto naquela degradação infame que ontem encheu de lama e vergonha uma casa que já foi considerada, nos tempos de João Goulart, a Casa do Povo.
Se eu fosse um deputado eu teria vergonha na cara mais que suficiente para não expô-la naquela caricatura grotesca, um ritual macabro em verdade, superproduzido para linchar a Constituição e a Soberania do país em rede nacional (e mundial) de tevê.
Se eu fosse um deputado eu não iria ontem ao Congresso Nacional inclusive por uma questão de saúde mental e física. Nenhum dessas duas categorias da minha saúde suportaria um minuto sequer de convivência na imundície daquela fossa infecta em que se transformou o Congresso Nacional na noite tenebrosa de ontem.
Além do mais, não seria necessária minha presença lá para emitir meu voto, pois para que este meu voto fosse dado seria bastante que eu não estivesse lá.
Se eu fosse um deputado eu ontem estaria nas ruas, junto com o povo, protestando, com toda a energia da minha indignação e do meu patriotismo, contra a farsa e a barbárie que tomou conta do Congresso Nacional na noite nefasta de ontem.
Se eu fosse senador...
Mario Drumond
Belo Horizonte, 18 de abril de 2016

OS MAGOS E O MONSTRO
Mauro Santayana

Dizem que, certa vez, querendo derrotar um adversário, um grupo de magos e de aspirantes a magos – entre eles havia numerosos aprendizes de feiticeiro – reuniu-se para construir uma criatura monstruosa, que pudesse destroçar, impiedosamente, o inimigo.
- Vamos fazer uma cauda longa e forte, coberta de espinhos – disse um deles.
- E uma boca imensa como um precipício, com duas fileiras de dentes de tubarão, tamanho X-G – disse outro.
- E seis patas, longas como lanças e grossas como porretes, que possam perseguir e acuar qualquer um que esteja se vestindo com as cores deles – afirmou o terceiro.
- Cada uma com 12 garras, afiadas e curvas, como espadas de sarracenos – reforçou mais um.
- Tudo isso unido, por este tronco aqui – sugeriu outro – grosso como o de um rinoceronte.
- Coberto com escamas em lâminas, que cortem como cacos de vidro – propuseram outros, que tinham acabado de chegar ao encontro.
E durante meses os magos assim procederam.
Além de detalhes físicos, inúmeros, foram acrescidos à receita condenáveis sentimentos, que iam sendo reunidos para alimentar, na fase final, o monstro por via intravenosa, já que ele, como um abominável frankenstein canídeo, ressonava, roncando, no pátio do castelo, esperando o dia em que despertaria completamente, como a Bela Adormecida.
Por isso, no caldeirão em que fervia a poção que era injetada, como um soro fétido, no monstro, por mil agulhas espalhadas pelo corpo, se juntaram o ódio mais virulento, as mentiras mais descaradas, o preconceito mais arrogante, a violência mais sádica, a ignorância mais teimosa, a manipulação mais descarada e a mais cínica hipocrisia.
Nesse afã, passaram-se dias, semanas.
Até que, meses depois, em um crepúsculo lento e friorento, os magos se reuniram nas arquibancadas do pátio do castelo, para acordar, finalmente, a estranha criatura.
Para isso, um mago anão, equilibrista, subindo ousadamente sobre o rabo do monstro, percorreu lenta e solenemente o seu tronco, e, escalando sua cabeça, aproximou-se do focinho repugnante e disforme, para soprar, precedido pelo som de trombetas, em suas ventas, com um canudo feito de despachos judiciais, manchetes de jornal e capas de revista, o vapor azulado da existência.
Passaram-se então alguns segundos, de ansiedade e expectativa, em que se poderia ouvir o zumbido de um inseto.
E no instante em que o monstro se levantou, resfolegando como o cão dos infernos, foi como se a terra tivesse, súbita e violentamente, estremecido.
A massa da gigantesca criatura balançou-se, de um lado para o outro, como uma montanha, atirando, sobre uma arquibancada mais alta, o anão-mago que havia lhe soprado a vida.
E quando, abrindo os olhos em chamas, ele escancarou a espantosa bocarra, mostrando a garganta escura e profunda como um poço, emoldurada pelas longas fileiras de dentes, de onde explodiu, como uma bomba, o poderoso trovão de seu rugido, fazendo com que todo mundo saísse correndo, desabaladamente, ainda ouviu-se, desesperado e agudo, um grito lancinante:
- Ih! Ih! Corre, macacada, corre!
A gente se esqueceu de colocar a coleira!
Se tivesse acesso a um pequeno livro de contos morávios da segunda metade do medievo, que comprei em um velho sebo em Praga, que me inspirou o início deste texto, certamente parte da oposição e do próprio PMDB teriam pensado duas vezes antes de agir como os magos e os seus aprendizes, e optar, uns de forma planejada, outros de maneira crescente e intuitiva, por incentivar e  cevar, com a velha, surrada, manipulada bandeira do combate à corrupção de sempre,  o monstro da antipolítica,  e por abandonar o calendário eleitoral normal para embarcar em um jogo suicida de encarniçado perde-perde  do qual, como se pode ver também pelas últimas pesquisas, todos, ou quase todos, sairão exangues, feridos e derrotados, e em situação muito pior do que a que estavam antes.
Nos últimos anos, e principalmente nos últimos meses, da Copa do Mundo para cá, muita gente insistiu em empurrar, radical, emotivamente, a população e a opinião pública contra o governo, como se disso dependesse a salvação do país.
E o que se conseguiu foi criar uma grande massa de brasileiros, equivalente hoje a cerca de 20% da população, que nutre o mais profundo desprezo pela política, pelo Congresso, pelos partidos, pelo Supremo Tribunal Federal e pelo Poder Executivo, e que não tem – e não quer ter – a menor ideia de como funciona um regime democrático ou o presidencialismo de coalizão.
Uma turba que, da defesa da tortura, da ditadura, do assassinato de adversários políticos, ao anseio de uma democracia direta feita na base da porrada e do porrete, exercida pela força, a pressão e a violência, exibe os mais esdrúxulos devaneios e delírios, tendo como únicos pontos de união um anticomunismo  tosco e anacrônico, o ódio ao estado, o desprezo pelo Brasil e por suas conquistas e preconceitos de todo tipo e que só aceita – até agora – a liderança de dois personagens desequilibrados pelo ego e pela ambição, que representam, a médio prazo, um imponderável, incalculável, extremado risco para a sobrevivência da democracia e das instituições.
O PT, de sua parte, embora não possa ser incluído no “círculo mágico” a que nos referimos, fez, paradoxalmente, quase todo o possível para o crescimento dessa receita fascista.
Alimentou, com bilhões de reais, uma mídia parcial, seletiva, inimiga, quando, até mesmo usando o sábio pretexto da austeridade, poderia ter evitado fazê-lo, suspendendo, ou limitando à publicidade legal obrigatória, toda a propaganda paga do governo.
Abandonou, sem nenhuma estratégia que pudesse impedi-lo, os espaços aparentemente “neutros” e de maior “audiência” da internet para a direita, e, depois, para a extrema direita, permitindo que, sem nenhuma reação em contrário, eles se tornassem o principal caldo de fermento de uma malta ignorante, violenta, hipócrita, manipulada e burra, parte dela oriunda de um público que as próprias políticas sociais do Partido dos Trabalhadores havia levado a ter acesso, por meio da inclusão digital, a computadores, tablets, celulares e conexões de rede.
Não estruturou um discurso claro, baseado em dados simples, em nada cabalísticos, do PIB, dívida pública, carga tributária, que pudesse desmentir teses estapafúrdias como a de que quebrou o Brasil nos últimos 13 anos, ou de que sucateou as Forças Armadas, quando lançou o maior programa de rearmamento da área de defesa dos últimos 500 anos.
Alguns de seus dirigentes se entregaram à aceitação de pequenos, perigosos e absolutamente desnecessários “favores” – não ilegais, mas moral e politicamente discutíveis – e outros personagens se entregaram a operações de “consultoria”, prestadas não apenas a empresas brasileiras – coisa totalmente compreensível, no apoio por exemplo, à exportação de serviços e equipamentos nacionais – mas também a companhias multinacionais, algumas delas – não necessariamente por influência do PT, mas em seus governos  - beneficiadas, nos últimos anos, por “perdão” de impostos e empréstimos bilionários, lembrando, nessa aproximação, o que ocorria nos governos  neoliberais e entreguistas anteriores.
O caminho para o cadafalso foi percorrido, inexoravelmente,  até agora, com a resignação e a inação de quem achava que algum milagre sempre ia ocorrer na etapa seguinte, à volta da esquina, quando o golpe em andamento só faltou ser anunciado em luzes de neon, por fatos como o deslocamento – para o qual chamamos a atenção à época – para Brasília, da mesma embaixadora norte-americana que estava lotada em Assunção no processo de derrubada jurídico-político- midiática do Presidente Fernando Lugo.
A oposição tem perdido apoio e intenção de votos com o discurso geral de judicialização e criminalização da política, na mesma proporção em que seus membros são acusados de corrupção, quase que exatamente com os mesmos pretextos, jogadas e subterfúgios – principalmente a transformação de doações legais em ilegais e delações premiadas negociadas em troca da liberdade mesmo que provisória de detidos – que antes se utilizavam apenas contra membros do PT e da coalizão governista.
O Congresso também perdeu como um todo, institucionalmente, bastando para isso ver a quantidade de membros do legislativo processados pela justiça – incluídos os presidentes da Câmara e do Senado – ou apenas no âmbito da Operação Lava-Jato, como é o caso, por exemplo, da composição da própria Comissão que aprovou, em primeira votação, por maioria simples, o impedimento da Presidente da República.
A Operação Lava-Jato, insuflada pela oposição no início, e pela mídia conservadora durante todo o tempo, e o esporte nacional de acuar e inviabilizar o governo, aprofundaram o efeito da crise econômica internacional, arrebentando com a governabilidade e com a economia e quebrando milhares de brasileiros, que, até mesmo por isso, estão se afastando também da política tradicional, “seduzidos”, como sempre, por novos e velhos paraquedistas que dizem que não são “políticos”.
Quanto ao PMDB, se nem os magos e seus aprendizes conseguiram se aproximar da criatura que geraram – por hora disposta a ganhar afagos e festas de apenas duas pessoas, o Juiz Sérgio Moro e o Capitão Jair Bolsonaro, que se aproximam, perigosamente de 16% dos votos;
Se a malta fascista que está nas ruas, criada com o leite amargo do ódio e o pão de ló da criminalização e desconstrução da política que a oposição e a imprensa amassaram com o rabo, não aceita sequer a presença do PSDB partidário em suas manifestações, das quais já expulsou Aécio e Alckmin, nem a do Presidente da FIESP – que foi cantar o hino nacional e por pouco não saiu tosquiado, ou melhor, pagando o pato;
Nem a do “líder” dos Revoltados Online, que apesar de travestido de fascista, foi acusado de comunista e de “estar a soldo do senador Aécio Neves” porque tentou fazer um alerta à turba de “homens de bem” e teve que sair sob proteção policial da Avenida Paulista;
De onde o PMDB “recém-dissidente” tirou a ideia, ou melhor – aos gritos de “Fora PT” no Congresso – a ilusão, de que seria tratado de forma diferente por aqueles que se convencionou chamar de “coxinhas”, ou pelo judiciário, ou pela “imprensa”, após ficar mais de uma década apoiando e participando da coalizão governista?
Será que esse partido não sabe que dificilmente o Vice-Presidente Michel Temer deixará de ser a bola da vez em uma longa fila de impeachments?
Bom ou mau, o PT tinha um acordo com o PMDB. A imprensa, o Judiciário, os “mercados” não tem nenhum.
Ainda esta semana, em entrevista ao jornal Valor Econômico, o empresário Francisco Deusmar, dono da rede de farmácias Pague Menos, com 830 lojas no país, disse que, em caso de impeachment,  seria melhor que o Vice-Presidente da República não assumisse.”Tem que ser como no futebol – afirmou – o time está perdendo? Muda a Comissão Técnica toda.
E o ex-presidente do Banco Central Gustavo Loyola, lembrou que não dá para saber que tipo de apoio teria um eventual governo Michel Temer.
Se haverá eleições daqui a seis meses, para que quebrar as regras do jogo?
Para que romper a aliança – mesmo que frágil – de uma coalizão já existente, para tentar, sem nenhuma garantia de êxito, se aliar subalternamente (pela pressão) a todo tipo de adversários, que não têm por você a menor simpatia ou respeito?
O que é melhor, atravessar o rio em conjunto com o grupo com que, ao menos aparentemente, se   estava enfrentando, até mesmo por imposição do campo adversário, as mesmas vicissitudes e desafios?
Ou substituir regras democráticas previsíveis, periódicas, pelo imponderável “pega pra capar” de uma destrutiva briga de foice no escuro – e ser usado como boi de piranha para tirar as castanhas do fogo para sabe se lá quem chegar ao poder, pisando por cima do seu pescoço?
Os ministros do PMDB que permaneceram no governo recusaram-se a queimar suas naves, como Agathocles nas praias de Cartago.
Ao romper com Dilma, por sua vez, outro lado do PMDB lançou-se à travessia – que promete ser longa e não isenta de desafios – de uma espécie de Rubicão caboclo.
E um terceiro grupo, nacionalista e legalista, tende a manter-se – provavelmente em defesa de suas respectivas biografias – por convicção, contra o impeachment.
Esquecendo-se das conveniências de curto prazo, que nem sempre são boas conselheiras, em Política e na História, por maiores sejam a pressa e as dúvidas eventuais, no lugar de ficar com o senso comum é sempre melhor ficar com o bom senso.
Senão, corre-se o risco de morrer como o escorpião que picou a rã – que lhe dava carona – no meio do rio.
O futuro dirá se foi por estratégia, por “natureza” (como fez o artrópode da fábula) ou estultice.

quarta-feira, 13 de abril de 2016

ENTREVISTA CONCRETISTA


“Não me sentiria bem se me calasse”,

Augusto de Campos

 

O Portal Vermelho conversou, com exclusividade, com o poeta Augusto de Campos. Em entrevista ao também poeta, Claudio Daniel, Augusto fala sobre poesia, sua carreira, os reconhecimentos profissionais que recebeu recentemente no Chile e no Brasil, e obviamente sobre o processo político pelo qual o Brasil passa. 

Augusto é incisivo ao se posicionar em defesa da democracia. Alguém que viveu e sobreviveu à ditadura militar sabe bem o quão grave é ferir o processo democrático, como alguns setores da oposição vem tentando fazer ao inflar uma onda golpista contra a presidenta Dilma Rousseff. “Não me sentiria bem se me calasse”, afirma o poeta sobre sua responsabilidade enquanto artista e cidadão de se colocar ao lado dos que defendem a soberania do voto popular. 

Vermelho: Você recebeu recentemente a Ordem do Mérito Cultural, em Brasília, com a presença da presidenta Dilma Rousseff, em evento que contou com a participação de Caetano Veloso. Isto significa um reconhecimento da Poesia Concreta, por tanto tempo incompreendida? Em sua opinião, o que explica o prolongado conservadorismo em nosso meio cultural, tão pouco generoso com novas propostas estéticas?

Augusto de Campos: De fato, como a cobertura da grande mídia foi minguada, a maioria das pessoas não tem ideia do que foi esse evento, no qual, além de receber a Grã-Cruz, fui o homenageado da cerimônia. A Bia Lessa, que a organizou, transformou-a numa defesa e ilustração da inventividade, referida à criação de Brasília da perspectiva da inteligência brasileira, como foi vista por Max Bense. Elegeu a poesia concreta e Oswald de Andrade como temas dominantes, num amplo panorama de nossa cultura. Dos parangolés de Hélio Oiticica à arte dos indígenas, do baião de Humberto Teixeira à poesia-música de Arnaldo Antunes, ambos agraciados, o último também participante da narração do espetáculo. Pode-se ter uma ideia mais precisa da magnitude da cerimônia no endereço eletrônico.

Um espetáculo “verbivocovisual” desenvolvido em grandes painéis videográficos, sincronizados com música ao vivo , que teve a participação especial de Cid Campos e de Caetano Veloso. Este não aparece no vídeo por restrições contratuais de sua produção, mas registrou a sua presença numa entrevista significativa.

A apresentação teve momentos emocionantes dedicados a outras modalidades de arte, como o da entrega da Grã-Cruz às Ceguinhas da Paraíba com a sua cantoria dura e pura, e os de homenagens às comunidades indígenas. E como o da surpreendente execução do hino nacional em guitarra, baixo elétrico, bateria e percussão pelo quarteto dirigido por Dany Roland, com dissonâncias que fizeram lembrar o hino americano interpretado por Jimi Hendrix. Woodstock no Planalto. Eu, de certa forma arrisquei-me a desafinar o tom da festa, que era toda alegria e exuberância, introduzindo a pauta política em meu breve discurso. Nada me foi pedido, mas eu achei que tinha que expressar a minha opinião, mais de uma vez manifestada, de repulsa às desatinadas tentativas de derrubar a presidente eleita. São raras as oportunidades que os poetas têm de falar, mas, na verdade, eu, que não gosto de homenagens, a aceitei, desta feita, acima de tudo para dar o meu recado contra os que já chamei de “impeachmaníacos”. 

Na curta entrevista que dei antes do evento, no saguão do Planalto, fui ainda mais incisivo ao pôr em relevo o impatriotismo dos que pretendem ganhar no tapetão o que perderam na eleição.


Quanto à demora na assimilação das propostas da poesia concreta, é um fato que aconteceu com todas as vanguardas — futurismo, dadaísmo, surrealismo — e com o nosso modernismo. Trata-se de um fenômeno corriqueiro de comunicação: o público tende a só aceitar como arte aquilo que já está sacramentado pelos códigos convencionais. Tudo que é novo lhe parece estranhável e até ofensivo. Hoje, porém, passado meio século, a poesia concreta é ensinada até nas escolas. Não há como apagá-la da história.

Na década de 1960, em plena ditadura militar, você e o seu irmão, Haroldo, estudaram o idioma russo com o professor Boris Schnaiderman, na Universidade de São Paulo, com o objetivo de traduzir autores de vanguarda como Maiakóvski e Khlébnikov, o que se concretizou com a antologia Poesia Russa Moderna. Como o livro foi recebido na época? O que ele representa em seu percurso poético?

O comunismo da época era marcado pelo stalinismo, que institucionalizara como prática obrigatória o “realismo socialista”, e perseguia os artistas modernos como autores de “arte decadente”, da mesma forma que os nazistas os perseguiam como protagonistas de “arte degenerada”. Mas o marxismo não-ortodoxo, simpático às vanguardas, como o de Gramsci, além de uma geral orientação de cunho socialista, orientavam nossa postura como cidadãos, e Maiakósvki e os artistas da vanguarda russa eram considerados fundamentais por nós. Fomos estudar o difícil idioma, no início dos anos 60, para tentar traduzir o poeta, e logo percebemos que as versões que se faziam de sua obra, derivadas de edições em língua castelhana, falseavam a qualidade de sua poesia, que é virtuosística e extraordinariamente avançada para a sua época.

No entretempo, sobreveio o golpe militar, e nós incrementamos nossas traduções como uma forma de protesto, primeiro com a publicação de um volume dos poemas de Maiakóvski, que saiu em 1967, pela editora Tempo Brasileiro, com traduções minhas e de Haroldo, e o suporte linguístico de Boris Schnaiderman. Procurei, propositadamente, traduzir alguns dos poemas políticos mais radicais do poeta, como Black and White, cujo tema era o do negro cubano humilhado pelo “rei dos charutos”, Henry Clay (com um olho na revolução cubana, que admirávamos); Hino ao Juiz, que terminava provocativamente: “Os juízes cassam os pássaros, a dança. / A mim e a vocês e ao Peru” (introduzi o verbo “cassar” como referência às cassações, terminologia com a qual se começava a denominar as punições políticas dos atos institucionais); e, por fim com o dístico revolucionário de Maiakóvski, que aqui vai em transcrição fonética, seguido da tradução:
“Iech ananáci, riábtchicov jui.
Dienh tvoi posliédnii, burjui.”

Come ananás, mastiga perdiz,
Teu dia está prestes, burguês.
 
Eu não era adepto de Luís Carlos Prestes, que, para usar de uma expressão dele mesmo a propósito de um general seu amigo, eu considerava “um patriota equivocado”, mas me vali do “equivocábulo” com o seu nome como provocação. Em 1968, saiu a nossa antologia Poesia Russa Moderna, pela Civilização Brasileira, cujo editor, Ênio Silveira, era alvo das perseguições dos militares. Foi um momento em que achamos imprescindível manifestar a nossa indignação com o retrocesso provocado pelo golpe. Hoje, ambos os livros continuam circulando com a rubrica da Editora Perspectiva e, felizmente, estão entre os mais procurados pelos leitores.

A Poesia Concreta incorporou em seu plano-piloto a conhecida palavra-de-ordem de Maiakovski: "sem forma revolucionária não existe arte revolucionária". Coerentes com esse princípio, os poetas concretos, em sua fase participante, criaram poemas como Beba Coca-Cola e Mallarmé vietcong, de Décio Pignatari, Servidão de passagem, de Haroldo de Campos,Greve e Luxo lixo, de sua autoria. O diálogo crítico com a realidade social, com o momento histórico, encontra-se em quase todos os seus livros, inclusive o mais recente, Outro, publicado neste ano pela editora Perspectiva. Comente esse aspecto de seu trabalho.

Considero a poesia política a mais difícil de se fazer. Décio foi um precursor com o seu Beba Coca-Cola, que é de 1957 !!! E foi o mesmo Décio que anunciou, no Congresso de Crítica Literária de Assis, em 1962, o que chamou de “pulo da onça” — o salto participante da poesia concreta. Na comunicação que apresentou, então, e que depois foi publicada no primeiro número da revistaInvenção, Situação Atual da Poesia No Brasil, ele alertava para os riscos desse empreendimento. Quanto mais político, menos poético. Mas decidimos “pisar a garganta do nosso canto“, como Maiakovski, e tentamos seguir o seu lema, que na época era totalmente desconhecido entre nós – “Sem forma revolucionária não existe arte revolucionária”

Poesia não é sociedade beneficente, nem palco adequado para retóricas de palanque, e o poeta que se mete nessa empreitada corre o maior e o mais frequente dos riscos: o de exibir-se como politicamente correto, piedoso com o sofrimento dos desfavorecidos ou mostrar-se fanatizado por suas reivindicações, e perder-se em banalidades, preconceitos e concessões que diminuem a sua qualidade poética. Esse é o sentido do poema visual Profilograma Pound/Maiakóvski, que depois transformei em um morfograma digital com as vozes originais dos autores dizendo trechos dos seus poemas, e nos quais sobrepus os perfis de Maiakovski (por Ródtchenko) e Pound (por Gaudier-Brzeska), os dois maiores poetas políticos do nosso tempo, de ideologias opostas. As passagens menos felizes de suas obras são as que incorrem no fanatismo ideológico e na apologia de sistemas políticos que se revelaram autoritários e ditatoriais. Acabaram o primeiro se suicidando e o segundo numa jaula exposta às intempéries e a seguir internado num manicômio judiciário, por 12 anos, sem estar louco.

Quais são os teus projetos literários atuais?

Venho de participar do lançamento do CD O Inferno de Wall Street / Poetas em Movimento, de Cid Campos, com a música que ele compôs para os respectivos espetáculos de dança, e que conta com a participação de oralizações de vários intérpretes: a minha em O Inferno de Wall Street, com textos de Sousândrade, e também as de Décio Pignatari, Arnaldo Antunes, Walter Silveira, José Mindlin, Ricardo Araújo, Danilo Lôbo e Lauro Moreira em Profetas em Movimento. Trata-se de produção independente, com design gráfico meu, e que está sendo distribuída pela Tratore.
Lanço em 8 de dezembro a nova edição, muito ampliada, do livro de ensaiosPoesia, Antipoesia, Antropofagia & Cia, pela editora Companhia das Letras. E tenho em preparo, para o ano que vem, Música de Invenção 2, a sair pela Editora Perspectiva. Em projeto, uma edição bilíngue, português/inglês, de Poetamenos.

O Brasil vive hoje um dos momentos mais delicados de sua história, com ameaças ao processo democrático e aos direitos civis. Manifestações de intolerância e preconceito contra mulheres, comunistas, negros e homossexuais são frequentes, estimuladas pela mídia. Como você avalia esta situação? 

Toda a vez que pude — e são poucas as ocasiões em que se dá aos poetas a oportunidade de expressar a sua opinião — manifestei-me contra os atentados à nossa frágil democracia, e sou evidentemente contrário a toda espécie de preconceito. Acho que o Brasil evoluiu muito nos últimos tempos, especialmente no tocante aos direitos das mulheres, mas a nossa sociedade é ainda muito conservadora, e com a sua falta de consciência política, distorcida pelo poder econômico, elegeu um dos mais conservadores Congressos que já teve, dominado por ruralistas, empresários, evangélicos e até defensores da ditadura. Um Congresso que nos ameaça com retrocessos históricos como o das restrições à legislação sobre o aborto, sob as vistas grossas de uma oposição pouco sensível ao que não seja a busca do poder a todo preço e que está apostada em impedir a governabilidade do Executivo, refém do Congresso. A sociedade tem que estar muito atenta para evitar que tais retrocessos venham a ocorrer, e defender os direitos que conquistamos a duras penas.

Qual é a importância da opinião política de artistas, poetas e intelectuais num momento como o atual?

Não sou eu quem vai dar lições de civismo aos artistas, poetas e intelectuais. Cada um que se manifeste, ou deixe de se manifestar, como quiser. Para o bem ou para o mal, eu manifestei a minha opinião, e não é de hoje. Acho que, independente dos erros ou equívocos que cometeu o governo, é meu dever de cidadão insurgir-me contra os argumentos falaciosos dos que pretendem derrubar a vencedora das últimas eleições, com grave e perigosa lesão às nossas instituições democráticas. Tenho autoridade para isso. É que, independentemente de ser poeta e escritor, com um trabalho incessante por quase 70 anos, sou advogado, procurador do Estado aposentado, cargo que exerci por quase 40 anos e no qual entrei por concurso público e não por favor de ninguém. No exercício de minhas funções era especializado no exame da legislação em face das Constituições estadual e federal, e me sinto à vontade para afirmar que não têm qualquer fundamento jurídico as tentativas de impeachment da presidente. Nesse passo, ao contraditar os “impeachmaníacos” em entrevistas que dei aos jornaisValor Econômico (31 de julho), Correio Braziliense (2 de agosto) e à revista Cultnº 204, de agosto) antecipei-me aos manifestos anti-impeachment de importantes escritores, docentes universitários, juristas e advogados a que a grande mídia deu pouco ou nenhum destaque, embora entre os seus signatários estivessem nomes dos mais significativos da nossa cultura, como Antonio Candido, Marilena Chaui, Dalmo Dallari, Paulo Sérgio Pinheiro e juristas do porte de Fabio Konder Comparato e Marcio Sotello Felipe. Fecho com eles. Eu não me sentiria bem comigo mesmo se me calasse. Confesso que lavei a alma com o discurso que fiz na cerimônia da ordem do mérito e com a entrevista que dei, antes do seu início, no saguão do Palácio do Planalto, em 9 de novembro.
 

quinta-feira, 7 de abril de 2016

UM CONTO DE REIS


     MISTÉRIOS DA FLORESTA ENCANTADA

 Fábio Carvalho


Organize os ombros, sorriso no peito, umbigo nas costas, glúteos se beijando e ao sentar, sente-se nos ísquios. O mistério é a única realidade desse mundo, disse Lúcio Cardoso em O Enfeitiçado. Para meu privilégio, apreendi essa frase pelo Bigode, via ondas musicais- poético-cinematográficas.  Afinal uma mulher de negócios. A viagem ficou para amanhã de manhã depois do café com suco de laranja natural, simplesmente o mais tudo que desejo, apenas algumas palavras para aclarar a mente em estado de confusão. Digo hoje depois de ontem.  Naturalmente encontro amigos para me desvirtuar da ordem do caminho errado. Nessa pequena recordação, me vi no jardim de infância ou no berçário, sempre junto de meus amigos. É bom ter amigos. Que seria de mim sem eles, muitas vezes acusados de terem culpa pelo que faço atabalhoadamente, são considerados responsáveis diretos pelos meus desvios, que tramo em segredo, enfim desde sempre encontrei neles o meu Habeas-corpus, minha sursis.  Como eu réus confessos solitários, sem nenhuma expectativa de absolvição. Sei que sou para eles a mesma coisa.  Gosto de seguir só pelas ruas das cidades e de saber onde encontra-los, desde quando engatinhava. E PARACELSO: as duas mãos apoiadas sobre a espada da sabedoria.  Na intimidade com os astros e as pedras, apaixonado pelas cavernas do homem, pela barriga do universo. Minha estória está te aborrecendo? Como é mesmo teu nome? Glória. Stones tocarão de graça em Cuba, era a manchete das folhas naquele dois de março. Que beleza, pelo menos temos de volta nossa umidade relativa do ar. Quero dizer que foi só depois dessa chuvinha básica no Domingo de tarde aqui na montanha tropical. Lá ao longe, depois da bica cristalina, estão várias estrelas brilhantes cor de rosa. Povo desarmado não existe! Finalmente ela me deu o ar da graça.  Aprendi com o Mário meu ator, a palavra adiposo. Sei ao que parece que todo mundo sabe seu significado, eu não sabia, tenho que confessar. Falávamos sobre os outros é obvio. Atores sempre caminham com os porquês. Como um ator pode ser adiposo? Ele pode fazer um monólogo sentado, eis a resposta, sem queima de gorduras. Embora eu não concorde, já que o meu negócio é cinema, salve-se quem puder, a vida. Deve ser verdade, ademais nunca tinha pensado nisso nem me interessa os porquês do teatro. Sabemos que a graça da cura foi dada pelo seu caminhar sinuoso atraente.  Ali subiríamos sem maiores dificuldades as várias ladeiras daquela região musical. Caminhemos sobre brasas, com total malemolência, que quer dizer possibilidade de utopia renovada. Ai minha utopia. Olha só, olha o sol, o maraca Domingo, o perigo na rua... O brinquedo, menino, a morena do Rio, pela a morena eu passo o ano olhando o Rio. Eu não posso com um simples requebro, eu me passo, eu me quebro, entrego o ouro... Escrevi tudo isso para escrever o que não escrevi, vou deixar para amanhã. O cara entrou meio nervoso no butiquim, e pediu uma Da Roça ao atendente de jaleco branco. O atendente respondeu com a seguinte pergunta: o senhor quer a Incha Pé ou a Fófa Tóba? 

domingo, 3 de abril de 2016

DANÇA

UMA BAILARINA CHAMADA IZABEL COSTA
Por Márcia Mendonça
O local para a entrevista não poderia ser mais adequado: seu estúdio na Serra, um dos mais agradáveis bairros de Belo Horizonte. Corpo magro, silhueta esguia, semblante tranquilo, ela é presença forte. Pouca coisa mudou nessa bailarina que encantou o público ao fazer, há quase 30 anos, o belo e inesquecível solo em “Maria, Maria”. O espetáculo do grupo Corpo, de 1976, reuniu nomes de peso: texto de Fernando Brant, música de Milton Nascimento e coreografia de Oscar Araiz.
Admiradora de seu trabalho, falo que, ao pensar no espetáculo, a lembrança que tenho é a da garra e beleza que soube imprimir à sua Maria. E é neste estúdio, criado em 2009, que Bel, como é mais conhecida, dá aulas de dança moderna, clássica e folclórica, além de História da Dança Ocidental e Brasileira. Juntamente com a professora Heloisa Domingues, ela tem realizado também um trabalho voltado para crianças, além de desenvolver coreografias tendo como inspiração duas grandes bailarinas, suas grandes paixões : Isadora Duncan e Eros Volúsia.
Olhos castanhos, grandes, expressivos, dona de uma fotogenia singular, Izabel tanto pode representar um tipo popular, como fez em “Maria, Maria”, ao mostrar a vida de mulheres simples e anônimas, surpreender com uma figura absolutamente contemporânea, como em “Imageml”, espetáculo em que atuou em parceria com os músicos Cláudio Urgel, Rufo Herrera e Jacques Morelenbaum, em 1992, ou ainda encarnar um tipo de época, como em “Sete Danças para Villa Lobos”, espetáculo de 1993.
Bel fala sobre todos os momentos de sua vida de artista com orgulho e determinação, mas sem nostalgia. “Eu não paro nunca”, diz certa de que sua carreira foi cheia de “boas coincidências”, e que tudo aconteceu “na hora e no momento certos”. Temperamento irrequieto, jamais se acomodou. Ao contrário. Quando algo sinalizava para certa acomodação, lá estava ela à procura de novos desafios. E tem sido assim todo o tempo.
Com formação em balé clássico, e uma carreira promissora, Bel tornou-se assistente da bailarina e coreógrafa Marilena Martins, na escola fundada por Marilena, no início dos anos 1970, em Belo Horizonte. Na sequência, fundaram o Transforma, o primeiro grupo de dança moderna da cidade.
Após um período em Buenos Aires, onde se encontraram com os bailarinos Oscar Araiz, Bettina Bellono e Hugo Travers, Izabel Costa e Paulo Pederneiras criaram o Grupo Corpo. Corria o ano de 1975 e ela pensava em espetáculos diferentes, que tivessem temática brasileira mas, ao mesmo tempo, fossem universais. Dos inúmeros encontros que Bel e Paulo tiveram com Fernando Brant, Milton Nascimento e o Oscar Araiz, nasceu “Maria, Maria”.
O espetáculo percorreu o Brasil, América Latina e Europa, com teatros lotados e ingressos esgotados. Durante três anos, foi sucesso absoluto de público e de crítica. Dois anos depois, era a vez de “Cantares”, uma proposta arrojada, de vanguarda, que tinha música de Marco Antônio de Araújo, composta especialmente para Izabel. Em 1979, um problema no joelho a obrigou a deixar os palcos por seis meses. Mesmo assim, participou ainda do terceiro espetáculo do grupo “Último Trem”, em 1981, e até 1984, criou e atuou na galeria de arte que funcionava no mesmo local do “Corpo”. Sua parceria com o grupo se encerrou neste mesmo ano.
TRABALHO AUTORAL
Um novo desafio pela frente, e a bailarina se muda para São Paulo. A convite do coreógrafo Klauss Viana, integrou o espetáculo “Dã, dá corpo”. O encontro com o Klauss selou não só uma parceria profissional, dando origem a uma grande amizade entre eles. Nesta época, Izabel conscientizou-se de que o bailarino, é antes de tudo, uma pessoa com identidade, individualidade e personalidade próprias, que precisavam ser muito bem trabalhadas e lapidadas, para, só depois, integrar-se coletivamente.
Klauss Vianna via em Izabel qualidades extraordinárias, e justamente por ela se impor com naturalidade, ser dona de uma personalidade forte e altiva, além de ter domínio de técnica e desenvoltura, não poderia conviver, na dança, com certas amarras. “Klauss via em mim, nas minhas interpretações, muito da grande dançarina Isadora Duncan, uma das minhas musas, juntamente com a brasileira Eros Volúsia, infelizmente pouquíssimo conhecida. Com ele, passei a desenvolver noções de volume, forma, impulso, até então pouco valorizadas”. Ela lembra ainda que foi neste período que “compreendi, com clareza, a importância da liberdade, da generosidade e da inovação no trabalho do bailarino. A compreensão de que a dança é um modo de existir e de que cada indivíduo possui sua singularidade foram decisivos para mim. A partir disso, passei a desenvolver um trabalho mais autoral”.
Nova reviravolta em sua vida acontece em 1991. Juntamente com seu companheiro, o jornalista e escritor Mario Drumond, muda para o Rio de Janeiro. Os dois criam um roteiro de dança sobre a Semana de Arte Moderna de 1922, com músicas de Villa-Lobos e textos de Oswald de Andrade, que obteve incentivos da Lei Rouanet. A proposta era tão interessante que despertou o interesse do então ministro da Cultura, Antônio Houaiss. Bel vai, novamente, ao encontro do bailarino Oscar Araiz, em Buenos Aires, com uma mala cheia de livros sobre o assunto. “Cheguei lá com obras sobre Oswald de Andrade, Tarsila do Amaral, Pagú, Mário de Andrade, Anita Malfatti, tudo sobre a Semana de 22. Araiz aceitou o convite para fazer a direção e coreografia de Sete Danças para Villa-Lobos, que são: Noites Estreladas, Espírito Oswaldiano, Alma e Oswald no Paraíso, Antropofagia, Na Garçonière, Alma Brasileira, Festa da Raça e Entreatos”. O espetáculo estreou em setembro de 1993, no Teatro Municipal do Rio de Janeiro, e apesar da curta carreira, (provocada pela malversação do dinheiro obtido através da Lei Rouanet pela FUNARJ), foi um sucesso.
Cinco anos depois, Bel estava de volta a Belo Horizonte e passou a trabalhar no Centro Mineiro de Danças, de Maria Clara Salles, coreografando Isadora Duncan. Foi uma época marcada também por participações em filmes como “Encantamento”, sobre o compositor Camargo Guarnieri, lançado no Festival de Cinema de Brasília, em 1998, e em “A Janela do Caos”, sobre o escritor mineiro Murilo Mendes, ambos dirigidos pelo cineasta José Sette Barros.
PAIXÃO E DEDICAÇÃO
A admiração por Isadora Duncan e pela dança moderna levou-a à realização de “Paisagens Imaginárias”, em 2005, espetáculo que prestava homenagem ao compositor norte-americano John Cage. Com roteiro de Mario Drumond, direção e coreografia assinadas por ela, o espetáculo reuniu artes plásticas - cenário criado pelo artista Waltércio Caldas -, figurinos de Zeca Perdigão e direção musical de Vera Terra - e possibilitou um voo onírico sobre a vida e a obra de Duncan. No ano seguinte, foi a vez dela apresentar, no projeto “Artistas Fora da Lei”, o espetáculo “Brasileirinhas”, com coreografias inspiradas em intérpretes da MPB.
Izabel considera “natural” a atual febre em torno da dança contemporânea e de outras linguagens envolvendo o corpo. “Faz parte. Decorre de todo um processo, da experimentação”, garante.
E como é a “vida de bailarina”? A pergunta, claro, remete à conhecida letra e música de Américo Seixas e Chocolate. Só que minha indagação pretende ir além dos estereótipos. Bel não titubeia: “um ofício que envolve paixão e dedicação. O corpo tem que estar sempre trabalhado, estudar muito e estar antenado a tudo que acontece”. Por isso, ela conhece e permanentemente estuda o trabalho de grandes nomes da dança que considera verdadeiras referências como Oscar Araiz, Maurice Béjart, Nijinsky, Marta Grahan, Mary Wigman, Carolyn Carlson, Suzanne Linke, Rudolf Laban, Opera de Paris e Jiri Kylian.
Bel, como ser humano e profissional, é pessoa ímpar. Para defini-la não encontro nada melhor do que os versos de Eros Volúsia, que ela tanto admira: “(...) Traçar com o corpo no espaço, as palavras profundas do silêncio (...) dançar mesmo em quietude, com os olhos errantes, com os lábios trementes, com o sangue em palpitação, com o pensamento espiralando para o alto, ser uma mensagem de carne radiosa, uma comunicação da terra com o céu”.