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quinta-feira, 30 de julho de 2015

UM CONTO DE REIS


DESANUVIA CÉU DE JÚPITER E DE VÊNUS
Fábio Carvalho

Júpiter e Vênus éramos nós dois, eu e você, naquele inverno merecido dos trópicos iluminados pela Lua plena. Fachos de luz cintilavam a emoção do encontro elevado, em suspensão airosa. Olhando a cidade por cima, tive a sensação exata que meu umbigo é coisa que mais me importa, pensando fundo nas descobertas interiores e visuais, que sem elas talvez as verdades vejam outras, sem dúvidas você tem que escolher entre ver ou não ver, afinal o que seria o cinema? E ou do cinema? Não sei. Quero pensar no meu cinema, ou melhor, no filme que estou a fazer. Tantas considerações, me deixando em estado de dispersão e um tanto quanto bloqueado, já que em verdade são vários filmes ao mesmo tempo em processo jorrando dentro da minha cabeça. Refluxos diários e noturnos. Espero chegar ao tempo do cinema, vendo a paisagem através da janela da cabine da locomotiva em movimento, ou pela escotilha do navio atravessando o mar, revelando em mim mais um filme. A personagem Juscelino é um original, um pé de valsa, um galante altaneiro e visionário, um empreendedor hedonista, assim nos descobrimos em imagens da luz de seu olhar, da juventude a maturidade, uma indecifrável melancolia incidente. Uma bela melancolia. Cera de abelha com óleo mineral, o quadro não é mais necessário, basta ela a imagem. Aquarelas com cores aguadas, olhos vermelhos molhados, xadrez chinês multifacetado dentro de uma questão oculta, nada além de vontade artística. O mistério das palavras, com tanto amor no prazer ou prazer no amor, passei a olhar as mulheres com outros olhos que eram os mesmos de antes, um curioso impertinente no auge da adolescência com vontade de desobedecer. O tempo precisou passar. Vou voltar, sei que ainda vou voltar para o meu lugar, foi lá e é ainda lá que eu hei de ouvir cantar uma Sabiá, o meu Sabiá. Vou deitar à sombra de uma Palmeira que já não há, colher a flor que já não dá, e algum amor talvez possa espantar as noites que eu não queria lhe anunciar o dia. Este insert sincopado vai dedicado para a Música do Sangue que o Bigode acaba de cozinhar. Tudo tão leve num triste arrebol. Quem pensava em desenganos se enganou de vez. Após um apelo irrecusável fui assistir o calor das Bacurinhas na Esquyna da Sagrada Família. Não me arrependi.  Todas lindas nuas e revolucionárias, corajosas sem proteção na província, realmente uma coisa extraordinária, fizeram de mim um cavalo prateado realizador das possibilidades humanas recônditas durante mais de três semanas. Três delas já tinham trabalhado comigo, me reconheceram, outra a Anaiz, conheci ali na ribalta suada como veio ao mundo, conseguiu fazer chegar as minhas mãos o que já tinha psicografado há anos, inclusive a personagem da Luciana no filme de dois nomes que já era para estar escrito. Diamante devaneio ao éter, Diamantina. Tenho demorado um pouco, mas acho que com a ajuda do Henry Miller, e do quadro As Banhistas do Renoir pai, tudo vai andar. O olho é pragmático, a poesia precisa chegar a ele. Melhor dizendo, ele precisa da chegada dela. A Maria que era Cida ressurgiu depois de mais de vinte anos passados, tocando uma sinfonia no piano como ninguém nunca tocou, usando várias partes do corpo menos os dedos das mãos. Fui andando na noite, olhei minha sombra que eram duas, a princípio estranhei, percebi então que era um efeito da reunião das luzes dos postes, como um homem de joelhos no chão de uma piscina vazia, o perigo das ruas. Do espiritual na arte. Novamente o Doutor Sette, meu professor, deu linha para minha consciência por entre as nuvens em movimento. Vou ter que aprender a lidar com títeres. Eu sou do samba rasgado, do samba bem ritmado, que deixa a gente cansado de batucar. Mas se na roda de samba, eu encontrar um amor, aí não vou para casa, não senhor, não vou, não vou. Pulsão escópica, transcendência do gozo mitológico construído pelo olhar. Para filmar dilemas morais, finalizo o som e tudo, por enquanto. A boca da Camila Pitanga pedindo silêncio com o dedo na capa do disco, bastante atraente. Quando Le Corbusier falou para o Niemeyer que a arquitetura era invenção, a luz se fez. Jean Luc  Godard disse mais uma vez que o cinema serve para mostrar o que a gente não vê


segunda-feira, 27 de julho de 2015

UM CONTO DE RAINHA


GARGALHADA
Adalgiza Nery

— Não grita, por favor.
— Não estou gritando. Estou rindo.
— Falar alto ou gargalhar é a mesma coisa. É manifestação de animalidade que a minha natureza não suporta. Vocês conhecem a minha fascinação pelas mulheres. Nada para mim tem um poder de atração maior do que uma mulher. Porém a mulher mais linda, a mais perfeita, a mais fascinante, falando alto ou gargalhando, faz crescer em mim um ímpeto monstruoso e sinto que sou capaz de abrir com as mãos o seu pescoço. Fico desvairado; é uma repulsa incontida. Só os animais se expressam com alarido, só as criaturas desclassificadas, moral e espiritualmente, falam aos gritos e riem com a garganta. Já sabem, não gritem nem dêem gargalhadas perto de mim se não quiserem transformar-me num criminoso. Fico descontrolado com o barulho, seja ele qual for.
Gaspar e dois amigos conversavam num bar, de madrugada, onde a fumaça dos cigarros e o cheiro de álcool misturavam-se ao som de um piano tocado por dedos já cansados e indiferentes ao ambiente.
André, de temperamento alegre, depois de tomar duas ou três doses de álcool, expandia-se em piadas de mau gosto, acompanhadas de estridentes gargalhadas.
O outro, Maurício, quase silencioso, observava demoradamente os freqüentadores do bar. Possuía um interesse especial por dois detalhes do corpo humano: mãos e nucas.
— Gaspar, você define e classifica as criaturas pelo falar alto e o gargalhar. Tem razão. Não pode haver inteligência nem condições espirituais numa pessoa que expressa suas alegrias e suas opiniões aos berros. Vocês dois criticam sempre a minha atitude quando em silêncio fico a maior parte do tempo com os olhos pregados nas mãos e na nuca das pessoas à minha frente. Eu explico. Gosto de definir, através das mãos e da nuca, a essência do indivíduo. Reparem, por exemplo, aquele sujeito sentado na mesa à nossa esquerda. Forçosamente tem de ser uma pessoa mesquinha, de fundo avarento, capaz de sujeiras freqüentes nas vinte e quatro horas do dia. Está acompanhado de uma mulher que chama a atenção unicamente pela tristeza do olhar. O resto é comum e insignificante. O seu modo de trajar é suburbano. O seu olhar, entretanto, carrega pesadas humilhações e penas. O homem que a acompanha não vê nada disso que esmaga a pobre mulher.
— E você, Maurício, verificou a tristeza da mulher e a mesquinhez do caráter do homem pelas mãos dele, só pelas mãos? — perguntou André.
— Sim, pelas mãos. Observem seus gestos e a forma das suas mãos curtas e gordas, achatadas, de unhas minúsculas enterradas na carne, dedos cabeludos, pulsos cabeludos. Suas mãos, quando paradas, assemelham-se a aranhas adormecidas. São mãos asquerosas, devem ter uma transpiração abundante. Sempre molhadas de suor. Reparem nos seus gestos em curvas pequenas em direção à sua barriga, Parecem trazer as migalhas da mesa para o seu estômago. Nada em seu físico define com mais segurança a sua mesquinha personalidade do que as suas mãos.
— Você o conhece, para marcá-lo assim de maneira tão positiva?
— Não, nunca o vi. Mas desde que cheguei notei a sua repelente personalidade pelas suas mãos cabeludas, curtas e de movimentos repulsivos.
Enquanto Maurício falava sobre as suas observações, o homem reclamava aos brados, do garçom, uma insignificante quantia adicionada à nota das despesas. Dava a entender que o pagamento daquele mínimo excedente iria obrigá-lo a voltar a pé para casa.
A mulher que o acompanhava, de olhos baixos, sentia a humilhação de quem contribuíra para um grave problema financeiro do companheiro que a trouxera para o bar; como se reclamasse o preço excessivo da sua presença ao seu lado, A mulher somava tristezas.
Maurício olhou para os amigos com ar vitorioso de quem acerta no objetivo. 0 homem de mãos curtas e cabeludas exibira a sua essência.
— Vejam também agora a nuca deste sujeito que está sentado de costas para nós. Nuca pálida, enxundiosa, com o nascimento do cabelo muito alto e semelhante a uma franja rala. Nuca de homem tem de ser com o nascimento do cabelo no meio do pescoço, de fios grossos marcando vitalidade e decisão de atitudes. Desconfiem de todo homem que possuir uma nuca que sobe até o meio da cabeça. Não escapará de ser um indivíduo desleal, traiçoeiro, com tendência à vida sórdida, vivendo da exploração de mulheres.
— Ora, isso é bobagem. E os que não têm pescoço, os que não têm nuca, os que têm a cabeça. Diretamente pregada nos ombros, como são? — perguntou André já bastante alcoolizado.
— Bem, esses são os burros teimosos. Teimosos e vaidosos. Esses são perigosos. Sentem-se um deus de sabedoria e, se têm uma parcela de poder ou uma fortuna assegurada, entendem que têm o direito de arrasar com a humanidade, e que as suas opiniões estão na razão direta do seu dinheiro, Como já disse, esses sem pescoço são perigosos para a coletividade.
Nesse instante, Maurício chamou a atenção dos companheiros para o homem da nuca flácida.
— Reparem o que ele está fazendo e vejam como os meus estudos são infalíveis!
O homem recebia, sob a toalha da mesa, das mãos da mulher que o acompanhava, o dinheiro com que iria pagar as despesas feitas.
— Qual é a sua finalidade, Maurício, ao estudar e observar a personalidade das criaturas através dos detalhes das mãos e da nuca?
— A de definir para conhecer a essência das coisas. É um estudo como outro qualquer. É um divertimento. Meus estudos e observações não impedirão o nascimento de homens mesquinhos, sórdidos e de vidas repugnantes, eu sei. Mas cada vez que acerto nas minhas observações, mais vontade tenho de observar para acertar. É uma espécie de jogo comigo mesmo. O princípio da ignorância humana é o definir aquilo que se fala ou o que se prefere falar, sobre o que ainda não se sabe e nem se pode definir. Eu falo do que ainda não se pode definir. Tento chegar à ignorância humana.
— Por exemplo, o descontrole de Gaspar ao ouvir alguém gritar ou dar gargalhadas, parece-me uma reação intimamente ligada à sua sensibilidade. As suas impressões, as suas visões ou os seus ímpetos inesperados devem variar dependendo da sua receptividade brutalizada por risos estridentes e barulhos fortes. A reação da sensibilidade de cada pessoa pode encaminhar-se para o estoicismo ou para o crime. Conheci um rapaz que desde menino perdia a fala quando cercado de conversas tumultuosas ou de ruídos agudos. Permanecia completamente mudo por várias horas. Mas mudo mesmo. Trancava-se no quarto e entregava-se à leitura. A família desorientava-se com a sua mudez prolongada e repentina. A medicina não oferecia maiores explicações. A sua mudez era total e a sua audição também seguia o mesmo processo. No dia seguinte aparecia com a fala e a audição perfeitamente normais. Assustava-se, terrivelmente, quando ao longe percebia o ronco dos motores de um avião no céu. Quando o telefone tocava, se ele estivesse perto, corria para o quarto como um animal batido. Diziam que era um desequilibrado, mas essa conclusão foi posta por terra quando a família resolveu enviá-lo para uma fazenda no interior, onde ele só tinha contato com o silêncio. A solução foi afastá-lo de tudo e de todos na medida do possível. Durante esse período falava e ouvia normalmente, Interessante é que cantava canções de acalanto e a sua voz tinha uma sonoridade maravilhosa, 0 tumulto, os gritos, as conversas misturadas, as risadas, extinguiam instantaneamente a sua voz e a sua audição, mas voltavam perfeitas na substância do silêncio. Era por isso considerado um tipo estranho e enigmático. Ora, Gaspar deve estar incluído, sem saber, entre os raros que sofrem desse mesmo fenômeno. Daí o seu descontrole, a sua angústia, quando alguém a ao seu lado fala aos gritos ou dá estrondosas gargalhadas. Nota-se em Gaspar uma imediata transformação fisionômica, um ar desvairado, e não deve ser sem fundamentos que ele afirma a possibilidade de tornar-se um criminoso ao ouvir uma gargalhada.
Gaspar ouvia sem interromper Maurício, parecendo concordar com o diagnóstico do amigo.
Um grande silêncio envolveu a mesa dos três. Ao longe, rompendo a densidade da fumaça e o enjoativo cheiro de álcool que dominava o bar, o piano continuava tateado por mãos cansadas e indiferentes àquelas vidas gastando-se na madrugada. Vinda de um canto do bar, passou pela mesa dos três amigos uma mulher jovem. Não era bela nem feia. Era uma mulher de bar. Gaspar segurou-lhe o braço e indagou se estava sozinha. A mulher respondeu afirmativamente.
— Para onde vai?
— Para casa.
— Espere, vou com você.
Saíram os dois.
Num hotel barato, os outros hóspedes ouviram a porta de um quarto fechar-se. Depois o murmúrio de vozes do casal. De repente, uma gargalhada inundou o corredor do hotel. Outra gargalhada. Depois o silêncio absoluto.
Pela manhã, quando a arrumadeira iniciou o seu serviço, ao passar pelo quarto ocupado pelo casal da madrugada, viu pela porta entreaberta uma mulher nua, deitada na cama, tendo sobre a cabeça um travesseiro.

O seu corpo morto deixava fora do lençol um seio alvo e volumoso.

quinta-feira, 23 de julho de 2015

POESIA

"Troças"
Sérgio Santeiro

A alma do capitalismo não é executar a dívida é cobrar juros
Espalhem-se mas não se percam
Não queiram nos opor achando que alguém é melhor
Mete de dentro que eu meto de fora
Não basta comer tem que gostar
De você guardo pedaços e já tá muito bom
Como é bom ver uma menina linda ao longo do seu dia
Queres ser minha ama ou que eu seja teu amo
Se não curtes o que o teu país faz teu país não irá curtir o que fazes
Desfoca o federal e bota zoom no município
Avança frente de esquerda e garante em 16 os municípios
É só no ato
Não sou o que digo que sou
Digo o que acho que sou
Se não começar não começa
Não há como fazer o de agora antes
Às vezes digo que vou mas não vou
Carrego na bagagem uns trinta filmes e algumas centenas de páginas escritas
Não padeças pois não me compadeço
Se eu quisesse mas não ia ser por menos
Jurista é quem saca de juros
Se for longe não se escuta
Primeiro te cuida e diminui a taxa de emoção
Se a coisa se resolver o melhor é descansar
E se não é ainda melhor
Quero um alguém que sempre diga sim e nunca diga não
Respeito a tua alma de formiga mas eu tenho alma de cigarra
Eu não me sinto mais mas não me sinto menos
Mesmo sem você eu sou feliz
Não acredito que a tua é a real
Viva a meus joelhos
Mesmo sem o governo cumprir a lei o curta vem chegando
Não preciso de licença pra pensar
Se insistir acho que rola
A questão não é o que cada um faz
Mas se queremos ficar um com o outro
Abalroado pela intrépida paixão e de onde isso veio
Mais palavras não resolvem o drama
A minha vontade baila
O meu pé escorrega

segunda-feira, 20 de julho de 2015

MEMÓRIA NOSSA


Foto: O educador Anísio Teixeira 
(Agnaldo Novais/Agecom Bahia)

O assassinato de Anísio Teixeira
Por Emiliano José

A história tem dessas coisas: as ditaduras acreditam poder esconder as patas depois de cometer crimes, e as patas sujas de sangue um dia reaparecem
Em 11 de março de 1971, Anísio Teixeira passou boa parte da manhã na Fundação Getúlio Vargas (FGV), na Praia do Botafogo, no Rio de Janeiro. Joaquim Faria de Góes Sobrinho, amigo e colaborador de Anísio, colega de trabalho, soube da visita que ele faria ao apartamento de Aurélio Buarque de Holanda, situado na Praia do Botafogo, 48, edifício Duque de Caxias. Sugeriu-lhe fosse a pé. De carro, teria de dar muitas voltas.
Anísio saiu antes das 11 horas em direção ao apartamento de Aurélio Buarque de Holanda, aceitando recomendação de Sobrinho. Almoçaria com ele, e pediria voto: era candidato a membro da Academia Brasileira de Letras. Depois desse almoço, iria para a Editora Civilização Brasileira, na Glória, Rua Benjamin Constant. Ali, trabalhava como consultor.
Anísio tinha uma rotina relativamente rigorosa. Chegava da Civilização Brasileira entre 18,30 e 19 horas. Neste dia 11, um pouco antes das 20 horas, a mulher de Anísio, Emília Ferreira Teixeira, liga para a filha Anna Christina Teixeira Monteiro de Barros, preocupada: nada de Anísio chegar. A filha tranqüilizou-a: o pai poderia ter saído com o embaixador Paulo Carneiro, seu amigo e um dos articuladores de sua candidatura à Academia. Carneiro era representante do Brasil na UNESCO, em Paris, em visita ao Brasil naquele momento.
Mas, o tempo passava, e nada de Anísio. Logo, o apartamento, à Rua Raul Pompéia, 58, apartamento 803, em Copacabana, começou a se encher de parentes e amigos. Começa uma via-crucis: delegacia de polícia de Copacabana, onde não havia qualquer notícia; não estivera na Editora Civilização Brasileira. Terminaram o dia no Hospital Miguel Couto, onde também não havia sinal dele.
Dia seguinte: não estivera também no edifício de Aurélio Buarque de Holanda. Tudo muito estranho, a família em polvorosa. E mais angustiado ficaram todos quando o jornalista Artur da Távola, genro de Anísio, informa que o acadêmico Abgar Renault soubera do comandante do I Exército, Sizeno Sarmento, que Anísio Teixeira estava “detido para averiguações” em dependências da Aeronáutica.
No dia 13, jornais noticiam o desaparecimento do educador. E às 17 horas, Anna Christina recebe um telefonema: “aqui é da polícia...”. Ela passa o telefone para Lúcio Abreu, amigo da família. O educador fora encontrado morto, nas palavras da polícia, no fosso do elevador do edifício onde residia Aurélio Buarque de Holanda.
O corpo estava agora no Instituto Médico Legal. Fora retirado do fosso sem perícia técnica. Na autópsia, estiveram presentes o acadêmico Afrânio Coutinho, o neurologista Djalma Chastinet Contreiras e os médicos Francisco Duarte Guimarães Neto, Domingos de Paula e Deolindo Couto, estes três, professores da UFRJ. Segundo relato dos presentes, havia duas grandes lesões traumáticas no crânio e na região supra-clavicular, incompatíveis com a suposta queda. Relatam, também, a existência de um instrumento cilíndrico, provavelmente de madeira, presumível causador das lesões. O legista, quando prosseguia com sua descrição, foi interrompido abruptamente por dois funcionários provenientes do local de onde o corpo fora retirado, que afirmavam ter sido “morte acidental por queda em fosso de elevador”.
No edifício onde Aurélio Buarque de Holanda morava, outro genro de Anísio, Mário Celso da Gama Lima, junto com um detetive policial, José Pinto, constatava: o corpo não poderia ter caído do alto e chegado ao ponto onde fora encontrado. Não passaria entre duas vigas logo acima, separadas entre si por uma distância de pouco mais de 20 centímetros. As lentes intactas dos óculos de Anísio, encontradas no local, outra evidência da farsa – não havia, então, lentes inquebráveis. Os dois subiram para testar as portas dos elevadores de cada um dos andares. Não conseguiram abrir nenhuma delas.
Mário vai ao IML, a autópsia em curso, ele não consegue assisti-la. O médico e professor da UFRJ, Francisco Duarte Guimarães, havia assistido, e lhe diz sem qualquer vacilação: “Mário, tio Anísio foi assassinado”. Dos que assistiram a autópsia, Mário ouviu a certeza: Anísio fora assassinado.
Foi enterrado no dia 14 de março de 1971, no cemitério São João Batista, no Rio de Janeiro. A morte ocorria menos de dois meses depois da prisão, tortura e desaparecimento do ex-deputado Rubens Paiva, também no Rio de Janeiro. À época, os esforços para elucidar o caso junto à delegacia responsável esbarravam no fato de que a polícia só admitia tratar o fato como crime comum, malgrado admitisse a hipótese de assassinato. Quando houve a tentativa de incriminar serventes, o filho de Anísio, Carlos Antonio Teixeira, resolveu suspender a investigação.
Esclareço que essas informações estão baseadas em textos produzidos principalmente pelo professor João Augusto de Lima Rocha, da Escola Politécnica da UFBA, membro do Conselho Curador da Fundação Anísio Teixeira e da Comissão da Verdade da UFBA, autor do livro “Anísio em Movimento” e, também, no Memorial enviado à Comissão Nacional da Verdade e à Comissão da Memória e Verdade Anísio Teixeira, da Universidade de Brasília, assinado pelo filho de Teixeira, Carlos Antonio Ferreira Teixeira; por Haroldo Lima, ex-deputado federal, ex-diretor da Agência Nacional do Petróleo e sobrinho-neto de Anísio Teixeira, e pelo próprio João Augusto.
O Memorial anexa matéria do jornal Última Hora, de 15 de março de 1971, onde sérias dúvidas são apresentadas em relação à tese de acidente. A polícia, em princípio, segundo a reportagem, conclui que se Anísio tivesse caído no espaço do elevador de serviço jamais iria cair no platô.
O repórter informa: o corpo estava exatamente sobre o platô, de cócoras, com a cabeça sobre os joelhos e as mãos segurando as pernas. Entre os pés, uma poça de sangue. Na parede, bem no canto, abaixo das duas pilastras, alguns pingos de sangue. Mais nada. E as pilastras não mostravam ranhuras no cimento, na pintura, nem marcas de sangue, coisa que aconteceria se o corpo tivesse batido ali. Ainda segundo a reportagem: quando a portinhola que dá acesso ao platô foi aberta e encontrado o cadáver, outra porta, a da casa de força também estava escancarada. A perícia encontrou ali muitos respingos de sangue.
Outra conclusão categórica da polícia, ainda segundo a matéria: acidente é praticamente impossível. A posição do corpo feria tudo o que já fora visto até ali em acidentes como aquele. “Alguém matou e colocou ali o cadáver do professor Anísio Teixeira”. O repórter anota ainda outras observações da polícia: o chão em volta da portinhola que dá acesso ao poço do elevador havia sido lavado, os óculos de Anísio haviam sido encontrados em uma das pilastras e tudo leva a crer que foram colocadas ali, e ao ser retirado do fosso o cadáver estava sem sapatos e sem paletó. E os elevadores haviam sido revisados havia apenas 20 dias.
O Memorial relata, ainda, depoimento de Luís Viana Filho, de 1988, dado ao professor João Augusto de Lima Rocha, que preparava então o livro “Anísio em Movimento”, publicado pela Fundação Anísio Teixeira, em 1990, e republicado pela Editora do Senado, em 2002. Viana Filho, no depoimento, informa que, procurado pela família, buscou notícias, e recebeu a informação de que Anísio fora detido pela Aeronáutica para esclarecimentos, mas que seria libertado.
E noutro depoimento, dado em 1989, Afrânio Coutinho diz acreditar que Anísio fora morto sob torturas. E diante de James Amado, sua esposa Luiza Ramos, Pedro Roberto Ivo das Neves e do próprio João Augusto, disse ter escrito um documento sobre o episódio, depositado no cofre da Academia Brasileira de Letras, com a recomendação de só ser aberto 50 anos após a ocorrência dos fatos, em 2021, portanto. Coutinho cita o brigadeiro Burnier como um dos responsáveis pelo assassinato de Anísio, o mesmo Burnier dos sinistros planos do Para-Sar e da explosão do gasômetro da Avenida Brasil, abortados pela resistência do capitão Sérgio Macaco.
São muitas as evidências de que Anísio Teixeira foi morto sob tortura. A história tem dessas coisas: as ditaduras acreditam poder esconder as patas depois de cometer crimes, e as patas sujas de sangue um dia reaparecem. É momento de resgatar a memória, revelar a verdade, fazer justiça. Sem condescendência com os criminosos.


segunda-feira, 13 de julho de 2015

UM SORRISO POR FAVOR

                   O ator Grande Otelo no filme do Paulo Veríssimo Exu-piá fotografado por Jose Sette
A Felicidade
A felicidade é um estado permanente que não parece ter sido feito, aqui na terra, para o homem. 
Na terra, tudo vive num fluxo contínuo que não permite que coisa alguma assuma uma forma constante. 
Tudo muda à nossa volta. 
Nós próprios também mudamos e ninguém pode estar certo de amar amanhã aquilo que hoje ama. 
É por isso que todos os nossos projetos de felicidade nesta vida são quimeras. 
Aproveitemos a alegria do espírito quando a possuímos; evitemos afastá-la por nossa culpa, mas não façamos projetos para a conservar, porque esses projetos são meras loucuras. 

Vi poucos homens felizes, talvez nenhum; mas vi muitas vezes corações contentes e de todos os objetos que me impressionaram foi esse o que mais me satisfez. 
Creio que se trata de uma conseqüência natural do poder das sensações sobre os meus sentimentos. 
A felicidade não tem sinais exteriores; para conhecê-la seria necessário ler no coração do homem feliz; mas a alegria lê-se nos olhos, no porte, no sotaque, no modo de andar, e parece comunicar-se a quem dela se apercebe. 
Existirá algum prazer mais doce do que ver um povo entregar-se à alegria num dia festivo, e todos os corações desabrocharem aos raios expansivos do prazer que passa, rápida mas intensamente, através das nuvens da vida? 

(este texto eu encontrei na internet sem assinatura do autor)

quinta-feira, 9 de julho de 2015

CONFLITANTE


Opinarte 
José Vieira.
“ A inteligência, assim como tudo mais tudo nasceu da mão “ Anaxágoras

Um tijolo contra a própria cabeça
A arte burguesa sem mecenas não
existe                                                                                                        
É Feita por paraplégicos para paraplégicos em suas umbigocracias culturais.
O Egocentrismo estético – broxa, dos artistas pseudo-socialistas, não os deixam desfraldar-se... Acostumados aos mimos infantis e fartamente embebedados no leite materno dos privilégios históricos se parecem e agem como vermes famintos, hostilizando seus companheiros igualmente paraplégicos, afinal: “Farinha pouca meu mingau primeiro”.
São profundos desconhecedores de seus ofícios por acreditarem cegamente na famosa “Genialidade Casual”, sempre agravada pela soberba preguiça de apreender o BEABÁ de suas profissões - Se anunciam como visionários solitários das grandezas de um mundo que, de fato desconhecem. Um Sabiá não é um Sabiá , mas sim : “ um belíssimo pássaro! Estupendo, de admirável contorno.” São rasos como poças d’água num agreste de sol, mas, se apresentam como vertentes fartas de um infindo saber.
Adoram a critica, mas, quando deles ela advêm : felinamente crua, impiedosa, porém : repleta de perspicácia e imparcialidade “fisiológica”.
Morte ao Rei – Morte ao estado – Da predileção da corte à dependência dos editais públicos “culturais”.
ARTE PUTA
ARTE POBRE
ARTE PODRE
AMPUT – ARTE
Arte não cabe na tela nem festeja festivais.
Arte não canta -Arte não toca – Arte não vê
Arte só cabe na terra molhada e na inchada suada do trabalhador.

domingo, 5 de julho de 2015

MEMÓRIAS DE MINAS

Óleo sobre tela

Incrível, fantástico, extraordinário!
Esta expressão de deslumbramento imortalizada pelo genial Almirante no rádio na década de quarenta, foi o sentimento que eu tive quando, acompanhado pelo editor Mario Drumond, adentrei a casa do velho amigo, do genial artista plástico Fernando Tavares, na cidade de Belo Horizonte
Situada em uma rua tranquila do bairro de Santa Efigênia, onde na minha adolescência estudei o ginásio, a casa pintada de branco e recentemente reformada é de arquitetura simples e nada difere de tantas outras que compõem o cenário das habitações que foram surgindo ao largo da Avenida do Contorno, limite urbano do antigo traçado da nova capital de Minas.  
Fernando abriu a porta e entramos pela varanda e, como bons mineiros que somos, estacionamos na cozinha por um curto tempo, pois a ânsia de chegar à casinha construída no quintal da casa era grande. Saímos então pela porta da cozinha, falávamos sem parar na euforia do encontro marcado e quando olhei para fora me senti atraído pela energia de toda uma história vivida, lembrei-me do eterno retorno e caminhei apressado par ver como tudo havia ficado, mas estrategicamente Fernando nos fez parar de frente a um arbusto frondoso repleto de deliciosas framboesas (Rubus idaeus) que estavam quase pretas de tão maduras e doces que passamos a devorá-las como três adolescentes famintos. Fernando, como o grande artista que é, adoçou a nossa boca antes de nos apresentar o doce maior da criação de suas viagens no tempo de todos nós.
Incrível! Ao abrir a porta uma lufada de arte varreu a minha pele marcada pela idade. Entrei passo a passo naquele ambiente sagrado da criação e vi que tudo permanecia como quando entrei pela primeira vez há 35 anos atrás na Oficina Goeldi.
Um Sorriso por Favor. É esse o papel do artista. Onde tudo passa só a obra fica. Estava tudo lá nos registros da memória para quem quisesse e pudesse ver com os olhos livre.
Fantástico! Passamos a tarde conversando sobre tudo e todos. Fernando me mostrou com paciência sacerdotal suas novas pinturas e Mario Drumond antes de sair me revelou a sua ideia de reedição do nosso livro de texto e gravuras em metal “Navegar Brasília Terra”.

Olha, a vida nos reserva surpresas e essa foi sim extraordinária.

quinta-feira, 2 de julho de 2015

SALVE A BAHIA

GILBERTO-FREYRE
Gilberto Freyre
BAHIA
Bahia de todos os santos (e de quase todos os pecados)casas trepadas umas por cima das outrascomo um grupo de gente se espremendop’ra sair num retrato de revista ou jornaligrejas gordas (as de Pernambuco são mais magras)toda a Bahia é uma maternal cidade gordacomo se dos ventres empinados dos seus montesdos quais saíram tantas cidades do Brasilinda outras estivessem p’ra sair.
ar mole oleoso com cheiro de comidaautomóveis a 30$ a horae um “Ford” todo osso sobe qualquer ladeirasaltando, pulando, tilintandop’ra depois escorrer sobre o asfalto novoque branqueja como dentadura postiçaentre as casas velhas
gente da Bahia!preta, parda, roxa, morenacor de bons jacarandás de engenhodo Brasil(madeira que cupim não rói)sem caras cor de fiambrenem rostos cor de peru friosem borrões de manteiga francesa(cabelo ruivo de inglês e de alemão)Bahia ardendo de cores quentescarnes mornas gostos picantes
eu detesto teus oradores, Bahia de todos os santos,teus ruys barbosas teus otávios mangabeirasmas gosto dos teus angus e das tuas mulatastabuleiros flores de papel candieirinhostudo à sombra das tuas igrejastodas cheias de anjos bochechudossãojoões, sãojosés, meninozinhos-Deuse com senhoras gordas se confessandoa frades mais magros do que eu(o padre reprimido que há em mimse exalta diante de ti, Bahiae perdoa suas superstiçõesteu comércio de medidas de Nossa Senhorae de Nossos Senhores do Bonfim)negras velhas da Bahiavendendo mingau e vendendo angunegras velhas de xale encarnadoe de mole peito caídomães das mulatas mais quentes do Brasilmulatas do gordo peito em bicocomo p’ra dar de mamara tudo quanto é menino do BrasilBahia de quase todos os pecadosescorrediça lama de carneranger de camas de lonasob corpos ardendo, suando de gozomoquecas da preta Evacaruru vatapá azeite de dendêcachos de gordas bananasbalaios de enormes laranjasbacharéis de pince-nêsgênios de Sergipebonecas de panomulatos de fraqueestudantes de medicinachapéus do Chilebotinas de elásticomulatinhos de fala finaliteratos que tomam a sério Mário Pinto Servarequintados que lêem Guilherme de Almeida e Menotti del Picchia
patriotas que dão viva ao sr. Pedro Lagochegado do Rio pelo Ruy Barbosae outros com saudade do doutor Seabra
Bahiaum dia voltarei com vagar ao teu seio brasileiroao teu quente seio brasileiroàs tuas igrejas cheirando a incensoaos teus tabuleiros escancarados em X(esse X é o futuro do Brasil)e cheirando a mingau e a angu.