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terça-feira, 30 de junho de 2015

UM CONTO DE REIS

TELEGRAFIA VAGA BEM SENTIDA


 Fabio Carvalho

Alvorada lá no morro que beleza, ninguém chora, não há tristeza, ninguém sente dissabor. O céu colorindo é tão lindo, tão lindo. A natureza sorrindo, tingindo, tingindo a alvorada... Acordei e depois do bom dia Brasil que o Mancha me forneceu, fiz todos os afazeres rotineiros matinais, chequei se todos os equipamentos estavam carregados, em seguida, apressei-me em sair para não atrasar meu compromisso às nove horas daquela manhã de Terça-Feira modorrenta. Abri a porta para sair, quando me preparava para tranca-la pelo lado de fora, percebi que estava sem meus olhos, ou seja, meus óculos não estavam em cima do meu nariz. Especulando nuvens. A fonte da Praça funcionava em altos cântaros de esguichos, voltei e procurei por meus olhos em todos os lugares possíveis e imagináveis, até entre as almofadas do sofá e no meio das cobertas e dos travesseiros da cama desarrumada, nada. É possível que eu estivesse meio cego. Comecei a me abater de ansiedade, sentimento que detesto. Pensei em ligar para eles, os óculos, para ver por onde andavam, no mesmo movimento desisti, já que se eles atendessem, minha situação mental poderia ficar pior. Um amigo meu disse que em samba, canta-se melhor flor e mulher. Eu que tenho rosas como tema, canto no compasso que quiser.  Resolvi que dessa agua não beberia, relaxei e faltei ao compromisso sem meus olhos. Um pouco mais tarde, sentei numa cadeira que nunca havia sentado debaixo da janela, bem na claridade, lá estavam eles, olhando para mim. Coloquei-os em seu lugar e fui ouvir música. Minha amiguinha negra quase azul, de quem infelizmente o nome esqueci, com olhos rasgados cor de cobra e cabelos pixaim acima do teto, gerente da loja de panelas e utensílios de cozinha, me viu passando e falou no meio termo entre a inquisição e a zoação, com um sorriso branco no canto da boca: ô seu lero-lero cadê o filme que você falou que ia me chamar? Sem parar de andar, fugindo momentaneamente das obrigações, respondi: taí uma coisa que é bem demoradinha. Já as gargalhadas com fina ironia ela falou: tá bom ô lero-lero, eu continuo esperando, viu! A beleza é um insulto ao mundo que é feio, pensando nesse sentido o insulto é a nossa salvação e nossa vingança contra o sistema. Ouvindo aquele som, a manhã inacreditavelmente clara se alterou propiciando a chegada da tridimensionalidade através da sombra que a luz de ataque pelo lado esquerdo causou. Chegamos também ao movimento de células fotoelétricas da projeção, ou melhor, da prospecção engendrada pelo campo magnético postado no interior do globo ocular. A Lua Plena. O poeta zoólogo Paulo Vanzolini disse que todo mundo presta muita atenção na segunda parte da sua letra: levanta sacode a poeira e dá a volta por cima, enquanto para ele, a primeira é a mais importante: reconhece a queda.  Durante dias e noites vi tua imagem límpida linda iluminada por uma ponta de bela tristeza como fosse eu. O cheiro perfumado de teu pescoço me fustigava ao ponto de eu não ter como fugir de me alojar bem no centro daquela ambiência macia, quente e anatômica que se abria só para mim. Eu disse que ia chegar, cheguei. Morena do mar. Sonhos em profusão. Por onde anda Joss Stone, aquela gata, cantora, poeta e descalça, ninguém a viu mais, está fora da mídia, nem sei quem é a mídia, quero falar da minha média, onde ela andará? Depois do Bomfim, minha alma canta vejo o Rio de Janeiro. A questão cinematográfica que me bate na secura das montanhas só vejo com clareza na umidade da baia da Guanabara, tenho sido assim há bastante tempo, nem tento entender o porquê, o próprio acontecimento já me basta como prazer. Depois do vento sul gelado e da chuva fininha do Rio de Janeiro, que continuou em Ouro Preto, me apaixonei pela Rúcula, só como onde ela se encontra, desde o p.f. até a pizza do Domingo à noite, após o futebol, perdido ou ganhado. Não vivo mais sem ela, a Rúcula, não sei que doença é essa, nem me interesso em saber. Enquanto ela não chega vou procurar a Acelga, e ainda posso recorrer à Mostarda, apesar da preguiça. Gostaria de ter mais tempo para não pensar. Ontem fui apresentado pelo transarquiteto João Diniz à Abobrinha, que segundo ele lhe foi apresentada por nosso valvulado Arnaldo Batista no Melo. Para que tantas reflexões, já que hoje conseguimos nos esquecer de baianos, tipo Caetano e Gil, há muito sou mais Tom Zé, sem falar das peladas dos novos em Jacarepaguá.  Na mesma mesa o Doutor Sette disse que vai se aproveitar da sua nova conquista, a Go-Pró de asas, um perigo para quem tem algo a esconder, da sua Grande-Angular não  escapará nada sem distorções. As praias desertas continuam esperando por nós dois. São 12 horas e 13 minutos de Quinta feira. Um caminho de pedra no peito também. Ainda em Ouro Preto um velho amigo me levou para conhecer um tonel de Aqua Vita, fabricada pelo falecido pai no porão da antiga casa da família no Bairro das Cabeças. A especiaria tinha o belo nome de Gotas de Orvalho, ela com encorpada presença de Anita e do ubíquo Guará, me escondeu de uma gripe que rondava. Recusei a esparrela.  Outra vez sem você, outra vez vou vagar.  No mesmo dia, fui para porta da casa enquanto esperava o Cícero fazer a maquiagem, nisso veio descendo a rua em minha direção, um jovem casal muito bonito. Quando se aproximaram, o galã me perguntou sem dar bom dia o seguinte: o senhor sabe onde fica aquela escada que sobe para o morro da forca? Sintonizado com a brisa leve do fim daquela manhã prateada, respondi sem empáfia: a escada sobe e também desce, aliás, nós é que subimos ou descemos por ela. Ele ficou com a expressão estupefata, ela a ruiva mais atrás, riu bastante, coisa que me fez muito bem. Indiquei onde a escada ficava, e eles foram cochichando alegres sobre nosso encontro floreado. Na volta fui visitar meu pai que me emprestou o livro O Jovem JK de Roniwalter Jatobá. Depois já no meu reservado, abro o livro aleatoriamente e leio a curiosa narração: “Após um rápido banho, Juscelino cobrou dos primos.                                                              – Vamos, estou doido para conhecer o centro. Na esquina das ruas Caetés e Rio de Janeiro, ele chamou a atenção dos primos para algo inusitado. – Vejam... Era um açougue com azulejos brancos subindo pelas paredes. Lá dentro, via-se um imenso balcão de mármore e as carnes dos animais penduradas em ganchos. – Vejam que limpeza – disse. – O açougue cintila de tão limpo. Acho que é a primeira visão de luxo que tenho na vida. Comentou admirado.” O filme quando nasce, pode ser na real sensação documento do imaginário e documentário enquanto filme não é jornalismo.


    

quarta-feira, 24 de junho de 2015

COMPORTAMENTO


Internet dos horrores
Por Orlando Senna

Uma revolução tecnológica como a que estamos vivendo, com essa intensidade, revela os melhores e os piores sentimentos nas pessoas, revela os anjos e os demônios mais íntimos, a beleza e o hediondo do ser humano. Como todas as grandes revoluções. Podemos exemplificar o lado sombrio do ciberespaço com a Internet Profunda, a Deep Web, onde se pode aprender a fazer artefatos bélicos , comprar qualquer tipo de droga ou arma ou trabalhadores escravos, contratar matadores de aluguel. Mas se trata de uma zona difícil de ser acessada, não faz parte da internet navegável, da Surface Web, são “domínios invisíveis” desconhecidos pelos usuários comuns, é o território do crime, totalmente fora de qualquer lei ou possibilidade de punição.
Na internet de superfície, essa que todo mundo pode acessar e usar, o lado sombrio revela-se principalmente no âmbito da ausência da privacidade. Pontualmente, nos muitos suicídios de adolescentes vitimadas pela postagem de fotos íntimas em redes de estudantes, de escolas, e daí facilmente alastradas pela imensidão cibernética. São fotos ou vídeos feitos apenas para duas pessoas, namorados transando, e um deles põe na rede por qualquer motivo torpe. Ou um selfie que uma menina manda para outra. Ou uma montagem de imagens reais de alguém com trechos de filmes pornôs. Ou o roubo de um celular. Ou vingança de um familiar. Maiormente, o motivo dessas postagens é vingança, tanto que também se chama “vingança pornô”.
É o cyberbullying. A consequência dessas vinganças virtuais no lado de cá da realidade, fora das telinhas, pode ser devastadora. As vítimas passam a ser réus, são acusadas de indecência, imoralidade. No mínimo, são culpadas pela mania de exposição, pela necessidade dos adolescentes atuais de se mostrarem, serem elogiados, ter um milhão de “amigos”.  Ficam sozinhas. O primeiro suicídio resultante disso que repercutiu forte na mídia e na opinião pública foi o da canadense Amanda Todd, 15 anos, em 2012. Antes do ato extremo gravou um vídeo onde mostra várias cartelas com palavras escritas à mão. Em uma das cartelas está escrito “I have nobody, I need someone” (não tenho ninguém, preciso de alguém). Muitas seguiram seu trágico exemplo.
No Brasil, final de 2013, após serem moralmente linchadas por aparecerem despidas na internet, Giana Laura Fabi, 16 anos, matou-se em Veranópolis, Rio Grande do Sul; Francielly Santos, 19 anos, deu fim à vida em Goiânia; Júlia Rebeca, 17 anos, fez o mesmo no Piauí.  Na despedida de Júlia, no Twitter, está escrito: “é daqui a pouco que tudo acaba, eu te amo, desculpe não ser a filha perfeita, mas eu tentei”. Os suicídios chamaram a atenção do país, a importância do assunto foi evidenciada, as pessoas se chocaram com os três enforcamentos quase ao mesmo tempo. Logo o assunto foi esquecido pelos meios de comunicação, raramente vejo notícias sobre os muitos suicídios que se seguiram a esses, inclusive porque não interessa à maioria das famílias das vítimas divulgá-las.
Um atitude diferente dessa está acontecendo em Encantado, Rio Grande do Sul, onde diversas mulheres tiveram fotos íntimas expostas e, no mês passado, uma adolescente cortou os pulsos. Ela sobreviveu e foi criado na comunidade um Coletivo Feminista para cobrar punição, dar apoio às vítimas e parentes e manifestar-se contra o machismo. Sim, porque se trata até agora de crime machista, as mulheres são a grande maioria das vítimas. Na verdade, tenho conhecimento de apenas uma vítima fatal masculina em todo o mundo e aconteceu no Brasil: o instrutor de fitness Leonardo Stronder, que se matou com uma overdose de anabolizantes em Campo Grande, Mato Grosso do Sul, em março deste ano.

Ao contrário do que acontece com a Internet Profunda, os crimes na internet comum são puníveis, ou seja, podem ter uma legislação específica e serem detectados e julgados. Há projetos em tramitação no Congresso Nacional brasileiro focando tipos de punição ao bullying no ciberespaço. Um deles é do senador Romário, apresentado quando era deputado (enquadrar esses atos como crime contra a dignidade sexual, passível de detenção de um a três anos), outro do deputado João Arruda (enquadramento na Lei Maria da Penha, que pune crimes domésticos). São projetos que, além de estarem parados no Congresso há uns três anos, não refletem a gravidade de um crime que leva à morte da vítima. Algo tem de ser feito. 

sexta-feira, 19 de junho de 2015

UM NOVO FILME


O ESPÍRITO DAS ALTURAS

Fabio Carvalho

Mais ou menos quatro anos atrás, recebi um telefonema do amigo Antônio Leão, pesquisador de cinema em São Paulo, colocando à minha disposição um material em 16mm, que encontrara numa feira de antiguidades.  Ele me contou que se tratava de um registro raro do ex-presidente Juscelino Kubitschek durante seu exílio em Portugal, em uma lata sem identificações e que sua preocupação era que esse material estava avinagrando e poderia se perder. A princípio relutei em aceitar, primeiro porque não estava nem um pouco interessado naquele momento em trabalhar com imagens que não tivesse produzido; segundo, não tenho muitos contatos na área de conservação e preservação, por fim não queria pegar para mim mais uma questão para resolver. Estava com uma série de projetos engastalhados, não tinha disposição nenhuma em arrumar mais um problema para minha acidentada trajetória cinematográfica. Aos poucos fui convencido pelo Paulo Augusto Gomes e pela Isabel Lacerda a comprar a idéia e ver no que ia dar. Recebi pouco mais de duas horas de filme p&b revelado. A partir de então como mágica as coisas começaram a mudar. Há muito pensava em tirar minha produtora de cima da mesa da sala do apartamento em que moro, coisa que causava enormes transtornos e inadequações. Foi quando surgiu a oportunidade, através de um arquiteto, de alugar um apartamento chamado duplex nas alturas do edifício JK, bem no coração da cidade. O espaço era extraordinário, todo reformado, novinho em folha, perfeito para o estúdio que eu desejava ter, coisas de arquiteto. Aí veio o problema: muito caro para minhas parcas condições. No ato fiquei sabendo através da corretora, que tinha outro igual a esse, só que sem benfeitorias, bem mais barato. Perto do primeiro, era muito mais simples, mesmo assim me encantou de chofre. Não demonstrei entusiasmo e ofereci quase a metade do que a proprietária pedia, ela aceitou. Passados mais de três meses que agora o filme estragava na minha casa, já não disfarçava minhas preocupações. Numa roda de velhos conhecidos na mesa do botequim, comentei meu problema, nesse momento um deles, diretor financeiro de uma grande empresa, me perguntou do que eu precisava para tocar o projeto. Respondi que precisava urgentemente digitalizar tudo, antes que se perdesse para sempre. Falou então para eu ver quanto custava que ele iria bancar. Não duvidei. Três dias depois, no seu escritório, sem pechinchar ele pagou de uma tacada só. Perguntei como poderia colocar um agradecimento ou apoio com o nome dele e o da empresa no filme. Ele me recomendou veementemente a não colocar nenhuma menção nem a ele nem à empresa, senão todo mundo pediria patrocínio para ele, e que só tinha feito isto porque gostava de mim, ainda mais especialmente por causa do JK. Três dias antes do prazo combinado para entrega, o técnico encarregado da telecinagem ligou se dizendo entusiasmado com a excelência do trabalho me chamando para ir lá ver. Realmente, para surpresa geral, a qualidade técnica estava intacta em imagens de um preto&branco de altíssimo nível, notadamente feitas por um extraordinário fotógrafo, além de exímio câmera com movimentações e angulações surpreendentes e grande proximidade e cumplicidade com a personagem JK. Esta visão lavou meus olhos e minha alma. Assim fecundamos um filme.


terça-feira, 16 de junho de 2015

VERGONHOSO CONFLITO


 GAZA: O SALDO MACABRO
por Alfredo Sirkis 
“Israel poderá, se quiser, até fazer o que teria sido a política correta desde o início: limitar-se a abater os foguetes e deixar o Hamas gastá-los sem promover aqueles terríveis bombardeios que mataram uma quantidade absurda de mulheres e crianças”
A retirada “unilateral” das tropas israelenses é coerente com o comportamento de Netanyahu desde o início. Vejam o que sucedeu na trégua: anunciando o “sequestro” de um dos seus oficiais, o exército de Israel realizou bombardeios indiscriminados particularmente terríveis em Rafah dentro de uma tática que um de seus porta-vozes chamou de the Hanibal option (opção Aníbal), referindo-se ao grande general de Cartago que não deixava pedra sobre pedra. Trocado em miúdos, isso quer dizer que Israel, diante de uma captura para evitar um novo “caso Gilad Shalit” — o cabo trocado por mais de mil prisioneiros palestinos –,  passou a arrasar tudo no caminho de uma eventual rota de fuga, inclusive correndo um risco enorme de matar o próprio prisioneiro caso vivo estivesse.
Rafah foi bombardeada inclusive sem os  sms que são passados aos moradores de Gaza para sumirem do mapa em poucos minutos pois vem bomba. Houve um número particularmente elevado de vítimas civis. O Hamas visivelmente não sabia bem o que havia ocorrido no terreno. Israel aproveitou para anular o cessar fogo –que não queria porque se dava num contexto de uma negociação política envolvendo os EUA e o Egito–  e usou toda sua máquina de propaganda, histérica,  para culpar o Hamas de ter deliberadamente quebrado a trégua. Percebe-se agora que é incerto sequer que tenha, de fato,  havido,  violação proposital da trégua partindo da direção política do Hamas.
Num combate “assimétrico” como esse com o Hamas, não podendo usar nenhum dispositivo de comunicação eletrônica, com grupos escondidos dias a fio em túneis.  Há diversas facções no próprio Hamas e outros grupos como o  Jihad, os comitês de resistência e os ligados à Al Qaeda. O incidente parece típico do fog of war:  a névoa da guerra. Mas serviu politicamente para Israel e levou o próprio presidente Obama a protestar contra o “sequestro” e a “violação da trégua”. Aparentemente foi feito de bobo.
Israel já tinha feito algo parecido logo no início do processo quando manipulou o sequestro e assassinato, quase imediato dos três adolescentes na Cisjordânia. O crime abjeto, hoje se sabe, foi praticado por terroristas agindo por conta própria. Desde o início, o Shin Beth, serviço antiterrorista israelense, sabia que eles estavam mortos – havia uma chamada por celular durante a qual se ouviram os disparos e o riso dos assassinos. Mas cultivou-se durante quase duas semanas o mito de um sequestro em curso  como pretexto para efetuar centenas de prisões, enormes operações e matar nove palestinos que protestavam na Cisjordânia.
No caso do tenente, agora o exército de Israel confirma que foi morto no combate junto ao túnel e que a conclusão se deve a exames de medicina legal com DNA de partes humanas encontradas no local. Não há explicações maiores mas a conclusão óbvia e macabra foi que o tenente morreu na explosão provocada por um homem bomba suicida, que partes de seu corpo ficaram no local e outras foram levadas pelos combatentes do Hamas (ou outro grupo) em fuga pelo túnel, pois há precedentes de troca de restos humanos por prisioneiros, no caso do Hizbollah libanês, uma troca altamente questionável realizada na época de Ariel Sharon. Atualmente o Hamas detêm restos de corpos de dois militares israelenses.
O fato do tenente ter morrido era então susceptível de se saber desde o início mas o governo de Netanyahu preferiu promover uma encenação de “sequestro” que constrangeu Obama, humilhou John Kerry e enganou o próprio público israelense (inclusive a família do militar).
A artimanha começou a se virar contra Netanyahu quando a família exigiu que as tropas permanecessem em Gaza até achá-lo. Ao mesmo tempo a extrema direita – com apoio da maioria da opinião pública!— pressionava para que o exército israelense “fosse até o fim”.  Netanyahu, que é refém estratégico dos colonos e não acredita nem um pouco em paz com os palestinos, taticamente,  é sensatamente prudente e sabe perfeitamente que se Israel já perdeu mais de 60 solados ocupando apenas as áreas periféricas de Gaza para debelar os túneis  – providência que não tem como não ser apoiada–  ocupar a cidade de Gaza com mais de um milhão de habitantes e caçar o Hamas prédio a prédio e dentro do labirinto subterrâneo de abrigos provavelmente produziria mais de mil baixas, além da morte de dezenas de milhares de palestinos. Israel ultrapassaria a tênue fronteira entre o crime de guerra que já praticou em diversas ocasiões ao genocídio, lato senso. Por isso, junto com as poucas cabeças decidiu manter o foco da operação na destruição dos túneis.
Agora Israel vai manter uma presença reduzida em alguns pontos estratégicos e ficará “administrando” os foguetes do Hamas. A organização sofreu perdas importantes , provavelmente uns 400 a 500 combatentes dentre o total de 1.800 mortos em Gaza. Possui cerca de 10 mil a mais. Isso inclui milicianos pouco adestrados. Mas podemos seguramente se apostar que continua com uns dois a três mil combatentes bem treinados e prontos para o sacrifício.  Está longe de ter sido ferido de morte. Perdeu sua rede de túneis ofensivos para penetrar em Israel –pode ser que subsista um ou outro—e seu arsenal de foguetes deve ter sido reduzido em 2/3 dentre os destruídos e disparados quase inutilmente. A eficácia deles foi, militarmente falando, próxima de zero. Mataram só três civis. Politicamente conseguiram alguma coisa na medida em provocaram uma breve interdição do aeroporto de Tel Aviv e mandaram a população israelense se abrigar com frequência. Israel poderá, se quiser, até fazer o que teria sido a política correta desde o início: limitar-se a abater os foguetes e deixar o Hamas gastá-los sem promover aqueles terríveis bombardeios que mataram uma quantidade absurda de mulheres e crianças. Hamas terá muita dificuldade de repor seu arsenal, agora que o Egito é governado por um inimigo:  o general Sisi.
O Hamas obteve uma vitória política de curto prazo ao reverter seu desgaste político dos últimos meses junto ao público palestino antes da crise, ao enfrentar valentemente um exército tão poderoso,  fazendo a Autoridade Palestina e o presidente Mahmud Abbas aparecerem como uns “bundões”. Mas, quando a poeira baixar e os tiros e explosões pararem e os moradores de Gaza e da Cisjordânia começarem a contemplar mais friamente o preço absurdo pago pela população de Gaza por causa da completa indiferença do Hamas em relação ao seu sofrimento,  ao disparar seus foguetes de dentro do tecido urbano mais denso do mundo sem se importar com as consequências, o Hamas também terá um preço político a pagar.
O momento será então novamente  favorável à retomada do processo de paz.  Mas enquanto Netanyahu e seus aliados da extrema-direita permanecerem no governo de Israel e com uma maioria no Knesset, isso não acontecerá.  O tempo a seguir não será mais de espera para o macabro próximo round. O maior erro desse brilhante tático, mas deplorável estrategista e profundo mau caráter que é Bibi Netanyahu, é acreditar que o tempo joga a seu favor. Os fatos da Líbia ao Iraque não apontam nesse sentido e o tempo para um acordo com a parte moderada do mundo árabe, onde se incluem os palestinos, está se esgotando ao mesmo tempo em que se esgotam as chances para a solução de dois estados vivendo em paz lado a lado.

sábado, 13 de junho de 2015

Visão Cinematográfica



Voos proibidos
   Por Orlando Senna

Vi o filme cubano Vuelos prohibidos na bela mostra do 8º Encontro de Cinema Negro Brasil, África e Caribe, criado por Zózimo Bulbul, com curadoria de Joel Zito Araújo e direção de Biza Vianna. O filme incide na Cuba atual, neste momento cubano (aproximação com EUA, reformas econômicas, implementação do grande polo produtor e exportador de Mariel) que está despertando novas curiosidades, indagações e esperanças com relação à ilha caribenha que, há pelo menos um século, se instalou no imaginário da humanidade como um país, ou um povo, diferenciado. O filme, embora realizado este ano e recém lançado em Cuba, não trata diretamente dos novos acontecimentos, mas sim da atualização da antiga dicotomia inferno/paraíso, satanização/deificação que envolve as distintas visões sobre a sociedade cubana desde a Revolução de 1959. 
O diretor é Rigoberto López, documentarista super premiado que se aventura por segunda vez na ficção (a primeira foi Roble de olor, 2003), apoiado em textos do ensaista acadêmico Julio Carranza e da trepidante romancista Wendy Guerra, autora de Posar desnuda en La Habana (no Brasil Posar nua em Havana, Editora Benvirá). O filme conta o envolvimento entre uma francesa que viaja a Havana para conhecer seu pai cubano e um fotógrafo cubano que está em trânsito, voltando da África para seu país. Encontram-se no aeroporto de Paris e ficam juntos porque o voo é transferido para o dia seguinte e, por fim, chegam ao destino. 
É uma longa discussão, às vezes tensa, às vezes amorosa, entre a francesa que vê Cuba como uma ditadura e o cubano que afirma que seu país é outra coisa, tentando esclarecer o significado de uma revolução permanente. Ele expõe as dificuldades e os avanços sociais, os descaminhos e as retomadas, as dores e as alegrias, os erros e acertos da Revolução. Principalmente, ele afirma seu pertencimento ao país e à sua cultura, defendendo a ideia de que nesse pertencimento está incluído o “ser revolucionário”, o revolucionar-se todos os dias da vida. Ela tenta trazer a discussão para a “realidade”, para a censura, para o descumprimento de direitos humanos. Ele se apoia na vivência, ela se apoia na mídia.
Discussão aberta, sem papas na língua, os autores almejam todo o tempo a sinceridade, inclusive sem esconder as dúvidas e as inseguranças dele ou dela. Em seguida à exibição aconteceu um debate que, surpreendentemente, repetiu na plateia a esgrima político-filosófica que está no filme. De outro jeito, sem a tensão de discordâncias políticas entre namorados, mas na mesma linha. Perguntou-se como um filme com aquele conteúdo podia ser cubano se existe censura em Cuba e Rigoberto López teve de informar que é uma produção da empresa estatal de cinema, com apoio do Ministério da Cultura.

Perguntou-se se era uma exceção. Explicou-se que o cinema cubano (como o teatro e a literatura) sempre teve um viés crítico com relação ao governo, ao regime, aos costumes. Que uma das principais manifestações cinematográficas da Cuba revolucionária é a chamada Comédia Crítica. O que é visível, basta lembrar Morango e chocolate (Fresa y chocolate) e Guantanamera, ambos de Tomás “Titón” Gutierrez Alea, considerado o maior cineasta cubano. Vi algumas pessoas boquiabertas quando Rigoberto mencionou o movimento do Cinema Independente, fato mais chamativo da atualidade cinematográfica cubana, com filmes de sucesso internacional (exemplo: Juan de los Muertos, de Alejandro Brugués, prêmio Goya da Espanha). Cinema Independente em uma ditadura socialista? Como? Pois é, Cuba é mesmo difícil de entender e, por isso, seria salutar que Vuelos prohibidos e outros filmes made in Cuba fossem lançados comercialmente no Brasil e outros países. O cinema é uma via de entendimento, como se sabe. 

segunda-feira, 8 de junho de 2015

ALGUMAS DO NELSON RODRIGUES

NELSON-RODRIGUES
O jovem tem todos os defeitos do adulto e mais um: — o da imaturidade.

– 
Tudo passa, menos a adúltera. Nos botecos e nos velórios, na esquina e nas farmácias, há sempre alguém falando nas senhores que traem. O amor bem-sucedido não interessa a ninguém.

- Nós, da imprensa, somos uns criminosos do adjetivo. Com a mais eufórica das irresponsabilidades, chamamos de “ilustre”, de “insigne”, de “formidável”, qualquer borra-botas.
- A grande vaia é mil vezes mais forte, mais poderosa, mais nobre do que a grande apoteose. Os admiradores corrompem.

- O brasileiro não está preparado para ser “o maior do mundo” em coisa nenhuma. Ser “o maior do mundo” em qualquer coisa, mesmo em cuspe à distância, implica uma grave, pesada e sufocante responsabilidade.

- Há na aeromoça a nostalgia de quem vai morrer cedo. Reparem como vê as coisas com a doçura de um último olhar.
- Ou a mulher é fria ou morde. Sem dentada não há amor possível.
- O homem não nasceu para ser grande. Um mínimo de grandeza já o desumaniza. Por exemplo: — um ministro. Não é nada, dirão. Mas o fato de ser ministro já o empalha. É como se ele tivesse algodão por dentro, e não entranhas vivas.
- Assim como há uma rua Voluntários da Pátria, podia haver uma outra que se chamasse, inversamente, rua Traidores da Pátria.

- Está se deteriorando a bondade brasileira. De quinze em quinze minutos, aumenta o desgaste da nossa delicadeza.
- O boteco é ressoante como uma concha marinha. Todas as vozes brasileiras passam por ele.

- A mais tola das virtudes é a idade. Que significa ter quinze, dezessete, dezoito ou vinte anos? Há pulhas, há imbecis, há santos, há gênios de todas as idades.

- Outro dia ouvi um pai dizer, radiante: — “Eu vi pílulas anticoncepcionais na bolsa da minha filha de doze anos!”. Estava satisfeito, com o olho rútilo. Veja você que paspalhão!
- Em nosso século, o “grande homem” pode ser, ao mesmo tempo, uma boa besta. 

- O artista tem que ser gênio para alguns e imbecil para outros. Se puder ser imbecil para todos, melhor ainda.

- Toda mulher bonita leva em si, como uma lesão da alma, o ressentimento. É uma ressentida contra si mesma.
- Acho a velocidade um prazer de cretinos. Ainda conservo o deleite dos bondes que não chegam nunca.
- Chegou às redações a notícia da minha morte. E os bons colegas trataram de fazer a notícia. Se é verdade o que de mim disseram os necrológios, com a generosa abundância de todos os necrológios, sou de fato um bom sujeito

sábado, 6 de junho de 2015

CITAÇÕES


"Hoje no Brasil quem

 pensa, quem estuda, 

quem pesquisa é 

cada vez mais 

enxotado pelos 

medíocres que 

passam por nós, nos 

afrontam e ocupam os 

melhores postos de 

decisão: é a 

imbecilidade 

triunfante". 
Euclides da Cunha 1906