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sábado, 28 de fevereiro de 2015

ENTREVISTA



CORRUPÇÃO

Ricardo Semler: “A corrupção não é um problema público, é um problema privado enorme”Em entrevista, empresário tucano reafirma sua percepção de que “nunca se roubou tão pouco” no Brasil e estende a responsabilidade do problema para o setor privado. “Eu quero ver alguém vender pra uma grande montadora no Brasil sem dar propina para um diretor de compras”, questionou
“A corrupção é muito mais endêmica do que parece, não é um problema ‘só’ brasileiro. E não é um problema público, é um problema privado enorme”.
A declaração é de Ricardo Semler, empresário filiado ao PSDB, em entrevista concedida ao programa Diálogos com Mário Sérgio Conti, exibida na noite desta quinta-feira (26) na Globo News. Em novembro de 2014, Semler já havia ido na contramão da cobertura noticiosa da mídia tradicional quando, em artigo publicado no jornal Folha de S. Paulo, afirmou que “nunca se roubou tão pouco no Brasil”, fazendo alusão a uma “santa hipocrisia” da elite em relação às denúncias na Petrobras. Agora, voltou à carga analisando a questão da corrupção no país e no mundo.
Na entrevista, Semler falou a respeito da percepção que as pessoas em geral têm, de que a corrupção no Brasil alcança índices escandalosos, fazendo um paralelo com a visão sobre a violência. “Nunca se matou tão pouco. Se voltar pra Guerra Civil espanhola, [com] Franco são 21 milhões de pessoas; Segunda Guerra Mundial, Primeira Guerra Mundial, Guerra dos 30 Anos, Guerra dos Cem Anos… Nunca morreu tão pouca gente. No entanto, esse ‘atacado’ das grandes guerras está no ‘varejo’”, explica. “E a internet, a facilidade de comunicação, faz com que tudo fique óbvio e conhecido por todo o mundo”, pontua, fazendo a comparação: “Com a corrupção é a mesma coisa, ela era no ‘atacado’. Quando eu listasse pra você o xá do Irã, Idi Amin Dada, estou falando de 10, 15, 20 bilhões de dólares pra cada pessoa. Não estou defendendo, mas o que quero dizer é que agora estamos em um momento em que aparece muito [a corrupção] e que veio pro varejo, o que é um grande problema.”
 O empresário tenta dimensionar o problema da corrupção, afirmando não só que não se trata de um problema tipicamente brasileiro, como também não é novo. “Há 20 anos roubava-se um percentual sobre todos os barris de petróleo que vinham para o Brasil. Se fizesse uma investigação hoje, queria saber com as empreiteiras como foi a construção de Itaipu, Transamazônica, Brasília… Os números hoje são pequenos, mas não são defensáveis”, afirma, criticando a postura do PT no governo em seguida. “O PT enfiou os pés pelas mãos ao achar que precisava jogar o jogo do Brasil do jeito que se joga porque senão não tinha chance. É uma pena, porque o PT era a última esperança de vir alguém e dizer ‘não vou jogar desse jeito’. Mas não quer dizer que o roubo está aumentando, ele está no varejo, está na internet e então aparece ‘pra burro’.”
Embora o foco da mídia de uma forma geral seja a ação de agentes públicos, Semler afirma que a corrupção é algo comum também no âmbito privado. “Quem olhar a iniciativa privada, porque se diz ‘isso é uma coisa pública, esses políticos, Brasília…’. Eu quero ver alguém vender pra uma grande montadora no Brasil sem dar propina para um diretor de compras, que é de uma empresa multinacional alemã, americana…. Não vende pra muitas delas. Propina pro comprador, negócio privado. Pra grandes redes de supermercado, vai lá e pede pra botar seu produto na gôndola mais perto. Vender prótese para hospital particular, os grandes nomes do Brasil, não vende sem corrupção”, diz.
A circunscrição do problema também estaria equivocada já que, segundo o empresário, trata-se de um fenômeno global que atinge países como China, Rússia e Estados Unidos, ainda que de formas distintas. “No tempo Bush, Dick Cheney, Halliburton, 800 bilhões de dólares em armamentos comprados dos amigos… Agora, eles [EUA] estão no atacado, então você vai pra Miami, dirige, e o guarda de trânsito não te pede nada. Porque [a corrupção] é lá em cima, na hora que o cara vende armamento pra um país inteiro pra destruir o Afeganistão.”
De acordo com Semler, a corrupção estaria relacionada com a desigualdade e a submissão das pessoas em relação ao poder do dinheiro. “Quando se pensa um pouco, de onde vem a corrupção? Do desejo de ter o dinheiro que é necessário para a pirâmide social. Hoje, se eu conseguisse convidar as 85 pessoas certas para um coquetel lá em casa, os 85 mais ricos do mundo, eu teria gente que tem mais patrimônio que 2,2 bilhões de pessoas no planeta. Há uma coisa profundamente errada nisso”, pondera. “Achamos que moramos em um mundo cada vez democrático, mas a verdade é que a gente vive em uma monarquia e somos todos súditos do ‘King Cash’, o ‘Rei Grana’. Agora, dinheiro é tudo, e se dinheiro é tudo, a corrupção tende a aumentar de forma capilar, no varejo. Por isso que digo que o valor que se rouba tenho certeza que é menor, mas tem muito mais gente interessada no seu quinhão desta corrupção.”
Para Semler, este cenário só teria chance de ser alterado caso haja uma mudança na educação, que ainda é baseada em um modelo fordista segundo sua avaliação. “A resposta, pra mim, está no jardim de infância, infelizmente demora um pouco. O fato é que nós estamos em um sistema educacional – que estamos tentando melhorar, mas ele é ruim em qualquer lugar do mundo – baseado numa linha de montagem do Henry Ford em 1908 que diz ‘preciso passar um milhão de pessoas pela escola e fornecer para a indústria’”, argumenta. “Mas aquele emprego já acabou. Nós só tínhamos a cabeça pra manter a informação, hoje toda a informação está disponível em trinta segundos no Google, o que estamos fazendo treinando a cabeça das pessoas? Está na hora de, no jardim de infância, a gente parar pra pensar no que está certo, no que está errado, quais são as questões fundamentais de vida em sociedade, cidadania etc. É isso que vai resolver o problema da corrupção logo, logo, em trinta, quarenta, cinquenta anos. Não vai ser em dois meses.”


sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

O CIRCO


Mentalistas
Por Orlando Senna
Vivi intensamente a magia do circo na minha infância interiorana. Os circos chegavam à minha pequena cidade, encantavam e iam embora. Circos modestos, com palhaços, acrobatas, malabaristas, trapezistas e um mágico. A chegada de um circo era sempre um acontecimento marcante e a grande emoção que produzia em mim e nos meus colegas da escola primária nos levaram a fazer nosso próprio circo, no quintal da casa de meu primo Augusto Senna Maciel, que organizou e liderou essa aventura infantil. Ensaiamos durante um tempo e fizemos apresentações com alguns malabarismos, umas acrobacias bobas em pneus pendurados em árvores, duas ou três mágicas e cobrando ingresso. Além das crianças que conseguimos arrebanhar, também alguns pais e avós compareceram.
Minha participação foi apresentar duas mágicas, as primeiras que aprendi e que ainda faço até hoje para impressionar infantes: fazer desaparecer uma moeda que está em minha mão e introduzir uma moeda na nuca e resgatá-la na boca. Aí começou meu ininterrupto interesse pelo ilusionismo, que chegou ao paroxismo, ainda na infância, em um espetáculo que assisti levado por meu pai, no Cine Teatro Guarany de Salvador da Bahia (hoje Espaço Itaú de Cinema Glauber Rocha).
Na adolescência li artigos em almanaques e os raros livros que encontrei sobre o assunto. E também frequentei a única loja de mágicas e truques que existia em Salvador, com a desvantagem que, nessas lojas, o aprendizado de como os truques são feitos (a manipulação) só é possível após a compra do kit com o material.
Nos anos 1970, no Rio de Janeiro e associado a uma dessas lojas, montei uma peça de teatro (Natal na praça, de Henri Ghéon, com o ambulante Grupo Barra) onde os personagens faziam mágicas o tempo todo, buquês surgindo em mãos vazias, fitas coloridas intermináveis saindo das bocas, bolas de pingue-pongue desaparecendo de repente e reaparecendo na plateia (com a ajuda de alguém do grupo disfarçado entre os espectadores). Atualmente vibro com a proliferação de programas de TV dedicados ao ilusionismo, principalmente os que apresentam números mentalistas, o gênero circense que mais me impressiona.
Escrevo sobre isso estimulado pela leitura do livro Confesiones de un mentalista, do espanhol Cristóbal Carnero Liñán, lançado recentemente. O mentalismo é uma vertente do ilusionismo, arte cênica que produz no espectador a impressão que alguma coisa irreal, sobrenatural, impossível está acontecendo diante de seus olhos. Por isso também é conhecido como prestidigitação, que significa, com origem no latim, agilidade, presteza com os dedos e, por extensão, com as mãos.
 O mentalismo soma a essa habilidade e velocidade de movimentos manuais os elementos sugestão e hipnose, relacionando suas façanhas com controle mental, vidência, telepatia e telecinésia. Há vários estudos e ficções sobre a fronteira entre a habilidade e tecnologia dos truques e poderes sobrenaturais (o fenômeno Harry Houdini, mágico húngaro radicado nos EUA, 1874-1926, talvez seja o mais estudado de todos os ilusionistas inexplicáveis). Essa “arte” existe, historicamente, há cinco milênios e, durante períodos obscurantistas da Era Cristã, ilusionistas que usavam elementos mentalistas foram queimados na fogueira como bruxos.
Volto ao espetáculo no Cine Teatro Guarany. Devia ter entre sete e nove anos de idade e a lembrança daquele incrível acontecimento, talvez o mais impressionante da minha vida, flutua em minha memória como um gás, como um flúor, como a recordação de um sonho antigo. O que me lembro, ou acho que lembro, é que as pessoas na plateia começaram a reclamar porque o espetáculo do mágico (possivelmente chinês) não começava. As pessoas passaram a protestar em voz alta, a fazer ruídos (anos depois meu pai disse que foi um atraso de uma hora “ou mais”).

No meio da balbúrdia o mágico aparece no palco e pergunta o que está acontecendo. É informado que está atrasado, já são seis horas da tarde (só como exemplo, não tenho esse detalha na memória esfiapada). O mágico sorri, diz que há um engano, que por favor voltem a consultar seus relógios. Os espectadores olham para seus relógios de pulso e de bolso e ficam estupefatos: marcam cinco horas da tarde e um minuto atrás estavam marcando seis. Estupor, surpresa enorme e silenciosa e em seguida aplausos fervorosos. O mágico agradeceu e disse que o espetáculo estava encerrado. Nova consulta aos relógios e tudo volta ao normal: são seis horas outra vez. Hipnose coletiva? Que sei eu.

terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

REFLEXÃO CONTEXTUAL


É PRECISO FALAR SEM MEDO E SEM MENTIRA DE TUDO UM POUCO

Pra que mentir?
Amigos, nós não vamos entrar em detalhes econômicos, são chatos e longos, nem em ideologia partidárias, pois não creio nelas. Agora, me diga, o que te faz acreditar que o seu pensamento de direita é melhor que o outro de esquerda. Qualquer político neste país, ou em qualquer outro país latino americano, vai navegar na onda e desejos de um congresso bizarro eleito pelo pseudo estado "democrático", que engana o povo através de uma rede de comunicação  invisível entre os palhaços, regentes e pupilos pomposos, que não passam de escravos das grandes fortunas, unidos aos piores, aos mais violentos e radicais personagens da nossa atual e preconceituosa sociedade, fieis representantes dos desinformados boçais que os elegeram. Como sobreviver em um mundo dominado por um sistema tão desumano e cruel? A que ponto nós chegamos? Imagina um jovem rei sedento de poder, repleto de grandes interesses cercado por uma corte de devassos. Um dia explode a revolta. Dá pra ver o final desse filme!
Vai ser difícil navegar nessa tempestade onde todos se igualam em suas mediocridades. Sendo assim , se são iguais às possibilidades das transformações sociais, por que não escolher, com muita lucidez, pela história do homem, pelo seu saber (scien) e por sua experiência da vida. Só assim pode existir algum equilíbrio no complexo reino de Pindorama, que está a cada dia mais dominado pela sede do poder financeiro e pela ascensão social sem limite, navegando em um mar de consumo e de falsa felicidade. Eis aqui o paradoxo da nossa contemporaneidade: onde tudo é possível, nada pode existir e tudo se perde.
Mas ao contrário do que aconteceu no nosso passado, na nova experiência recente dos governos democráticos, no presente, os trabalhadores se deixaram dominar pelos néscios (nescis) mercantilistas do poder e se não houver um basta morreremos na rebeldia e criaremos o caos social onde a morte reinará.
Deveriam ser proibidos, por lei, os interesses e a falsidade da mídia com suas notícias maldosas e elaboradas para prejudicar um ou outro que não coadunam com seus interesses.  Não se pode chamar alguém de ladrão, nos jornais, televisões, internet, debates, antes dos cidadãos envolvidos em denúncias, empresas, políticos, serem julgados e condenados. É o que anda acontecendo nestes debates, onde uma mulher Presidenta é menosprezada pelo seu contrário que ataca, acusa, debocha, vocifera, sem nenhuma nobreza, sem nenhum respeito ao cargo que ela ocupa, mas nos envergonha a sua leviandade no tratar o ser humano brasileiro que ela  representa.                                                     É preciso intervir economicamente no Brasil para salvar o combustível das vidas dos automóveis de Los Angeles...                                                                                                         
O partidão, com a prática do cupim – comer por dentro, fundeou-se erroneamente em todas as instituições da república e depois do processo autofágico a que se submeteu burrocratizou-se ainda mais para depois morrer.                                                              
Compactuando com a mais retrógrada prática política aqui existente estavam muitos dos nossos intelectuais e artistas de esquerda que de quando em quando uns morriam na mão da repressão militar e outros que  se vendiam ao sistema com as mais esfarrapadas mentiras.                                          Todos mantinham suas boquinhas e seus interesses e ninguém até hoje pediu desculpas ao povo brasileiro.                                                                                                                                                    Porque os médicos cubanos se submetem a pagar um imposto tão grande dos seus salários para o seu governo que é de esquerda?  Aqui no Brasil todos os médicos formados nas universidades públicas deveriam fazer o mesmo, ou seja: pagar sua dívida com o Brasil.                                                           O que o povo acha disso?  Pra que mentir?                                                                                        
Conheci o dono de um jornal diário de esquerda que precisava de se vender todos os dias para custear sua enorme despesa editorial. Vivendo uma vida caótica e insustentável, o pobre jornalista via seus sonhos ruírem na barreira de uma realidade cruel e indestrutível. Só para no final de tudo acordar com mais débitos que créditos em sua conta. O pior é que ele, no fim de tudo, tornou-se um cara de direita, retrógrado, quase um fascista. O capitalismo destrói a existência dos bem aventurados.                                                                                                    
Pra que mentir? Medo de quê!                                                                                                        
O cinema de arte não morreu, o mercado não tem essa força capital para eliminá-lo. Eles, os neófobos, há anos tentam, cada hora, todos os minutos e segundos, num só instante e não conseguem estancar o processo revolucionário da arte.                                                                            
A minha geração foi separada pelas circunstâncias históricas em que fomos envolvidos – amávamos mas não nos entendíamos – torturava-nos com medo de tudo e de todos. Era a paranoia institucionalizada...                                                                                                               
Pra que mentir?                                                                                                                             
Os artistas e intelectuais das novas gerações têm de lutar unidos em um mesmo propósito, ou seja: a arte pela revolução e a revolução pela libertação total da arte. Nada é mais importante. É preciso avançar no texto e no pensamento. Um passo a frente sempre! É como diz o malandro carioca: quem fica parado é poste e quem anda para trás é caranguejo!                                          
O mundo está oculto nas páginas de recônditos livros de lendas e entretenimentos. É preciso tirar coelhos da cartola, sapos da lagoa, escorpiões do buraco, cobras do serpentário, piranhas do igarapé e atravessar os pântanos das idiossincrasias que durante todos esses anos fomos submetidos, só assim poderemos dar mais um passo à frente.                                                           
Por que tudo tem que ser assim? Ainda bem que quase toda memória está guardada na grande e eterna biblioteca do homem. Precisamos conservar e saber escolher a melhor obra, mesmo sendo uma comédia tudo isso.                                                                   

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

CORREÇÃO DA LÍNGUA



                            Tropeços com verbos e pronomes

Há quem diga e escreva “fazem x dias que…” e Eduardo Martins os desasna assim: “Fazer, quando exprime tempo, é impessoal (não varia: faz dez dias./ Fez dois meses./ Fazia cinco séculos.”
Outros tropeços são detectados com o verbo haver. Didático, ele dá primeiro o erro – “haviam” muitos alunos – e depois explica: “Haver, no sentido de existir, também é invariável: Havia muitos alunos na classe./ Houve muitos acidentes./ Pode haver novos casos de dengue.”
Outro terreno pantanoso é o do uso dos pronomes. Em “está tudo certo entre eu e você”, Eduardo Martins explica àqueles que faltaram à aula no dia em que isso foi explicado: “Depois de preposição, usa-se mim e ou ti: Está tudo certo entre mim e você´.” Ele não dá o seguinte exemplo, mas é bom recordar: “Está tudo certo entre você e eu.”
Redatores nem consultam Manual de Redação
Um outro caso desconcertante no uso dos pronomes é o do “lhe”. Você baixa o programa de antivírus e lá vêm as temidas instruções, com os habituais crimes de lesa-gramática, do tipo “para lhe proteger”, semelhante ao de algumas canções que apregoam para “lhe amar”. O incansável Eduardo Martins retoma a paciência e lembra aos enfermos da língua a bula gramatical: “Lhe não pode ser usado com verbos diretos, pois substitui a ele, a eles, a você e a vocês: Não o conheço./ Nunca a deixarei./ Nós o convidamos./ O marido a ama./ Dois exemplos com lhe: Pedi-lhe (pedi a ele) o favor./ Ficou contente e lhe (a ele) agradeceu.”

Na questão das formas verbais, ele ilustra o que prescreve com um exemplo muito comum: “O Estado interviu”, em que o falante ou escrevente errou a conjugação. O certo é “o Estado interveio”. “Intervir conjuga-se como vir.” Adiante explica outros dois verbos em que muitos tropeçam: mediar e intermediar. É errado “A ONU intermedia conflitos”. “Mediar e intermediar segue odiar: A ONU intermedeia conflitos./ Empresários medeiam negócios.”

Publiquei por achar boa a explicação.

terça-feira, 17 de fevereiro de 2015

O Livre Pensar


COMO ESQUECER MARX?
Carlos Sepúlveda

      Fora as bobagens que se escreveram sobre o marxismo como um dogma ou uma religião, é, no mínimo, leviano condenar o trabalho de Marx e seus seguidores ( Engels sobretudo)  como um equívoco condenado ao lixo da História.
       Mesmo para os não marxistas, sejam eles saudosos adeptos das revoluções ou nostálgicos teóricos do comunismo, o autor do Manifesto Comunista de 1848, ainda serve de inspiração para quem pensa no âmbito da Dialética Negativa.
       Hoje, está claro que o marxismo como teoria de legitimação de Estado já teve melhores dias. Mas a herança maldita do Stalinismo e o fracasso da União Soviética enterraram , sob os escombros do Muro de Berlim, a romântica hipótese de uma sociedade sem classe, o que não quer dizer que os fundamentos destas teses não mereçam ser (re) pensadas.
       Lembro-me do episódio que narra o encontro entre Habermas e |Marcuse, estando este último já nos estertores, com tubos espetados em seu corpo, tanto à direita quanto à esquerda. Habermas, ex-aluno fervoroso de Marcuse, dedica-lhe uma derradeira reflexão, que encerraria um impasse teórico entre os dois. Habermas lhe diz que finalmente encontrara a exigência de validade para o socialismo: a compaixão que um homem deve ter pela dor do outro.
       Este legado do marxismo, a meu sentir, não devia ser descartado. Uma sociedade em busca da justiça, solidária com o sofrimento dos outros, se repete na esperanças do recente livro “ O capital no século XXI” de Tomas Picketti cuja leitura recupera muito do que Marx denunciou, sobretudo no que diz respeito à acumulação primitiva..
       No entanto, a teoria marxista como Teoria da Cultura é, ainda, um instrumento válido para as análises das questões culturais que incendeiam este século. Vis a vis da globalização, da imposição de padrões culturais, da grave questão das identidades que hoje explodem no mais cruel terrorismo, cujo entendimento passa pelas teorias da cultura de  viés marxista.
       Aliás, os instrumentos do marxismo ainda podem oferecer boas interpretações para se entender, por exemplo, a Indústria Cultural que fez a fama de Benjamin, Adorno e toda a Escola de Frankfurt.
       A imposição do domínio cultural da classe dominante, classicamente formadora de padrões culturais e de discursos de dominação, pode ser visitado na obra de Michel Foucault ou mesmo de Sartre, dependendo do ângulo que se escolha. Foucault, sobretudo, em ração de sua teoria sobre a ordem dos discursos.
       Esta suposta amnésia em relação ao pensamento marxista esconde, na verdade, uma banalidade e uma leviandade. Escolhe-se o marxismo como uma teoria da práxis como se a práxis cancelasse toda a complexidade da obra  do gênio Karl Marx em favor do puro e simples “transformar o mundo”, escrito na 11ª tese contra Feuebach..
       Não será surpresa se daqui a algumas décadas o marxismo ainda for uma leitura essencial para se compreender os descompassos da Modernidade, isto se o Terror não nos pegar antes.


quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

O Pensamento Político

Sobre a Social-Democracia
Karl Marx e Friedrich Engels

No momento presente, em que os pequeno-burgueses democratas são oprimidos por toda a parte, eles pregam ao proletariado em geral a união e a conciliação, estendem-lhe a mão e aspiram à formação de um grande partido de oposição que abarque todos os matizes no partido democrático; isto é, anseiam por envolver os operários numa organização partidária onde predominem as frases sociais-democratas gerais, atrás das quais se escondem os seus interesses particulares e onde as reivindicações bem determinadas do proletariado não possam ser apresentadas por mor da querida paz. Uma tal união resultaria apenas em proveito deles e em completo desaproveito do proletariado.
O proletariado perderia toda a sua posição autônoma arduamente conseguida e afundar-se-ia outra vez, tornando-se apêndice da democracia burguesa oficial. Essa união tem de ser recusada, por conseguinte, da maneira mais decidida. Em vez de condescender uma vez mais em servir de claque dos democratas burgueses, os operários, principalmente a Liga, têm de trabalhar para constituir, ao lado dos democratas oficiais, uma organização do partido operário, autônoma, secreta e pública, e para fazer de cada comunidade o centro e o núcleo de agrupamentos operários, nos quais a posição e os interesses do proletariado sejam discutidos independentemente das influências burguesas. Quão pouco séria é, para os democratas burgueses, uma aliança em que os proletários estejam lado a lado com eles, com o mesmo poder e os mesmos direitos, mostram-no por exemplo os democratas de Breslau, os quais no seu órgão, a Nova Gazeta do Oder, atacam furiosamente os operários organizados autonomamente, a quem intitulam de socialistas. Para o caso de uma luta contra um adversário comum não é preciso qualquer união particular. Assim que se trate de combater diretamente um adversário, os interesses dos dois partidos coincidem momentaneamente e, como até agora, também no futuro esta ligação, só prevista para o momento, se estabelecerá por si mesma. Compreende-se que nos conflitos sangrentos que estão iminentes, como em todos os anteriores, são principalmente os operários que, pela sua coragem, a sua decisão e abnegação, terão de conquistar a vitória. Como até agora, os pequeno-burgueses em massa estarão enquanto possível hesitantes, indecisos e inativos nesta luta, para, uma vez assegurada a vitória, a confiscarem para si, exortarem os operários à calma e ao regresso ao seu trabalho [a fim de] evitar os chamados excessos e excluir o proletariado dos frutos da vitória. Não está no poder dos operários impedir disto os democratas pequeno-burgueses, mas está no seu poder dificultar-lhes o ascendente perante o proletariado em armas e ditar-lhes condições tais que a dominação dos democratas burgueses contenha em si desde o início o germe da queda e que seja significativamente facilitado o seu afastamento ulterior pela dominação do proletariado. Durante o conflito e imediatamente após o combate, os operários, antes de tudo e tanto quanto possível, têm de agir contra a pacificação burguesa e obrigar os democratas a executar as suas atuais frases terroristas. Têm de trabalhar então para que a imediata efervescência revolucionária não seja de novo logo reprimida após a vitória. Pelo contrário, têm de mantê-la viva por tanto tempo quanto possível. Longe de opor-se aos chamados excessos, aos exemplos de vingança popular sobre indivíduos odiados ou edifícios públicos aos quais só se ligam recordações odiosas, não só há que tolerar estes exemplos mas tomar em mão a sua própria direção. Durante a luta e depois da luta, os operários têm de apresentar em todas as oportunidades as suas reivindicações próprias a par das reivindicações dos democratas burgueses. Têm de exigir garantias para os operários assim que os burgueses democratas se prepararem para tomar em mãos o governo. Se necessário, têm de obter pela força essas garantias e, principalmente, procurar que os novos governantes se obriguem a todas as concessões e promessas possíveis — o meio mais seguro de os comprometer. Têm principalmente de refrear tanto quanto possível, de toda a maneira mediante a apreciação serena, com sangue-frio, das situações, e pela desconfiança não dissimulada para com o novo governo, a embriaguez da vitória e o entusiasmo pelo novo estado de coisas que surge após todo o combate de rua vitorioso. Ao lado dos novos governos oficiais, têm de constituir imediatamente governos operários revolucionários próprios, quer sob a forma de direções comunais, de conselhos comunais, quer através de clubes operários ou de comités operários, de tal maneira que os governos democráticos burgueses não só percam imediatamente o suporte nos operários, mas se vejam desde logo vigiados e ameaçados por autoridades atrás das quais está toda a massa dos operários. Numa palavra: desde o primeiro momento da vitória, a desconfiança tem de dirigir-se não já contra o partido reacionário vencido, mas contra os até agora aliados [do proletariado], contra o partido que quer explorar sozinho a vitória comum.


segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

Olha o tamanho do Nietzsche e a pequinês do Paul

Paul Reé  - Lou-Salomé - Friedrich_Nietzsche

A onça e o bode

Luis da Câmara Cascudo

O Bode foi ao mato procurar lugar para fazer uma casa.  Achou um sítio bom.  Roçou-o e foi-se embora.  A Onça que tivera a mesma ideia, chegando ao mato e encontrando o lugar já limpo, ficou radiante.  Cortou as madeiras e deixou-as no ponto.  O Bode, deparando a madeira já pronta, aproveitou-se, erguendo a casinha.  A Onça voltou e tapou-a de taipa.  Foi buscar seus móveis e quando regressou encontrou o Bode instalado.  Verificando que o trabalho tinha sido de ambos, decidiram morar juntos.
Viviam desconfiados, um do outro.  Cada um teria sua semana para caçar.  Foi a Onça e trouxe um cabrito, enchendo o Bode de pavor.  Quando chegou a vez deste, viu uma onça abatida por uns caçadores e a carregou até a casa, deixando-a no terreiro.  A Onça vendo a companheira morta, ficou espantada:
— Amigo Bode, como foi que você matou essa onça?
— Ora, ora… Matando!… Respondeu o Bode cheio de empáfia.  Porém, insistindo sempre a Onça em perguntar-lhe como havia matado a companheira, disse o Bode:
— Eu enfiei este anel de contas no dedo, apontei-lhe o dedo e ela caiu morta.
A Onça ficou toda arrepiada, olhando o Bode pelo canto do olho.  Depois de algum tempo, disse o Bode:
— Amiga Onça, eu lhe aponto o dedo…
A Onça pulou para o meio da sala gritando:
— Amigo Bode, deixe de brinquedo…
Tornou o Bode a dizer que lhe apontava o dedo, pulando a Onça para o meio do terreiro.  Repetiu o Bode a ameaça e a onça desembandeirou pelo mato a dentro, numa carreira danada, enquanto ouviu a voz do Bode:
— Amiga Onça, eu lhe aponto o dedo…

Nunca mais a Onça voltou.  O Bode ficou, então, sozinho na sua casa, vivendo de papo para o ar, bem descansado.

domingo, 8 de fevereiro de 2015

Um Conto de Reis

SONILÓQUIO PRA CHAMAR CHUVA
Fábio Carvalho


A filosofia mora no tutano do osso da rabada, que você suga, depois de comer a pouca carne que de lá se desprende. Essa é a definição do cachorro pardo vira-latas que todos os Sábados à noite leciona na esquina da orientação. Sócrates sempre ouvia com atenção suas palavras. Na outra noite em Amsterdam fui a um Coffee–shop de luz verde com a atriz francesa Débora Révy, lá queimamos um Super - Skank muito doido e tomamos, cada um, uma taça de Abysinto. Claro que o mundo melhorou como um todo a partir daquele estado de suspensão bastante procurado fora do roteiro. O enlace mágico nos transportou imediatamente para um espaço cintilante com cheiro prazeroso repleto de livros até o teto, onde encontramos a outra atriz Hélène Zimmer que já nos esperava sem nenhuma ansiedade. Perfume de Verbena. Um manjar foi servido, nos deliciamos no centro daquela ambiência multicolorida em um tipo de êxtase epistemológico. Não sei ao certo o que descobri, várias revelações me foram feitas durante a epifania conjunta que vivenciamos. Achava que estava dirigindo aquele filme, no entanto percebi que eram elas, as atrizes, que me guiavam plano a plano, marcando as posições e os movimentos. Terminada a projeção das primeiras imagens, me senti muito leve e pronto para desejar ainda mais aquilo que já desejo. Os olhos delas me diziam que sentiram as mesmas coisas que eu, de outra maneira. Uma estranha sensação de tranquilidade tomou o lugar da minha constante inquietude. Poesis significa ação. Poesia, luz, camêra, ação. Na aliteração alterada igual cinema. A sensualidade borbulhante dessas ambíguas fotografias justapostas repica as necessidades básicas do que seja o cinema pra mim; todos os santos bárbaros, a partir de Erich Von Stroheim, regozijavam-se ao meu redor brindando suas taças de prata num esplendoroso palácio depois do fim do mundo. Estive com a cantora croata Severina Vockovic, de forma centrífuga num carrossel dourado e todo espelhado. O cinema vive da simpatia do real pelo imaginário, na medida em que ele se utiliza do primeiro como matéria-prima para, de certa forma, sublimá-lo no segundo. Repetiu nosso santo das línguas aglutinantes David Neves. Black Ladies. Para viver você só precisa de mentiras, mentiras essenciais. Ninguém é compreendido, somos aceitos como o rescaldo final de um incêndio. Ao largo dessa aceitação a sombra da íbis pontualmente esculpe a pedra do Pão de Açúcar. Todas essas elucubrações nasceram das duas seguintes frases que li não sei onde: este século é uma mulher em trabalho de parto. A noite e a nossa dor engendraram vocês nossos filhos. O afrodisíaco e o coador. Se um clarão lilás te banhar de luz, não te acanhes não, sou eu. Segundo o poeta Wally Salomão, a poesia é a menos culpada de todas as ocupações. Assim mesmo, exigente, ela não está para qualquer aventureiro. As alterações são extremamente necessárias. Tive crises de gargalhadas depois de escrever de chofre, sentado no calçadão da Rua do Ouro com Amapá, essa coisa que chamei de Feitiço Translúcido: tudo é querer, querer viver querer ver querer cantar querer voar querer nadar querer ouvir querer dançar querer molhar querer dormir querer comer querer dar querer pintar querer tocar querer saber querer sentir querer cheirar querer fazer querer morder querer pegar querer viajar querer entrar querer mamar tudo é querer a ilusão e até querer tomar um suco de laranja natural sem açúcar. Esqueci e não contei a importante estória do barbante.

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015

BORGES


SONETO DO VINHO
Jorge Luis Borges
Em que reino, em que século, sob que silenciosa
Conjunção dos astros, em que dia secreto
Que o mármore não salvou, surgiu a valorosa
E singular idéia de inventar a alegria?
Com outonos de ouro a inventaram.
O vinho flui rubro ao longo das gerações
Como o rio do tempo e no árduo caminho
Nos invada sua música, seu fogo e seus leões.
Na noite do júbilo ou na jornada adversa
Exalta a alegria ou mitiga o espanto
E a exaltação nova que este dia lhe canto
Outrora a cantaram o árabe e o persa.
Vinho, ensina-me a arte de ver minha própria história
Como se esta já fora cinza na memória.

A LOTERIA DA BABILÔNIA
Jorge Luís Borges
Como todos os homens da Babilônia, fui pro-cônsul; como todos, escravo; também conheci a onipotência, o opróbrio, os cárceres. Olhem: à minha mão direita falta-lhe o indicador. Olhem: por este rasgão da capa vê-se no meu estômago uma tatuagem vermelha: é o segundo símbolo, Beth. Esta letra, nas noites de lua cheia, confere-me poder sobre os homens cuja marca é Ghimel, mas sujeita-me aos de Alep, que nas noites sem lua devem obediência aos de Ghimel. No crepúsculo do amanhecer, num sótão, jugulei ante uma pedra negra touros sagrados. Durante um ano da Lua, fui declarado invisível: gritava e não me respondiam, roubava o pão e não me decapitavam. Conheci o que ignoram os gregos: a incerteza. Numa câmara de bronze, diante do lenço silencioso do estrangulador, a esperança foi-me fiel; no rio dos deleites, o pânico. Heraclides Pôntico conta com admiração que Pitágoras se lembrava de ter sido Pirro e antes Euforbo e antes ainda um outro mortal; para recordar vicissitudes análogas não preciso recorrer à morte, nem mesmo à impostura.
Devo essa variedade quase atroz a uma instituição que outras repúblicas desconhecem ou que nelas trabalha de forma imperfeita e secreta: a loteria. Não indaguei a sua história; sei que os magos não conseguem por-se de acordo; sei dos seus poderosos propósitos; o que pode saber da Lua o homem não versado em astrologia. Sou de um país vertiginoso onde a loteria é a parte principal da realidade: até o dia de hoje, pensei tão pouco nela como na conduta dos deuses indecifráveis ou do meu coração. Agora longe da Babilônia e dos seus estimados costumes, penso com certo espanto na loteria e nas conjecturas blasfemas que ao crepúsculo murmuram os homens velados.
Meu pai contava que antigamente — questão de séculos, de anos? — a loteria na Babilônia era um jogo de caráter plebeu. Referia (ignoro se com verdade) que os barbeiros trocavam por moedas de cobre, retângulos de osso ou de pergaminho adornados de símbolos. Em pleno dia verificava-se um sorteio: os contemplados recebiam, sem outra confirmação da sorte, moedas cunhadas de prata. O procedimento era elementar, como os senhores vêem.
Naturalmente, essas “loterias” fracassaram. A sua virtude moral era nula. Não se dirigiam a todas as faculdades do homem: unicamente à sua esperança. Diante da indiferença pública, os mercadores que fundaram essas loterias venais começaram a perder dinheiro. Alguém esboçou uma reforma: a intercalação de alguns números adversos no censo dos números favoráveis. Mediante essa reforma, os compradores de retângulos numerados expunham-se ao duplo risco de ganhar uma soma e de pagar uma multa, às vezes vultosa. Esse leve perigo (em cada trinta números favoráveis havia um número aziago) despertou, como é natural, o interesse do público. Os babilônios entregaram-se ao jogo. O que não adquiria sortes era considerado um pusilânime, um apoucado. Com o tempo esse desdém justificado duplicou-se. Eram desprezados aqueles que não jogavam, mas também o eram os que perdiam e abonavam a multa. A Companhia (assim começou então a ser chamada) teve que velar pelos ganhadores, que não podiam cobrar os prêmios se nas caixas faltasse a importância quase total das multas. Propôs uma ação judicial contra os perdedores: o juiz condenou-os a pagar a multa original e as custas, ou a uns dias de prisão. Todos optaram pelo cárcere, para defraudar a Companhia. Dessa bravata de uns poucos nasce todo o poder da Companhia: o seu valor eclesiástico, metafísico.
Pouco depois, as informações dos sorteios omitiram as referências de multas e limitaram-se a publicar os dias de prisão que designava cada número adverso. Esse laconismo, quase inadvertido a seu tempo, foi de capital importância. Foi o primeiro aparecimento, na loteria, de elementos não pecuniários. O êxito foi grande. Instada pelos jogadores, a Companhia viu-se obrigada a aumentar os números adversos.
Ninguém ignora que o povo da Babilônia é devotíssimo à lógica, e ainda à simetria. Era incoerente que se computassem os números ditosos em moedas redondas e os infaustos em dias e noites de cárcere. Alguns moralistas raciocinaram que a posse das moedas não determina sempre a felicidade e que outras formas de ventura são talvez mais diretas.
Inquietações diversas propagavam-se nos bairros desfavorecidos. Os membros do colégio sacerdotal multiplicavam as apostas e gozavam de todas as vicissitudes do terror e da esperança; os pobres (com inveja razoável ou inevitável) sabiam-se excluídos desse vaivém, notoriamente delicioso. O justo desejo de que todos, pobres e ricos, participassem por igual na loteria, inspirou uma indignada agitação, cuja memória os anos não apagaram. Alguns obstinados não compreenderam (ou simularam não compreender) que se tratava de uma ordem nova, de uma necessária etapa histórica… Um escravo roubou um bilhete carmesim, que no sorteio lhe deu direito a que lhe queimassem a língua. O código capitulava essa mesma pena para o que roubava um bilhete. Alguns babilônios argumentavam que merecia o ferro candente, na sua qualidade de ladrão; outros, magnânimos, que se devia condená-lo ao carrasco porque assim o havia determinado o azar… Houve distúrbios, houve efusões lamentáveis de sangue; mas a gente babilônica finalmente impôs a sua vontade, contra a oposição dos ricos. O povo conseguiu plenamente os seus generosos fins. Em primeiro lugar, conseguiu que a Companhia aceitasse a soma do poder público. (Essa unificação era indispensável, dada a vastidão e complexidade das novas operações.) Em segunda etapa, conseguiu que a loteria fosse secreta, gratuita e geral. Ficou abolida a venda mercenária de sortes. Iniciado nos mistérios de Bel, todo homem livre participava automaticamente dos sorteios sagrados, que se efetuavam nos labirintos do deus de sessenta em sessenta noites e que demarcavam o seu destino até o próximo exercício. As conseqüências eram incalculáveis. Uma jogada feliz podia motivar-lhe a elevação ao concílio dos magos ou a detenção de um inimigo (conhecido ou íntimo), ou a encontrar, nas pacíficas trevas do quarto, a mulher que começava a inquietá-lo ou que não esperava rever; uma jogada adversa: a mutilação, a infâmia, a morte. Às vezes, um fato apenas — o vil assassinato de C, a apoteose misteriosa de B — era a solução genial de trinta ou quarenta sorteios. Combinar as jogadas era difícil; mas convém lembrar que os indivíduos da Companhia eram ( e são) todo-poderosos e astutos. Em muitos casos, teria diminuído a sua virtude o conhecimento de que certas felicidades eram simples fábrica do acaso; para frustrar esse inconveniente, os agentes da Companhia usavam das sugestões e da magia. Os seus passos e os seus manejos eram secretos. Para indagar as íntimas esperanças e os íntimos terrores de cada um, dispunham de astrólogos e de espiões. Havia certos leões de pedra, havia uma latrina sagrada chamada Qaphqa, havia algumas fendas no poeirento aqueduto que, conforme a opinião geral, levavam à Companhia; as pessoas malignas ou benévolas depositavam delações nesses sítios. Um arquivo alfabético recolhia essas notícias de veracidade variável.
Por incrível que pareça, não faltavam murmúrios. A Companhia, com a sua habitual discrição, não replicou diretamente. Preferiu rabiscar nos escombros de uma fábrica de máscaras um argumento breve, que agora figura nas escrituras sagradas. Essa peça doutrinal observava que a loteria é uma interpolação da casualidade na ordem do mundo e que aceitar erros não é contradizer o acaso: é confirmá-lo. Salientava, da mesma maneira, que esses leões e esse recipiente sagrado, ainda que não desautorizados pela Companhia (que não renunciava ao direito de os consultar), funcionavam sem garantia oficial.
Essa declaração apaziguou os desassossegos públicos. Também produziu outros efeitos, talvez não previstos pelo autor. Modificou profundamente o espírito e as operações da Companhia. Pouco tempo me resta; avisam-nos que o navio está para zarpar; mas tratarei de os explicar.
Por inverossímil que seja, ninguém tentara até então uma teoria geral dos jogos. O babilônio é pouco especulativo. Acata os ditames do acaso, entrega-lhes a vida, a esperança, o terror pânico, mas não lhe ocorre investigar as suas leis labirínticas, nem as esferas giratórias que o revelam. Não obstante, a declaração oficiosa que mencionei instigou muitas discussões de caráter jurídico-matemático. De uma delas nasceu a seguinte conjectura: Se a loteria é uma intensificação do acaso, uma periódica infusão do caos no cosmos, não conviria que a casualidade interviesse em todas as fases do sorteio e não apenas numa? Não é irrisório que o acaso dite a morte de alguém e que as circunstâncias dessa morte — a reserva, a publicidade, o prazo de uma hora ou de um século — não estejam subordinadas ao acaso? Esses escrúpulo tão justos provocaram, por fim, uma reforma considerável, cujas complexidades (agravadas por um exercício de séculos) só as entendem alguns especialistas, mas que intentarei resumir, embora de modo simbólico.
Imaginemos um primeiro sorteio que decrete a morte de um homem. Para o seu cumprimento procede-se a um outro sorteio, que propõe (digamos) nove executores possíveis. Desses executores quatro podem iniciar um terceiro sorteio que dirá o nome do carrasco, dois podem substituir a ordem infeliz por uma ordem ditosa (o encontro de um tesouro, digamos), outro exacerbará (isto é, a tornará infame ou a enriquecerá de torturas), outros podem negar-se a cumpri-la… Tal é o esquema simbólico. Na realidade o número de sorteios é infinito. Nenhuma decisão é final, todas se ramificam noutras. Os ignorantes supõem que infinitos sorteios requerem um tempo infinito; em verdade, basta que o tempo seja infinitamente subdivisível, como o ensina a famosa parábola do Certame com a Tartaruga. Essa infinitude condiz admiravelmente com os sinuosos números do Acaso e com o Arquétipo Celestial da Loteria, que os platônicos adoram… Um eco disforme dos nossos ritos parece ter reboado no Tibre: Ello Lampridio, na Vida de Antonino Heliogábalo, refere que este imperador escrevia em conchas as sortes que destinava aos convidados, de forma que um recebia dez libras de ouro, e outro, dez moscas, dez leirões, dez ossos. É lícito lembrar que Heliogábalo foi educado na Ásia Menor, entre os sacerdotes do deus epônimo.

Também há sorteios impessoais, de objetivo indefinido; um ordena que se lance às águas do Eufrates uma safira de Taprobana; outro, que do alto de uma torre se solte um pássaro, outro, que secularmente se retire (ou se acrescente) um grão de areia aos inumeráveis que há na praia. As conseqüências são, às vezes, terríveis.
Sob o influxo benfeitor da Companhia, os nossos costumes estão saturados de acaso. O comprador de uma dúzia de ânforas de vinho damasceno não estranhará se uma delas contiver um talismã ou uma víbora; o escrivão que redige um contrato não deixa quase nunca de introduzir algum dado errôneo; eu próprio, neste relato apressado, falseei certo esplendor, certa atrocidade. Talvez, também, uma misteriosa monotonia… Os nossos historiadores, que são os mais perspicazes da orbe, inventaram um método para corrigir o acaso; é de notar que as operações desse método são (em geral) fidedignas; embora, naturalmente, não se divulguem sem alguma dose de engano. Além disso, nada tão contaminado de ficção como a história da Companhia… Um documento paleográfico, exumado num templo, pode ser obra de um sorteio de ontem ou de um sorteio secular. Não se publica um livro sem qualquer divergência em cada um dos exemplares. Os escribas prestam juramento secreto de omitir, de intercalar, de alterar. Também se exerce a mentira indireta.

A Companhia, com modéstia divina, evita toda publicidade. Os seus agentes, como é óbvio, são secretos; as ordens que distribui continuamente (talvez incessantemente) não diferem das que prodigalizam os impostores. Para mais, quem poderá gabar-se de ser um simples impostor? O bêbado que improvisa um mandato absurdo, o sonhador que desperta de súbito e estrangula a mulher a seu lado, não executam, porventura, uma secreta decisão da Companhia? Esse funcionamento silencioso, comparável ao de Deus, provoca toda espécie de conjecturas. Uma insinua abominavelmente que há séculos não existe a Companhia e que a sacra desordem das nossas vidas é puramente hereditária, tradicional; outra julga-a eterna e ensina que perdurará até a última noite, quando o último deus aniquilar o mundo. Outra afiança que a Companhia é onipotente, mas que influi somente em coisas minúsculas: no grito de um pássaro, nos matizes da ferrugem e do pó, nos entressonhos da madrugada. Outra, por boca de heresiarcas mascarados, que nunca existiu nem existirá. Outra, não menos vil, argumenta que é indiferente afirmar ou negar a realidade da tenebrosa corporação, porque a Babilônia não é outra coisa senão um infinito jogo de acasos.

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2015

Papo de Cinema


Coisa de cinema 
Por Orlando Senna

Creio que muitos de vocês já usaram ou ouviram a expressão “coisa de cinema” (ou simplesmente “de película”, como dizem os hispânicos), significando algo bonito, diferente, estranho, espetacular ou que se trata de uma mentira ou exagero. Uma vertente das coisas de cinema são as lendas cinematográficas, no mesmo sentido que damos a lendas urbanas ou lendas industriais — fatos que podem ter acontecido realmente mas não se tem certeza ou não se sabe exatamente como aconteceram e, por isso, as lacunas são preenchidas com a imaginação.
Glauber Rocha, com seu jeito muito peculiar de ser cineasta, é um manancial dessas lendas, uma fonte que está se tornando inesgotável com o passar do tempo, de vez em quando escuto uma história nova sobre seu comportamento atrás e diante das câmeras ou com pessoas que cruzaram seu caminho em sets de gravação, mesas de debates ou polêmicas (sobre seu famoso discurso nas ruas de Veneza, em 1980, já ouvi muitas versões diferentes e às vezes contraditórias).
Versa uma das lendas de Glauber que, durante a realização de Barravento, ele queria que a atriz Lucy Carvalho pisasse em uma poça d’água em uma das cenas e ela recusou, dizendo que a água estava suja, contaminada. Ele encheu as mãos com a água, mostrando que estava límpida, transparente, incolor. Os argumentos não convenceram a Lucy e, como ele queria aquela água e aqueles pés no seu filme, bebeu a água da poça. Lucy se curvou a esse argumento, a cena foi feita e Glauber baixou ao hospital com terrível disenteria.
Indo lá para o início da história, para os primeiros anos do cinema, encontramos duas lendas que estão diretamente ligadas à linguagem audiovisual, à magia dessa linguagem. Os irmãos Lumière, inventores do cinema, também inventaram os cinegrafistas ao ensinar a alguns fotógrafos como operar câmeras cinematográficas. Um desses cinegrafistas e seu jovem assistente foram mandados a Veneza para documentar a cidade, para fazer “vistas”, como se dizia na época.
Navegando em um dos canais de Veneza, em direção a uma praça onde iam ancorar a câmera e o tripé, o assistente reparou na beleza das casas passando lentamente diante de seus olhos. Disse ao chefe, ao cinegrafista, que ele devia filmar esse movimento e ouviu um sermão de quem entendia do assunto: “não se pode filmar com a câmera em movimento, sai tudo borrado, a câmera tem de ser fixa”. O jovem insistiu, chamou para uma aposta e o cinegrafista filmou. Sua intenção era demonstrar o absurdo do pedido do rapaz. Revelaram o filme e se deram conta que tinham inventado os movimentos de câmera, um dos fundamentos da linguagem.
Georges Méliès, o ilusionista, o mágico de teatro que se deu conta que o cinema podia narrar ficções, estava filmando o tráfego de uma avenida de Paris, a câmera fixa no chão. Pessoas e carros passando. Sem ele perceber, a grifa da câmera travou por alguns segundos e voltou a funcionar. Grifa é a peça em forma de garfo que, nas câmeras antigas, puxa a fita de celuloide para que ela fotografe 24 vezes por segundo. Com a pane da grifa, a câmera parou de filmar durante uns instantes. Ao revelar o filme Méliès se assustou e logo se maravilhou: na tela, um ônibus se transformava instantaneamente em um carro fúnebre. De uma só tacada o ilusionista havia descoberto a montagem e os efeitos especiais.
Mas vamos voltar ao cinema brasileiro, encerrando com uma lenda protagonizada pelo cineasta William Cobbett, do Rio Grande do Norte, diretor de Jesuino Brilhante, o Cangaceiro e outros filmes. Aliás (outra lenda) Cobbett já havia sido abordado por um ator que queria comprar seu nome, por ser charmoso e chamativo. No início da década 1970, Cobbett produziu um filme modesto sobre A vida de Jesus Cristo, baixo orçamento, e pediu apoio para o lançamento ao presidente da Embrafilme, o brigadeiro Armando Tróia.

O produtor queria lançar o filme imediatamente, podia ser um circuito pequeno. Mas o militar presidente da empresa teve uma ideia luminosa: “temos de lançar esse filme em Roma, no Vaticano”. Cobbett tentou demovê-lo, isso levaria anos e ele precisava de alguma bilheteria agora, tinha dívidas de produção a saldar. O presidente da Embrafilme surtou com a própria ideia, uma Vida de Cristo brasileira no Vaticano, exibição pública na Praça de São Pedro. E Cobbett desesperado, “eu estava falando da Baixada Fluminense”. Não teve jeito, tinha de ser em Roma, com a presença do Papa. Não aconteceu nada, é claro, e Cobbett ganhou a discussão, o filme foi exibido em um circuito periférico. Só que um ano depois.

terça-feira, 3 de fevereiro de 2015

PETROBRÁS



Quanto vale a Petrobras
Mauro Santayana
O adiamento do balanço da Petrobras do terceiro trimestre do ano passado foi um equívoco estratégico da direção da companhia, cada vez mais vulnerável à pressão que vem recebendo de todos os lados, que deveria, desde o início do processo, ter afirmado que só faria a baixa contábil dos eventuais prejuízos com a corrupção, depois que eles tivessem, um a um, sua apuração concluída, com o avanço das investigações.
A divulgação do balanço há poucos dias, sem números que não deveriam ter sido prometidos, levou a nova queda no preço das ações.
E, naturalmente, a novas reações iradas e estapafúrdias, com mais especulação sobre qual seria o valor - subjetivo, sujeito a flutuação, como o de toda empresa de capital aberto presente em bolsa - da Petrobras, e o aumento dos ataques por parte dos que pretendem aproveitar o que está ocorrendo para destruir a empresa - incluindo hienas de outros países - vide as últimas idiotices do Financial Times - que adorariam estraçalhar e dividir, entre baba e dentes, os eventuais despojos de uma das maiores empresas petrolíferas do mundo.
O que importa mais na Petrobras?
O valor das ações, espremido também por uma campanha que vai muito além da intenção de sanear a empresa e combater eventuais casos de corrupção e que inclui de apelos, nas redes sociais, para que consumidores deixem de abastecer seus carros nos postos BR; à aberta torcida para que “ela quebre, para acabar com o governo”; ou para que seja privatizada, de preferência, com a entrega de seu controle para estrangeiros, para que se possa - como afirmou um internauta - pagar um real por litro de gasolina, como nos EUA " ?
Para quem investe em bolsa, o valor da Petrobras se mede em dólares, ou em reais, pela cotação do momento, e muitos especuladores estão fazendo fortunas, dentro e fora do Brasil, da noite para o dia, com a flutuação dos títulos derivada, também, da campanha antinacional em curso, refletida no clima de “terrorismo” e no desejo de "jogar gasolina na fogueira", que tomou conta dos espaços mais conservadores - para não dizer golpistas, fascistas, até mesmo por conivência - da internet.
Para os patriotas, e ainda os há, graças a Deus, o que importa mais, na Petrobras, é seu valor intrínseco, simbólico, permanente, e intangível, e o seu papel estratégico para o desenvolvimento e o fortalecimento do Brasil.
Quanto vale a luta, a coragem, a determinação, daqueles que, em nossa geração, foram para as ruas e para a prisão, e apanharam de cassetete e bombas de gás, para exigir a criação de uma empresa nacional voltada para a exploração de uma das maiores riquezas econômicas e estratégicas da época, em um momento em que todos diziam que não havia petróleo no Brasil, e que, se houvesse, não teríamos, atrasados e subdesenvolvidos que “somos”, condições técnicas de explorá-lo ?
Quanto vale a formação, ao longo de décadas, de uma equipe de 86.000 funcionários, trabalhadores, técnicos e engenheiros, em um dos segmentos mais complexos da atuação humana?
Quanto vale a luta, o trabalho, a coragem, a determinação daqueles, que, não tendo achado petróleo em grande quantidade em terra, foram buscá-lo no mar, batendo sucessivos recordes de poços mais profundos do planeta; criaram soluções, "know-how", conhecimento; transformaram a Petrobras na primeira referência no campo da exploração de petróleo a centenas, milhares de metros de profundidade; a dezenas, centenas de quilômetros da costa; e na mais premiada empresa da história da OTC - Offshore Technology Conferences, o "Oscar" tecnológico da exploração de petróleo em alto mar, que se realiza a cada dois anos, na cidade de Houston, no Texas, nos Estados Unidos ?
Quanto vale a luta, a coragem, a determinação, daqueles que, ao longo da história da maior empresa brasileira - condição que ultrapassa em muito, seu eventual valor de "mercado" - enfrentaram todas as ameaças à sua desnacionalização, incluindo a ignominiosa tentativa de alterar seu nome, retirando-lhe a condição de brasileira, mudando-o para "Petrobrax", durante a tragédia privatista e “entreguista” dos anos 1990 ?
Quanto vale uma companhia presente em 17 países, que provou o seu valor, na descoberta e exploração de óleo e gás, dos campos do Oriente Médio ao Mar Cáspio, da costa africana às águas norte-americanas do Golfo do México ?
Quanto vale uma empresa que reuniu à sua volta, no Brasil, uma das maiores estruturas do mundo em Pesquisa e Desenvolvimento, no Rio de Janeiro, trazendo para cá os principais laboratórios, fora de seus países de origem, de algumas das mais avançadas empresas do planeta?
Por que enquanto virou moda - nas redes sociais e fora da internet - mostrar desprezo, ódio e descrédito pela Petrobras, as mais importantes empresas mundiais de tecnologia seguem acreditando nela, e querem desenvolver e desbravar, junto com a maior empresa brasileira, as novas fronteiras da tecnologia de exploração de óleo e gás em águas profundas?
Por que em novembro de 2014, há apenas pouco mais de três meses, portanto, a General Electric inaugurou, no Rio de Janeiro, com um investimento de 1 bilhão de reais, o seu Centro Global de Inovação, junto a outras empresas que já trouxeram seus principais laboratórios para perto da Petrobras, como a BG, a Schlumberger, a Halliburton, a FMC, a Siemens, a Baker Hughes, a Tenaris Confab, a EMC2 a V&M e a Statoil ?
Quanto vale o fato de a Petrobras ser a maior empresa da América Latina, e a de maior lucro em 2013 - mais de 10 bilhões de dólares - enquanto a PEMEX mexicana, por exemplo, teve um prejuízo de mais de 12 bilhões de dólares no mesmo período ?
Quanto vale o fato de a Petrobras ter ultrapassado, no terceiro trimestre de 2014, a EXXON norte-americana como a maior produtora de petróleo do mundo, entre as maiores companhias petrolíferas mundiais de capital aberto ?
É preciso tomar cuidado com a desconstrução artificial, rasteira, e odiosa, da Petrobras e com a especulação com suas potenciais perdas no âmbito da corrupção, especulação esta que não é apenas econômica, mas também política.
A PETROBRAS teve um faturamento de 305 bilhões de reais em 2013, investe mais de 100 bilhões de reais por ano, opera uma frota de 326 navios, tem 35.000 quilômetros de dutos, mais de 17 bilhões de barris em reservas, 15 refinarias e 134 plataformas de produção de gás e de petróleo.
É óbvio que uma empresa de energia com essa dimensão e complexidade, que, além dessas áreas, atua também com termoeletricidade, biodiesel, fertilizantes e etanol, só poderia lançar em balanço eventuais prejuízos com o desvio de recursos por corrupção, à medida que esses desvios ou prejuízos fossem “quantificados” sem sombra de dúvida, para depois ser - como diz o “mercado” - "precificados", um por um, e não por atacado, com números aleatórios, multiplicados até quase o infinito, como tem ocorrido até agora.
As cifras estratosféricas (de 10 a dezenas de bilhões de reais), que contrastam com o dinheiro efetivamente descoberto e desviado para o exterior até agora, e enchem a boca de "analistas", ao falar dos prejuízos, sem citar fatos ou documentos que as justifiquem, lembram o caso do "Mensalão".
Naquela época, adversários dos envolvidos cansaram-se de repetir, na imprensa e fora dela, ao longo de meses a fio, tratar-se a denúncia de Roberto Jefferson, depois de ter um apaniguado filmado roubando nos Correios, de o "maior escândalo da história da República", bordão esse que voltou a ser utilizado maciçamente, agora, no caso da Petrobras.
Em dezembro de 2014, um estudo feito pelo instituto Avante Brasil, que, com certeza não defende a “situação”, levantou os 31 maiores escândalos de corrupção dos últimos 20 anos.
Nesse estudo, o “mensalão” - o nacional, não o “mineiro” - acabou ficando em décimo-oitavo lugar no ranking, tendo envolvido menos da metade dos recursos do “trensalão” tucano de São Paulo e uma parcela duzentas menor que a cifra relacionada ao escândalo do Banestado, ocorrido durante o mandato de Fernando Henrique Cardoso, que, em primeiríssimo lugar, envolveu, segundo o levantamento, em valores atualizados, aproximadamente 60 bilhões de reais.
E ninguém, absolutamente ninguém, que dizia ser o mensalão o maior dos escândalos da história do Brasil, tomou a iniciativa de tocar, sequer, no tema - apesar do “doleiro” do caso Petrobras, Alberto Youssef, ser o mesmo do caso Banestado - até agora.
Os problemas derivados da queda da cotação do preço internacional do petróleo não são de responsabilidade da Petrobras e afetam igualmente suas principais concorrentes.
Eles advém da decisão tomada pela Arábia Saudita de tentar quebrar a indústria de extração de óleo de xisto nos Estados Unidos, aumentando a oferta saudita e diminuindo a cotação do produto no mercado global.
Como o petróleo extraído pela Petrobras destina-se à produção de combustíveis para o próprio mercado brasileiro, que deve aumentar com a entrada em produção de novas refinarias, como a Abreu e Lima; ou para a “troca” por petróleo de outra graduação, com outros países, a empresa deverá ser menos prejudicada por esse processo.
A produção de petróleo da companhia está aumentando, e também as descobertas, que já somam várias depois da eclosão do escândalo.
E, mesmo que houvesse prejuízo - e não há - na extração de petróleo do pré-sal, que já passa de 500.000 barris por dia, ainda assim valeria a pena para o país, pelo efeito multiplicador das atividades da empresa, que garante, com a política de conteúdo nacional mínimo, milhares de empregos qualificados na construção naval, na indústria de equipamentos, na siderurgia, na metalurgia, na tecnologia.
A Petrobras foi, é e será, com todos os seus problemas, um instrumento de fundamental importância estratégica para o desenvolvimento nacional, e especialmente para os estados onde tem maior atuação, como é o caso do Rio de Janeiro.
Em vez de acabar com ela, como muitos gostariam, o que o Brasil precisaria é ter duas, três, quatro, cinco Petrobras.
É necessário punir os ladrões que a assaltaram ?
Ninguém duvida disso.
Mas é preciso lembrar, também, uma verdade cristalina.
A Petrobras não é apenas uma empresa.
Ela é uma Nação.
Um conceito.
Uma bandeira.
E por isso, seu valor é tão grande, incomensurável, insubstituível.
Esta é a crença que impulsiona os que a defendem.
E, sem dúvida alguma, também, a abjeta motivação que está por trás dos canalhas que pretendem destruí-la."