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sexta-feira, 29 de agosto de 2014

REVISÃO POLÍTICA


Primeira Visão
No debate da Band mostrou-se a burrice da mentira política deste país.
Nada será resolvido se tudo continuar como está.
Sem a composição do toma lá da cá nada se aprova no universo político legislativo do país.
Como então estancar a mediocridade que hoje ocupa a vida política?
Vimos então à ingenuidade falar mais alto que a competência de transformar esse país.
Nenhum dos candidatos, por mais bem intencionados que eles possam ser, terão condições de governar o país com liberdade transformadora que eles tanto apregoaram neste primeiro debate.
Assim por mais que tenha me impressionado o candidato do PV, eu sei que ele estará engessado pelo sistema e em verdade nada poderá se fazer de diferente do que hoje faz a presidente Dilma.
A mais pura fanfarrice foi representada pelos dois idiotas que estavam ali para fazer jogo de cena.
A candidata do PSOL abandonada no seu canto mas me pareceu uma estudante que pedia para ser ouvida e não era atendida e muito menos entendida.
Aécio é mais reacionário que os dois idiotas que nada tinham a oferecer ao debate. Todos falam o mesmo verbo dos interesses privatistas.
A Marina vive o sonho cristão das mãos dadas em um país antropofágico onde ninguém se entende e cada um quer levar vantagem em cima do outro e onde também ninguém tem nada para oferecer ao povo pois todos os brasileiros perderam sua identidade cultural e hoje são marginalizados pelo poder público que se vende aos interesses do mercado.
Assim meus queridos amigos, entre todos PERDIDOS candidatos eu ainda fico com a presidente DILMA.

 Meus amigos,
Não voto no PT, mas voto na Dilma (13) para presidente.
Não voto no PCB, mas voto no Eduardo Serra (211) para senador.
Não voto no PSOL, mas voto no Jean Wyllys (5005) para deputado federal.
Não voto no PSD, mas voto no Roberto Henriques (55055) para deputado estadual.
Não voto em partidos, voto em pessoas.
E você?

UMA REFLEXÃO SOBRE A CRISE DO CAPITALISMO
Sergio Granja
Desde meados de 2007, o sistema capitalista entrou em crise. O que se pretende dizer com isso é que o capital, valor em processo de valorização, entrou em processo de desvalorização. A crise do capital é, por conseguinte, a desmedida do valor, ou seja, o valor que perde a sua medida porque se desvaloriza. É claro que estamos tratando aqui do valor de troca. Mas, é bom que se diga, a mercadoria não é só valor de troca, ela é também valor de uso. Ocorre que, no capitalismo, o valor de uso está subsumido ao valor de troca. E, quando se fala em crise do capital, está se falando do valor que se desvaloriza como valor de troca.
Se olharmos o mesmo processo do ponto de vista do valor de uso, a conclusão será diferente. Por exemplo. Temos um enorme deficit habitacional; logo, há carência de novas habitações para satisfazer as necessidades humanas de milhões. Pelo ângulo desses milhões de sem teto, há uma brutal crise. Mas o problema é que o sistema é capitalista e nele só se reconhecem as demandas do mercado consumidor. Essas necessidades evidenciadas pelo deficit de moradias estão fora de mercado, porque o poder aquisitivo dos pobres é baixo e, em consequência, o seu consumo é pouco.
Resultado, embora para os pobres haja uma brutal crise de moradia, para a indústria da construção civil não há crise nenhuma, desde que o mercado de imóveis esteja “aquecido”, desde que exista gente com dinheiro interessada em comprar imóveis, permitindo desse modo que os capitais aí investidos se valorizem. Assim, a tendência é que o capital gere crises de superprodução em situações de carência: superprodução de moradias em meio a uma população com gente sem teto, superprodução de alimentos em meio a uma população com gente faminta, superprodução de roupas em meio a uma população com gente descamisada, superprodução de sapatos em meio a uma população com gente descalça, etc. É por isso que se diz que o capital tende a gerar uma oferta superior à demanda. É porque o que qualifica a demanda é o poder aquisitivo dos consumidores e não as necessidades humanas postas pela população.
Como se pode ver, a crise do capital não se produz por carência, mas por abundância, exuberância; não por falta, mas por excesso, pletora. A hýbris do capital não reconhece limites na sua ânsia pelo lucro máximo. E é a hýbris do capital que cria suas formas amalucadas: o capital fictício, lastreado em papéis supervalorizados, que, por sua vez, estão lastreados em coisa nenhuma, pura ilusão de valor (mas, atenção, o capital é mestre em vender ilusões!)
No seu afã de acumulação, o capital vai transformando tudo em mercadoria. E não apenas a força de trabalho tem o seu valor de troca no salário, mas tudo o mais tem o seu valor em moeda, inclusive os valores morais e a honra pessoal. Como a gente cansa de ouvir, “tudo tem seu preço”. E por aí fica claro que a consciência também pode ser comprada. É por isso que se diz que a corrupção no capitalismo é sistêmica: é porque ela está inscrita na lógica mercantil do capital.
Quer ver só? Em meio à discussão do financiamento público das campanhas eleitorais, um cientista político, professor de uma universidade gaúcha, manifestou-se contra a ideia e sugeriu, em seu lugar, duas iniciativas: (a) a redução do tempo de campanha (debater pra quê?), como forma de barateá-la; e, de quebra, (b) incentivo fiscal para o financiamento privado das candidaturas.
Assim, a privatização das eleições se faria com financiamento público (que já é praxe em termos de privatização!) e o capital estaria no melhor dos mundos, pagando com dinheiro público (renúncia fiscal) a eleição da bancada dos seus sonhos. Desse modo, o capital aperfeiçoaria a já dada mercantilização do voto, aprimorando o mercado eleitoral que aí está.
Mas, do mesmo modo que há duas maneiras de avaliar a crise ─ do horizonte próprio do valor de troca ou do horizonte próprio do valor de uso ─, assim também há duas perspectivas para o seu enfrentamento: do ponto de vista dos capitalistas ou do ponto de vista dos trabalhadores.
Para o capitalista, trata-se de recolocar a economia nos eixos do mercado. E, embora sua predileção seja liberal, seu senso prático não renuncia ao estatismo. Então, o burguês liberal recorre ao Estado para salvar o mercado. Como? De várias formas, mas principalmente transferindo renda pública para a empresa privada em bancarrota, socorrendo a livre iniciativa malsucedida; em suma, privatizando lucros e socializando prejuízos. E o faz com tal ênfase, que não seria abusivo dizer: no final das contas, o capitalismo resulta em uma espécie de “socialismo dos ricos”.
Assim, o Estado burguês repõe a economia capitalista nos eixos do mercado. Até a próxima crise. Sim, porque a crise é da própria essência do regime do capital: desde 1854, o sistema capitalista contabiliza trinta e quatro crises econômicas.
Já para o trabalhador, é o caso de dar curso a uma reformulação profunda, para que a produção satisfaça as necessidades humanas colocadas pela população, em vez de atender à demanda imposta pelo poder aquisitivo do mercado. O móvel dessa nova economia terá que ser o bem-estar social (no lugar do lucro, que move a economia de mercado). Mas está aí algo muito fácil de conceber e muito difícil de fazer.
É fácil de conceber porque salta à vista como uma necessidade para se fazer face à barbárie do capitalismo. É difícil de fazer porque é um ato de vontade que não depende só da disposição militante de uma vanguarda esclarecida e aguerrida, mas do consentimento ativo da imensa maioria da população. Sua dificuldade não se restringe ao terreno da economia nem é de ordem exclusivamente técnica. É uma dificuldade que só pode ser resolvida na esfera da política, da correlação de forças entre as classes sociais. Por isso, requer o empreendimento de uma longa marcha ─ caminhada de caminhantes que abrem caminho ao caminhar ─ através de sucessivos embates reivindicatórios, políticos, ideológicos, culturais, nos quais o que está em jogo é, em última instância, a hegemonia na sociedade (hegemonia = capacidade de dar direção a um conjunto variegado de forças).
Para começar uma grande marcha, só é preciso dar o primeiro passo.
Esse primeiro passo já foi dado pelos que nos precederam, há muitos anos. Portanto, estamos em meio à marcha. Há aí uma boa e uma má notícia. A má notícia é que sofremos duros reveses nessa caminhada. A boa notícia é que, apesar de tudo, a esperança não nos abandonou e aprendemos ao caminhar.

segunda-feira, 25 de agosto de 2014

Conto de Reis

A PEQUENA ESTÓRIA DA BUNEKA
                                         
 Fabio Carvalho
O cinema é a arte de filmar a morte em seu trabalho.
Jean Cocteau

Desde criança era atraído por aqueles seres diferentes que não tinham casa e moravam na rua. Esse fascínio era também formado pelo medo da impressão que me rondava: talvez pudesse me tornar um deles, medo que só me abandonou há poucos anos, quando percebi definitivamente que não tenho vocação para tamanha liberdade. Assim o mestre Jean Renoir definiu o homem da rua: o único ser humano totalmente livre. Livre do relógio, livre dos compromissos, livre das satisfações, livre das obrigações, livre do retorno e de tudo mais, será? Não sei dizer. O que sei é que muitos, ao contrário do que se imagina, levam a vida assim por opção consciente ou inconsciente. Não mais aceitariam trocar essa forma de existência por um endereço fixo com todas as limitações que este conforto acarreta. Antes de adentrar no assunto que me proponho escrevendo este texto, vou ilustrar o que afirmo acima com o que me contou um senhor meu amigo no café Benza Deus outro dia pela manhã. Ele foi jantar com sua mulher num restaurante muito bom perto do seu escritório. Após se fartarem de beber e comer, ainda restou muita comida, então ele pediu que a embalassem para levar. No caminho até o carro, se lembrou daquele homem que dorme debaixo da marquise na porta do seu trabalho, com quem nunca tinha trocado uma palavra. Teve uma crise filantrópica. Consultou a mulher se poderia dar a quentinha para o homem, prontamente ela concordou, achando que cumpririam uma boa ação pra fechar com chave-de-ouro aquela noite. O homem, que poderia ser mais velho que ele, estava encostado na parede, olhando para o outro lado, fumando uma beata que ninguém sabe de quê. Ele se aproximou e disse, extendendo o embrulho: “ô meu amigo, trouxe essa comida para você, tá quentinha viu?" No que o homem respondeu sem se alterar a virar para ele: “em primeiro lugar não sou seu amigo, em segundo não lhe pedi nada, portanto boa noite e passar bem”.
São diferenças que precisam ser observadas, nem todo morador de rua é mendigo ou pedinte, muito menos recebe donativos. Voltando ao meu nariz, comecei a lembrar das figuras da rua que perpassam meus caminhos pela vida afora. Que beleza esse meu reencontro hoje com meus papéis, minhas palavras vagantes e minha janela do infinito depois de uma curta temporada em Sampa e de um pit-stop nas serras da Mantiqueira, ainda mais, isto acontecendo no exato dia das manifestações contrárias à FIFA que inicia seus trabalhos excusos daqui a pouquinho. A barulhada vista de cima só aumenta. Pois bem, vamos às minhas personagens. Com a cronologia bastante alterada na ordem de aparição, começo por aquele que andava sempre com uma vara de pescar e enrolando os fios de sua enorme barba branca, repetindo aos berros nos momentos de surto, que o mar estava chegando e que isto ele podia afirmar, pois tinha ouvido e aprendido o que os antigos do fundo da terra vieram lhe contar.  Em geral ele era muito calmo e estava sempre com um leve sorriso na boca, como se estivesse se lembrando de alguma coisa boa. Sonhei o Guará fazendo este personagem. Meu Sabiá meu violão. Hoje, treze e treze no relógio, vejo pela janela um urubu voando em círculos bem acima das nuvens, depois em espiral veio descendo e continua, até o momento que eu tive que sair. Saí. Agora amor Doralice meu bem como é que nós vamos fazer? Outra noite transei a lua cheia iluminando o horizonte daquela Sexta-Feira friorenta de Julho. Voltando para muito antes, lembro-me bem da Tereza, uma senhora magra que vagava por vários bairros de BH, vestida com longos vestidos coloridos, com uma cabeleira malhada até os ombros, sempre borrocada por todo rosto enrugado com um batom vermelho sangue, que ela descolava não sei onde. Era muito tranquila e sorridente. Mereceu como reconhecimento pela sua personagem notável um filme de curta-metragem feito pela Andréia Queiroga no fim dos anos oitenta. A cena final, muito bonita, era exatamente ela se pintando, olhando a lente da câmera como um espelho. Tinha também aquela mulher morena com os cabelos escorridos que, durante anos a fio, ficou em pé parada numa esquina da Savassi ao lado do La Casa di Ireni. Contam que ela tinha perdido um filho que sumiu quando retornava da escola, então ela ficou ali esperando ele reaparecer do desaparecimento, em uma parte de outro mundo onde ela esperava. Era uma espécie de História de Adele H., amor para sempre irredutível e paralisado, no caso amor de mãe para com o filho homem, uma Jocasta por assim dizer. O que me interessa no cinema é a abstração, disse o Orson Welles. Finalmente cheguei a um dos grandes personagens da minha infância: Tião Beiçola. Este pra mim um caso à parte. Também já mereceu uma citação em outro curta-metragem mais recente do Gilberto Scarpa. Um breve devaneio levou-me para outro assunto, não posso esquecer o seu olhar, longe dos olhos meus. Naquele tempo na Barroca pouco habitada éramos um bando, quem sabe um cardume. Enquanto corríamos nas ruas de paralelepípedo atrás da bola de plástico branco manchado que o borracheiro da rua de cima encheu com sua bomba de ar, um vento cinza trazia a notícia que ele, o Beiçola, ia passar por ali. Enfim a aventura.  Bólido, nosso grupo trepava no murinho baixo do alpendre da Dona Alzira, em seguida alcançava os galhos altos da Mangueira com mais folhagens e lá, nos achando bem escondidos, virávamos um olho só. Aos cochichos esperávamos aquela figura passar, num misto de medo e excitação. Passados alguns minutos, ele vinha subindo com passos vigorosos pelo meio da rua, onde raramente surgia um carro, parecendo o Popeye, careca com orelhas grandes e um boné virado para trás, coisa pouco comum naquela época.
Tinha uma beiçorra etiópica, como indica seu apelido, invariavelmente com uma baba gosmenta enlaçada, se equilibrando nos movimentos à frente da feição enfurecida. Olhava com olhos lassos para todos os lados procurando avistar alguém, se sabendo observado e excluído, bastante desconfiado, passava como um desfile de Sete de Setembro, solene e achincalhado pelas maledicências da região. As boas e as más línguas contavam que ele, no passado recente, tinha tido um delírio sanguinário canibal: picado, cozinhado e devorado até os ossos um adolescente num ritual satânico. Várias são as versões sobre sua história. Era um Ogro com síndrome e fama. Acho que no fundo ele só queria ter alguém para conversar, mas ninguém estava interessado. Imprima-se a lenda. Mais pra frente, já na Serra, observei o Bréia que, ao contrário do Beiçola, era queridíssimo. Morava em frente uma banca de jornal na curvinha da Rua Amapá. Todos se preocupavam com ele: se tinha comido ou não, se estava com frio, onde ele estava se não estava no seu posto, e assim por diante. Soube que morou por muitos anos em um asilo mantido pela vizinhança e hoje montou sua própria banca de jornal num bairro distante, e vive por lá muito bem, acho que ele já deve estar beirando os oitenta. Em fim um final feliz. Precisemos. O cinema está a caminho de tão simplesmente tornar-se um meio de expressão, isso que foram todas as artes antes dele, isso o que foram em particular a pintura e o romance. Após ter sido sucessivamente uma atração de feira, uma diversão análoga ao teatro de boulevard, ou um meio de conservar imagens da época, ele se torna pouco a pouco, uma linguagem. Escreveu Alexandre Astruc em 1948. Na Serra também havia uma andarilha, agora desaparecida, que era chamada de Tina Turner. Nunca mais recobrei os sentidos depois daqueles momentos loucos quando escrevia sem direção, hoje continuo, mesmo tendo atravessado as montanhas em outra aliteração. A Tina Turner era uma mulata franzina com pernas fortes que deixava à mostra, abaixo das mini saias coloridas que ela trocava a cada dia. Tinha um cabelo alisado, pintado de amarelo até os ombros. Nunca falava nem pedia nada pra ninguém parava em frente vitrines e dava um show, fingia cantar rebolando de verdade, para seu público que era exatamente seu reflexo. Sempre um bom número de transeuntes parava para ver, o que para ela era indiferente. Há algum tempo ninguém sabe o seu paradeiro.  Ela sumiu, partiu, pra nunca mais voltar. Não voltou não. Cantava Tim Maia, acompanhado por um coro feminino. Ainda na minha primeira infância, quando tinha cinco ou seis anos, morava numa casa que o fundo dava para um lote vago com um matagal e muitas árvores. Do lado de dentro da casa o muro tinha um metro e meio mais ou menos, o lote ficava uns quatro metros abaixo. Depois mais a frente fiz várias expedições por lá, envolvendo escaladas e caçadas às ratazanas com espingarda de chumbinho. Pois bem, nesse primeiro período apareceu por lá um homem claro, barbudo e cabeludo, com duas moças maltrapilhas com trouxas nas cabeças e alguns cachorros ao redor. Lá de baixo falou com meu pai que tinha vindo do interior com as duas, que segundo ele, eram a sua esposa e a irmã dela, elas teriam perdido os pais. Ele explicou que estava pretendendo passar um tempo acampado por ali, porque tinha sido roubado na rodoviária e precisava fazer uns biscates para arrumar um dinheiro, até poder descolar um barraco para eles se acomodarem. Meu pai disse que tudo bem, o lote nem era dele e só pediu para eles não fazerem barulho à noite, nem deixarem que pegasse fogo na mata do lote, o que poderia causar um grave acidente. Eles foram ficando por ali, lá em casa desenvolvemos um sistema de corda, que descíamos com comida que minha mãe separava da nossa, três vezes ao dia, para eles. Era uma pensão completa. Todo dia, no final da manhã, antes de ir para a escola eu ficava dependurado no muro conversando com ele, que era muito falador e engraçado, ao contrário das meninas que praticamente nem os olhos levantavam para minha direção lá em cima. Uma manhã de domingo, cedo, ainda clareando, acordei todo molhado de xixi, o que às vezes me acontecia, e ouvi meu cachorro perdigueiro gemendo muito lá no quintal. Ninguém ainda tinha se levantado, então resolvi ir lá ver o que estava acontecendo. Meu cachorro estava em pé sobre duas patas, com as outras duas apoiadas no canto do muro balançando o rabo, só que não era ele que gemia. Trepei no muro e olhando na direção do som, por entre as folhagens, pude ver os três completamente nus deitados sobre um lençol quadriculado engalfinhando-se num balé esquisito. Um ménage a trois ou uma suruba, como se diz por aqui. Prendi a respiração para que não fosse percebido e assisti aquela cena dantesca para minha tenra idade até o final. Fiquei por anos sem me lembrar disso, agora essas imagens me voltaram como se as tivesse visto ontem. Acho que no dia seguinte eles desapareceram, não sei bem o que houve, mas acredito que a vizinhança deve ter corrido com eles dali, provavelmente não fui só eu que ouvi aqueles gemidos. Parto direto para estória da Buneka, simplesmente por preguiça de continuar desfiando minha coleção de personagens da rua. Pois bem, ela é mulata, com o cabelo sarará, cheio para cima e ralo para baixo, magrela como um caniço, reta como um homem. Nenhuma curva na sua compleição física. Mesmo quando grávida, que sempre acontecia, sua barriga ficava pontiaguda como triangulo e nunca redonda. Muitos falam que formato assim nasce homem, como o improvável acontece, ela teve meninas também. Nem sabe quantos filhos já pariu, acha que no total foram treze, e treze é Galo. Muito bem conversada e simpática para muitos, está sempre precisando de uma ajudinha para comprar o leitinho de cada dia, para tanto com seu sorriso 1001 conquistou os mais diversos colaboradores pelo bairro, que depois do susto da primeira visão, se compadeciam da sua figura desprovida de atrativos.  Dizem que prestava certos favores para comerciantes e moradores: quando as turminhas de usuários de crack, conhecidos por noiados, se instalavam nas imediações das suas propriedades, na madrugada munida de pedras ou algum pedaço de pau ela botava todos para correr, limpando a área, recebendo seus merecidos vinte reais. Assim ia levando a vida até que por um período desapareceu. Começaram as especulações. Alguns afirmavam que ela tinha sido morta em seguida desovada num local próximo ao Hospital da Baleia, que era conhecido para esse fim, outros que ela estava passando uma temporada no xadrez, ou ainda, tinha sido recolhida em um desses albergues para indigentes. As versões do seu assassinato eram várias. A mais frequente era que ela tinha sido enfiada dentro de um carro na Rua Oriente, junto com seu atual comparsa, e levada para a tal desova. Seus sequestradores seriam conhecidos matadores de aluguel. Surgiram requintadas narrativas de como este assassinato teria sido feito. Sereno dos meus olhos já correu. O mais criativo me deu muito a imaginar. Disseram que ela teria sido decapitada em seguida toda separada em partes e, como a Elisa Samudio do caso Bruno, jogada para os cães comerem. Eu ficava pensando no seu rosto triste, no momento em que percebeu o que fariam com ela. Senti muito esta suposta morte. Passados uns dois meses a voz da rua só falava que ela tinha voltado, e que estava até gordinha. Realmente logo a reencontrei, dei os dois reais de praxe, e ela me deu um anel para eu dar para minha “namorada”. A vida na Serra voltou ao normal.   

sexta-feira, 22 de agosto de 2014

ELEIÇÃO 2014 NO BRASIL E SUAS CONSEQUÊNCIAS NO MUNDO


Loucura Política Belicista é Bobagem


  Wayne Madsen 
O acidente de avião que matou Eduardo Campos ajuda a colocar um agente de George Soros mais perto do palácio presidencial em Brasília.
A eleição presidencial de outubro no Brasil era visto como uma caminhada sem atropelos para a atual presidente Dilma Rousseff. Isso foi até que um acidente de avião que matou o adversário de Dilma, o economista e ex-governador de Pernambuco, Eduardo Campos. Em 13 de agosto, foi relatado que o avião que transportava Campos, um candidato pró-negócios centrista, que estava em terceiro lugar, atrás do mais conservador candidato do PSDB, Aécio Neves, caiu em uma área residencial de Santos.
Campos era o candidato do ex-esquerdista, mas agora «pro-business», Partido Socialista Brasileiro. Os interesses corporativos e sionistas infiltrados neste Partido, transformou-o numa «terceira via» “pro-business” embora ainda retendo a utilização da denominação de «socialista».
É claro que uma vez que a divulgação de espionagem da Agência de Segurança dos Estados Unidos, vasculhando os e-mails e os telefones de titulares dos trabalhadores brasileiros, e também da presidente Dilma Rousseff e seus ministros, forçou o cancelamento de uma visita de um representante de Washington a Brasília, e proporcionou a aproximação do Brasil com o presidente russo Vladimir Putin e outros líderes do bloco econômico chamado de “BRICS”.
Os Estados Unidos tem tentado desestabilizar o Brasil. O Departamento de Estado e a CIA, foram à procura de elos fracos de Dilma para criar as mesmas condições de instabilidade que têm fomentado em outros países da América Latina, incluindo a Venezuela, Bolívia, Equador, Argentina, através de um padrão nacional de crédito projetada pelo sionista capitalista abutre Paulo Singer. No entanto, Dilma Rousseff, que antagonizou Washington ao anunciar, junto com outros líderes do BRICS, em Fortaleza, o estabelecimento de um banco de desenvolvimento para competir com o Banco Mundial controlado pela União Europeia e pelos EUA. A popularidade de Lula e do PT mostravam-se imbatível à reeleição. Isso certamente foi o caso, até 13 de agosto, quando Campos e quatro de seus assessores de campanha, juntamente com o piloto e co-piloto, morreram no acidente com o Cessna 560XL, matando todos a bordo.
O acidente avançou para a cabeça da chapa a sua companheira que então era a vice na corrida presidencial do “Partido Socialista” a ecológica Marina Silva. Em 2010, Marina já tinha recebido um surpreendente 20 por cento dos votos para presidente como candidata do insignificante Partido Verde. Nesta eleição Marina optou por se juntar ao ticket “pro-business” de Campos. Depois da trágica morte do titular ela é agora vista como melhor chance do Partido Socialista para derrotar Rousseff para presidente na eleição de outubro. 
Marina Silva, uma cristã evangélica, em um país católico romano, é vista como ideologicamente próximo da «sociedade civil» mundial de infraestrutura dos grupos «controlados» e financiados pelo fundo do mestre manipulador George Soros. 
Como líder dos esforços de proteção das florestas tropicais do Brasil, Marina Silva tem sido elogiada por grupos ambientalistas financiados pelo Instituto Open Society de Soros. A retórica da sua campanha está repleta de frases do código Soros, como «sociedade sustentável», «sociedade do conhecimento» e «diversidade».
Marina marchou com a equipe brasileira na cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos de 2012 em Londres. O ministro dos Esportes do Brasil, Aldo Rebelo do PCdoB, disse que a participação dela nas Olimpíadas foi aprovada pela família real britânica e que «sempre teve boas relações com a aristocracia europeia».
Marina também é bem mais moderada do que Rousseff sobre as políticas de Israel em relação à Palestina. Como uma discípula da Assembleia de Deus Pentecostal Cristã, Marina é membro de uma denominação que fornece a adesão do núcleo para o movimento mundial de «cristãos sionistas» que são tão avidamente pró-Israel, como as organizações judaicas sionistas como B'nai B'rith e o Congresso Mundial Judaico.
As Assembleias de Deus creem no seguinte sobre Israel:
Segundo as Escrituras, Israel tem um papel importante a desempenhar no fim dos tempos. Durante séculos, os estudiosos da Bíblia ponderaram sobre a profecia de um Israel restaurado. “Isto é o que o Senhor Deus diz: eu tomarei os filhos de Israel dentre as nações para onde eles foram. Eu os congregarei de todas as partes para trazê-los de volta para a sua terra”. Quando a nação moderna de Israel foi fundada em 1948, e os judeus começaram a retornar de todo o mundo, os estudiosos da Bíblia sabiam que Deus estava no trabalho e que estávamos muito provavelmente vivendo nos últimos dias.
Em 1996, Marina foi agraciada com o Prêmio Ambiental Goldman, que foi criado pelo fundador da Goldman Insurance Company, Richard Goldman e sua esposa Rhoda Goldman, um herdeiro da Levi Strauss, empresa de vestuário da famosa calça americana. Em 2010, Marina foi nomeado pela revista Foreign Policy, editado por David Rothkopf, ex-diretor-gerente do Kissinger Associates, à sua lista de «pensadores globais de topo».
Voltando ao trágico acidente dizemos que os detalhes completos sobre a causa da queda do avião de Campos pode nunca ser conhecida. Auxiliando na investigação do acidente está o National Transportation Safety Board dos Estados Unidos (NTSB) e a Administração Federal de Aviação. Todos estão sendo informados por funcionários da CIA estacionados em Brasília que estão ansiosos para ter uma rápida conclusão do «trágico acidente» estampado no relatório final.
A CIA conseguiu encobrir seu envolvimento em outros acidentes de latino-americanos de aviões que eliminaram adversários do imperialismo norte-americano na América Latina. Em 31 de julho de 1981, presidente do Panamá, Omar Torrijos morreu quando seu avião da Força Aérea do Panamá caiu perto de Penonomé. Após a invasão do Panamá, de George HW Bush, em 1989, os documentos da investigação do desastre de avião de Omar Torrijos foram  detidos pelo governo panamenho de Manuel Noriega e teriam sido apreendidos pelos militares americanos e eles desapareceram. O presidente equatoriano Jaime Roldós, um líder populista que se levantou contra os Estados Unidos, foi morto quando seu avião Super King Air, operado como uma aeronave VIP pela Força Aérea Equatoriana colidiu com Huairapungo montanha na província de Loja. No avião também estava a primeira-dama do Equador, o Ministro da Defesa e sua esposa. Eles foram todos mortos no acidente. O avião não tinha um gravador de dados do voo, também conhecido como uma caixa preta. Em Zurich, na Suíça a polícia conduziu sua própria investigação que descobriu que a investigação oficial do governo equatoriano foi seriamente modificado. Por exemplo, o relatório do governo equatoriano sobre o acidente deixou de mencionar que os motores do avião foram desativados antes de a aeronave se chocar com a montanha.
Tal como acontece com o avião Cessna de Campos que não tinha um gravador de dados de voo. Além disso, a Força Aérea Brasileira anunciou que duas horas de áudio do gravador de voz do cockpit do Cessna de Campos não refletem as conversas entre o piloto, co-piloto e controle de solo em 13 de agosto. O gravador de voz da cabine a bordo do mal fadado Cessna 560XL foi fabricado pela L-3 Communications, Inc. de Nova York. L-3 é uma grande contratante de inteligência dos EUA que fornece a Agência de Segurança muito de sua capacidade de cabos submarinos colocados através de um acordo com a Global Crossing NSA subsidiária L-3.
Assim colocamos sua morte como suspeita há alguns meses antes da eleição presidencial e substituição por um queridinho da infraestrutura de George Soros, agora representa uma ameaça eleitoral de Dilma Rousseff, que está definitivamente sendo considerada uma inimiga por Washington. 
Os EUA e a Soros tem procurado várias maneiras de penetrar e perturbar as nações do BRICS. A tentativa de Soros / CIA para avançar com um membro do Politburo chinês, Bo Xilai, para a presidência chinesa entrou em colapso quando ele e sua esposa foram presos. Preso por corrupção. Como a Rússia e África do Sul estão fora dos limites para qualquer intriga semelhante, a Índia e Brasil são o foco para a CIA e Soros forçar de todas as maneiras a interrupção do BRICS. Embora o governo de direita de Narendra Modi na Índia é novo, os primeiros sinais de perturbação do BRICS são animadores. Por exemplo, o ministro das Relações Exteriores da Índia, Sushma Swaraj, é um aliado sincero e comprometido com Israel. Brasil sob a direção de Rousseff é visto pela CIA e Soros como a melhor oportunidade para inserir um deles neste jogo de poder, neste caso, Marina Silva, na liderança de uma nação  BRICS, a fim de produzir um «cavalo de Tróia» que passe a atacar cada vez os mais importantes países  econômicos do bloco. Tags: BRICS Brasil América Latina dos EUA

segunda-feira, 11 de agosto de 2014

CINEMA


Antonioni e Brasília    
Desde os anos 1970 passei a alimentar uma curiosidade que não podia, e agora definitivamente não pode, ser satisfeita: como Michelangelo Antonioni filmaria Brasília, que parece ter sido concebida e construida para que ele a usasse como cenário. Quem conhece a obra do mestre cineasta italiano sabe porque estou dizendo isso. Essa relação paisagem urbana/artista já foi abordada em reflexões tanto de arquitetos como de críticos de cinema e está lastreada pelo estilo antoniônico que soma frieza e modernidade, paredes invisíveis entre as pessoas e espaços que se abrem para o nada, o diálogo entre filosofia e arquitetura, sentimentos e cimento, almas assustadas e concreto armado. Aquela linguagem cantada por Caetano Veloso em seu tributo ao mestre dos planos longos e profundos: “visione del silenzio /
angolo vuoto / pagina senza parole /
una lettera scritta /
sopra un viso /
di pietra e vapore /
amore / inutile finestra”.
Refiro-me basicamente à Trilogia da Incomunicabilidade (A aventuraA noiteO eclipse), realizada na virada das décadas 1950/1960, mas a arquitetura ou a paisagem urbana têm grande importância dramática em outros filmes de sua lavra como O gritoBlow upProfissão: reporter. Antonioni se encantou com Brasília logo depois de sua construção, vendo fotos e filmes da arquitetura curvilínea e sensual de Niemeyer, e aportou na cidade em 1970 ou 71, para sentir sua atmosfera e escolher locações para um filme que desejava ardentemente fazer, Tecnicamente dolce, locado em Brasília e Amazônia e abordando uma fronteira da incomunicabilidade: o canibalismo.
O filme não foi feito e a versão que prevaleceu dessa irrealização é que o produtor Carlo Ponti desistiu do projeto, optando por Blow up, com mais possibilidades de bilheteria. Mas nos anos 1970 a informação corrente era que Tecnicamente doce tinha sido vetado pela ditadura. Rememoro essa história porque um duplo acontecimento me levou a ela esta semana: pela primeira vez tive acesso ao roteiro de Tecnicamente doce, publicado pelo próprio Antonioni em 1976, e na noite passada sonhei com imagens antoniônicas, Monica Vitti andando entre as torres e as partes da esfera seccionada do Congresso Nacional. Adorei sonhar esse sonho mas a crua realidade é que Antonioni, pelas razões financeiras de Ponti ou pela grossura ideológica da ditadura brasileira, não conseguiu concretizar o seu.
Talvez outra razão, essa indireta, também me levou ao inexistente Tecnicamente doce: filmes pensados por grandes cineastas que não foram realizados. Cito Monsieur Verdoux, projeto que Orson Welles não conseguiu fazer na Hollywood dos anos 1940 porque estava vetado pelos estúdios por ordem de Randolph Hearst, o grande empresário midiático retratado em Cidadão Kane. Welles cedeu o roteiro a Charles Chaplin e Chaplin fez o seu Verdoux, libelo contra a guerra, a hipocrisia e o cinismo. Gênios incontestáveis do cinema, tiveram de sair dos EUA e exilar-se na Europa, Chaplin acusado de comunista e Welles porque tinha “desmoralizado” o rei da imprensa. O filme de Chaplin é uma maravilha, mas fico pensando em como seria o de Welles. 
Vamos ficando por aqui porque, evidentemente, baixou em mim um caboclo cinéfilo e a cinefilia induz a conversas intermináveis. Se continuo não sei onde vou parar, mas possivelmente chegaria a Kleber Mendonça Filho e à tensão social urbana do seu nunca demais louvado O som ao redor. Juntando as coisas: Mark Peploe, roteirista de filmes de Antonioni e Bertolucci, que participou no roteiro de Tecnicamente doce, revelou recentemente que tem outro roteiro inédito escrito com Antonioni, The crew (A tripulação), e convidou Kleber Mendonça Filho para dirigi-lo. Viva Pernambuco, cada vez mais falando para o mundo. 
Por Orlando Senna

domingo, 3 de agosto de 2014

MUITOS BRASIS

Jangada do Brasil (a jangada do sul e o roteiro das minas)

"Três traves atadas entre si", expressão de Cãmara Cascudo que define a jangada (ou a essência da jangada) poeticamente utilizada por Gilberto Vasconcellos para definir a essência do trabalhismo no Brasil, na epígrafe de seu belo ensaio Jangada do Sul. Felizmente ainda temos um Gilberto Vasconcellos que nos salva do marasmo de mediocridade e conformismo na análise histórico-política contemporânea. Unindo literatura (poesia), documento e ciência, ele ilumina as biografias dos três maiores personagens da luta trabalhista na política nacional: Getúlio, Jango e Brizola.

São três grandes heróis nacionais que hoje se unem na imortalidade de seus espíritos dedicados à causa do Brasil, numa coincidência quase mística que une também os seus restos mortais no descanso eterno em São Borja, Rio Grande do Sul. Para mim, a maior virtude de Jangada do Sul está em jogar o foco nos pensamentos lúcidos dos três grandes homens, pensamentos "atados entre si", pela primeira vez colocados em primeiro plano da análise histórica pelo valor que trazem à posteridade e pelo que acrescentam à inteligência nacional, muito para além de suas próprias e inegavelmente corajosas trajetórias políticas, que igualmente nos ensinam, mas nos fados das tragédias, decepções, erros e derrotas, pontuadas por algumas poucas efemérides de conquistas e vitórias, como sói acontecer nas biografias dos verdadeiros heroís.

Chegará o dia em que nos livraremos da peste colonialista e seus nomes e idéias ganharão o relevo merecido na memória coletiva nacional. Jangada do Sul significa um passo importante nesta direção. A grande vitória da "jangada do sul" será, pois, o legado da inteligência destes três mestres que escreveram suas obras por ações, atitudes e pronunciamentos de sabedoria política curada na faculdade da vida, a maior parte anotados pelo escriba Darcy Ribeiro e desprezados pela intelligenzia brasileira. Gilberto as sintetiza e as entrelaça na imagem de uma sólida e artesanal estrutura que sobrevive quase ignorada, boiando à deriva no mar da miséria política em que todos os seus sucessores naufragaram nos últimos quarenta anos. A pátria foi à pique e Gilberto nos aponta a tábua de salvação: "três traves atadas entre si".

Mas o texto tem também uma outra grande virtude. Ele traz um convite especial a um debate que aceitamos de bom grado, até porque é um debate que consideramos urgente e de crucial importância para o crescimento da nossa análise histórica atual. Por outro lado, temos o dever de apontar escorregões na casca de banana da paixão, no sentido de contribuir para a limpeza da brilhante composição, propondo ao autor escoimá-la de cacos desnecessários e irrelevantes, que só podem prejudicá-la.

Nota-se que à primitiva jangada definida por Cascudo, movida e pilotada a remo, o jangadeiro apôs uma outra trave de fundamental importância para fazê-la navegável nos mares altos e distantes: a trave vertical, fincada na trave central, à vez de mastro para desfraldar a vela que recolhe a energia dos ventos e a faz mover-se sem esforço humano. Uma outra quinta trave - móvel, inclinada, apoiada na popa das três traves - será incluída na evolução da nave a fim de torná-la pilotável, na direção desejada: o leme. Tal nave, completa em sua evolução e pilotada pelo arguto caboclo - o maior de todos os marinheiros - é a que o imperialismo mais teme. Contra ela mobiliza porta-aviões, cruzadores, e destróiers a fim de impedí-la de chegar aos seus paradigmáticos destinos históricos.

Gilberto, tal como a maioria dos melhores historiadores, só percebeu a primeira etapa da evolução e da transcendência deste sutil projeto de tecnologia nacional-nordestina, "de ponta", talvez porque ainda ancorado na visão restrita e litorânea dos nossos destinos. A nossa jangada simboliza a principal estratégia da política nacional. Ela já esteve a um passo de se completar inteira, tem como rota priotária a conquista definitiva do vasto território brasileiro, e passa pelas glórias das bandeiras e do roteiro das minas.

A trave central da jangada, a que é a mais forte e mais estrutural é, obviamente, Getúlio Vargas. Jango estaria à sua direita e Brizola à esquerda. Juscelino é o mastro e a vela. Tancredo Neves seria o leme que ainda nos falta. Todo o resto é torpedo contra a nossa jangada, mas nenhum logrou botá-la a pique. Ela esta aí, à deriva, com a vela rota e esgarçada que não logra recolher a tração dos ventos, e sem leme para lhe dar direção.

A análise da esquerda sobre o fenômeno Juscelino é uma lástima - ela coloca seus autores no mesmo saco da direita raivosa, entreguista e lacerdista. Tancredo sequer é considerado. Demonstram com isso uma falta de estudo e de profundidade no exame dos registros históricos que nos legaram as trajetórias dos dois mineiros. Nossos melhores autores, Gilberto inclusive, se recusam a enxergar que foi o governo Juscelino o que mais ameaçou o imperialismo anglo-ianque, sem dar-lhe chance de reagir com suas táticas sujas e seus golpes baixos. Acuou os gringos e encostou-os nos lugares de onde nunca deveriam ter saído, fazendo tudo o que eles sempre procuraram impedir: o crescimento econômico nacional e a exploração das nossas riquezas naturais em nosso próprio proveito. Frustrou-lhes, com malandragem e jogo de cintura, em todas as tentativas civis e militares que urdiram contra o seu mandato, antes e depois da posse. Soube como ninguém usar o legalismo quase obcessivo de Lott, fazendo com que a força do inimigo funcionasse a seu favor. Ao contrário de Jango e Brizola, apreendeu a astúcia de Getúlio, nunca batendo-se de frente com um inimigo que sabia muito mais poderoso. Sabia esquivar-se, contornar, driblar, blefar, e nenhum dos nossos poderosos inimigos encontraram em sua face uma ruga sequer de temor ao combate. Encarava-os todos, rindo. Sozinho, conseguiu anular o poderio nefasto dos interesses colonialistas marionetados aqui nos Assis Chatobriãns, Robertos Marinhos, Lacerdas, as alas ultra-reacionárias militares, as direitas civis mais extremadas, e até as igrejas - juntos! Com ele no poder, 64 seria só mais uma quartelada inconsequente, como o foram as que se moveram contra ele antes e depois de eleito, entre 1955 e 1960. 

Gilberto escorrega quando diz que 64 foi para evitar a eleição de Brizola em 65. Não há registro histórico que autorize uma afirmação destas. É um caco que deveria ser banido de seu texto genial. A eleição de 65 era de Juscelino, que entrava no quarto ano de campanha com o Brasil inteiro (e a CIA) sabendo que ninguém poderia derrotá-lo. Brizola seria, no máximo, o seu vice. O PTB não se arriscaria a lançar candidato próprio contra uma candidatura imbatível como a de Juscelino em 65, até porque foi no governo de Juscelino, e não nos de Vargas e de Jango, que aquele partido gozou seu maior espaço de poder e de crescimento. 64 tinha por objetivo impedir a eleição de Juscelino. Para os estrategistas do império era ele, sem dúvida, o mais temido líder do terceiro mundo.

Os historiadores "de esquerda" caem na conversa de Caio Prado Júnior, o texto mais chato e inócuo que conheço. Acho que nenhum cristão pode ter tanto pecado para pagar pela penitência que seria a leitura do autor de Dialética do Conhecimento. Se Juscelino foi, segundo ele, "o presidente mais entreguista que o Brasil já teve", então que sejam os nossos presidentes entreguistas. Foi com Juscelino que o desemprego caiu a quase zero e o salário mínimo atingiu o topo, real e mais justo, em toda a nossa história - desde que foi criado.

O Brasil em 1955 era uma economia agrícola incipiente, com um PIB medíocre e uma participação insignificante no comércio internacional. Tínhamos uma bela legislação trabalhista mas não tínhamos uma classe trabalhadora que dela se beneficiasse. A Petrobrás extraía míseros 8 mil barris/dia e refinava menos de 100 mil. A Eletrobrás controlava uma geração minúscula de energia elétrica, a partir de algumas banheiras que tinham nomes de barragens. Volta Redonda era a menor planta possível da escala siderúrgica de então. As nossas ferrovias eram obsoletas e deficitárias, assim como o seu fumegante maquinário de marias-fumaças do início do século. Emprego era sinônimo de funcionalismo público; fora das tetas governamentais uma meia dúzia de dois ou três centros urbanos, que somados não davam uma São Paulo, podiam ser classificados como capazes de gerar postos de trabalho em quantidades não desprezíveis. Estradas de rodagem só em volta destes pequenos centros comerciais e industriais, uma ínfima percentagem delas asfaltadas - no mais era cavalo e carro de boi. Importávamos tudo, desde máquinas pesadas, navios e veículos até alfinetes, linhas de costura e palitos de dentes. O Brasil era um vasto território vazio de brasileiros que mal ocupavam uma estreita faixa litorânea com cerca de 100 quilômetros de largura, em média. Éramos, enfim, tudo o que o império queria que fôssemos: um depósito intocado de preciosas matérias primas e recursos naturais de toda espécie, reservado em sua totalidade para as estratégias futuras de sua expansão planetária.

Getúlio lutou como um leão para que saíssemos dessa emperrada e anacrônica situação de subpaís-reserva-de-riquezas-para-os-outros. No segundo mandato seu cansaço era visível. O jogo de poder fazia-se de uma nova maneira desde o pós-guerra, para ele desconhecida e extremamente desconfortável. Ele se via como um velho capiau munido de um canivete enferrujado num jogo de pôquer contra um jovem caubói lustroso, a exibir seus colts 45 de ouro ao sallon amedrontado. Sabia que era fácil ganhar, mesmo sendo o caubói dono das regras e o rei do sallon (óbvio, não é possível ser-se mais imbecil que um caubói) mas sabia também que se ganhasse não levaria. Tudo que o caubói desejaria é que ele tirasse o canivete e o ameaçasse. Aí poderia fazer valer as balas de prata do seu colt de ouro, com anuência da platéia submissa. Como naquela época o caubói e o sallon ainda respeitavam o sacrifício humano, Getúlio optou pela jogada genial, literalmente um xeque-mate, de enfiar o canivete em seu próprio peito e garantir o legado de poucos e suados ganhos ao seu herdeiro imediato. Getúlio via muito na frente dos outros e já sabia quem seria este herdeiro imediato: Juscelino, o filho dileto, o qual conhecia bem pelas gestões como prefeito de Belo Horizonte e governador de Minas Gerais, e no qual cultivava as maiores esperanças de redenção da pátria e do povo que amou como ninguém mais. Juscelino foi o único governador de estado que compareceu ao enterro de Getúlio. Depois voltou ao sallon, sentou-se, fingiu-se de bobo e fez o caubói de bobo, multiplicou por cem o cacife que herdadra de Getúlio, e no final o sallon inteiro ria do caubói.

Numa viagem de avião para mostrar a imprensa onde seria construída Brasília, uma jornalista francesa, depois de horas de sobrevôo sobre o interminável cerrado, interpelou Juscelino: - Mas o senhor vai construir a capital num deserto...isso é absurrdo! Ao que Juscelino retrucou, na hora: - Não, minha filha, absurdo é o deserto.

Gênios desse naipe não dão sopa na história. Contam-se nos dedos os que surgiram nos três milênios de civilização. Então, de onde vem esse emburro com Juscelino?

Como pode ser chamado de entreguista o Presidente da República que consolidou e tornou fatos consumados, por seus alavancamentos de produção a níveis respeitáveis e realmente significativos, a Petrobrás, a Eletrobrás, a Vale do Rio Doce, a CSN, o CNPq, o IMPA; que criou a Rede Ferroviária Federal, o DNER, as Usinas de Furnas e Três Marias, a Refinaria Duque de Caxias, a Universidade Federal, a SUDENE, o ITA-CTA, o IME, o CNEN, e tantas mais unidades públicas civis e militares que vieram a conquistar prestígio mundial nas diversas áreas do conhecimento e da infra-estrutura de estado; que garantiu e assegurou o monopólio estatal sobre todas as riquezas estratégicas nacionais; que multiplicou ferrovias, portos, aeroportos e rodovias; que gerou emprego com salários e condições dignas de vida e trabalho para as massas - além de modernizar e dar consistência ao aparato de estado com um Plano de Metas vitorioso e cumprido integralmente em menos de cinco anos, coroado com a construção e inauguração da maior e mais importante cidade-estado que o mundo viu ser concebida e edificada no século 20, ainda que debaixo de ininterrupta pancadaria e de boicotes sistemáticos orquestrados por poderes alienígenas e executados por marionetes locais contra a sua administração, como jamais se teve notícia neste país?

Eis aí, neste parágrafo sem pausa para fôlego e super resumido, onde nem entram as gestões do prefeito e do governador (Escola de Arquitetura, Escola de Belas Artes, Conservatório de Música, calçamento total da cidade, Pampulha, CEMIG, Usiminas, Mannesman, três mil quilômetros de rodovias, dezenas de autarquias e estatais, e muitos etcéteras), o mastro e a vela da nossa jangada.

Jango e Brizola eram do tipo que puxava o canivete na primeira provocação do caubói. Brizola tentou imitar o empreendedorismo juscelinista na sua gestão no governo do Rio de Janeiro, inclusive com a presença de Oscar Niemayer nos fronts arquitetônicos. Mas não soube contornar Roberto Marinho nem Lula, ambos a serviço do caubói para destruir tudo que ele conseguira. E destruíram mesmo. Gilberto chamou a atenção para o erro de Brizola na questão estética-televisiva. Juscelino jamais incorreria em tal erro. Aliás, ele soube combater também neste campo-de-guerra invisível da semiologia, trazendo os artistas ao seu lado e identificando-se na imortalidade de suas obras. Oswald de Andrade foi o primeiro a chamar a atenção nacional sobre o fenômeno Juscelino e a profetizar os grandes destinos de estadista que ele anteviu no prefeito de BH. Glauber Rocha disse que "Juscelino libertou a estética baiana". A trajetória de Juscelino era projetada na interface estética nacional através das obras iluminadas de uma plêiade de grandes artistas, imunizando-o contra os ataques doentios de uma mídia bem paga e desesperada para derrubá-lo.

Getúlio ficaria orgulhoso de seu herdeiro se fosse vivo para vê-lo em ação - seria o maior de seus aliados. Todo esse papo contra Juscelino de "abertura às multinacionais", "indústria automobilítica", "privilégios ao capital estrangeiro", "inflação galopante", "dívida externa", e outras conversas fiadas plantadas pelos estrategistas do Pentágono não o pegariam. Ele conhecia de cor e salteado essa ladainha, também contra ele foram imputados tais "entreguismos". A Ford entrou no Brasil em 1919, quando Rockefeller já mandava e desmandava por aqui. A GM veio logo depois. Oswald de Andrade anotou que a saída de Washington Luis e a entrada de Getúlio em 1930 aconteceu sob a observação - de camarote - do capital internacional. Há quem diga que a Proclamação da República não fora mais que uma quartelada para derrubar Pedro II, o qual se recusava a aceitar os cacos velhos das ferrovias inglesas que as companhias internacionais queriam nos enfiar goela abaixo. E enfiaram. A inflação no período Juscelino girou em torno dos 24% ao ano, em média. Nada de mais para quem como nós já vivemos inflação de 2.000% no governo Sarney. A dívida externa que Juscelino deixou era de U$ 2,7 bilhões (quando assumiu eram 2 U$ bilhões). Hoje é de quanto mesmo? No governo Juscelino o salário mínimo chegou ao topo dos U$ 188 (numa época em que um carro novo era vendido por U$ 1,000). E o trabalhador quase não pagava imposto direto ou indireto, tinha saúde e escola de graça para a sua família, gastava mixaria para comer e morar, e menos ainda para se transportar. Getúlio sabia o que era um estado forte, e que não conseguira fazer o Brasil forte em seus governos. Tentou por todas as vias, desde a criação do Conselho de Desenvolvimento Industrial e da Comissão Mista Brasil-EUA, trazer a colaboração internacional ao crescimento do país. Os EUA faziam beicinhos, nunca ajudaram. A Ford até publicou um relatório "científico" que dizia "não ser possível fundir motores automotivos nos países tropicais". Só vieram quando perceberam que os alemães (VW, DKW), os italianos (Alfa Romeo), os franceses (Simca) e os japoneses (Toyota) iam acabar fazendo o que eles não queriam que fosse feito, de jeito nenhum: contribuir ao crescimento econômico do Brasil, industrializando-o e equipando-o para a indústria automobilística. E contribuíram mesmo. Aí veio para cá a mixuruca Willys Overland. O Brasil só foi um estado forte no mandato de Juscelino. Pena que o mandato era curto e não permitia reeleição. Se lograsse um novo mandato, ia ele mesmo colocar o leme na jangada, e seríamos hoje a maior nação americana. De nada nos adiantou Jango peitar o caubói com reforma agrária, reformas de base, etc. Só fez o que o caubói queria: puxar o canivete. Jango estava certíssimo, ninguém pode negá-lo. Mas infelizmente o jogo político não é feito com as virtudes da razão, da sinceridade, da coragem e da justiça.

Tancredo, outro herdeiro legítimo de Getúlio na política brasileira, procurou sabiamente imitar Juscelino, nos mínimos detalhes, desde as suas viagens antes da posse que não houve. Fez o mesmo trajeto de Juscelino em 1955, por países da Europa e nos Estados Unidos, e procuraria imitá-lo se chegasse à Presidência. Mas o caubói já conhecia a história e não queria passar por outro vexame no sallon. Eliminou-o antes que começassem a jogar prá valer, ainda que Tancredo não tivesse puxado o canivete - pois nem o caubói nem o sallon se importam mais com os sacrifícios humanos.

E a jangada do Brasil permanece sem leme

(fim da provocação inicial, só para começo do debate).

Mario Drumond
BH 12/04/2005