" A contraofensiva das elites
dominantes "
Nils Castro nasceu no Panamá, é doutor em Letras e licenciado
em História da Arte. Participou de iniciativas para o reestabelecimento da
democracia em diversos países na América Latina. Foi professor em universidades
no Panamá, Cuba e México, e diretor do Grupo de Contadora, coletivo integrado
por México, Panamá, Colômbia e Venezuela como resposta à retomada política
intervencionista norteamericana na América Central. Nils escreve para diversas
publicações da região, inclusive do Brasil.
Em fins do século passado tivemos na América Latina um auge dos movimentos
sociais, acompanhado de sucessivos êxitos eleitorais de determinadas
organizações de esquerda. A conseguinte aparição de
significativo numero de governos progressistas no início do século XXI, fez
sentir que uma “nova esquerda” tinha entrado em cena. Contudo, esta expressão
jornalística, mais que introduzir um novo conceito político, refletiu o fato de
que em nossa América a realidade experimentava mudanças de crescente importância,
ainda que não seja fácil defini-las em conjunto, pela diversidade de processos
nacionais que tornaram factível que esses êxitos e governos acontecessem.
Não obstante, seria ingênuo supor que estes
acontecimentos pudessem se repetir e consolidar sem suscitar uma reação dos
interesses transnacionais e locais e relacionados com as direitas. Assim o
demonstram o golpe militar perpetrado em Honduras em 2009, a conspiração para
invalidar o governo da Guatemala em 2010, a intentona golpista cometida no
Equador em setembro de 2012, assim como o golpe parlamentar no Paraguai. Em
outro plano, as derrotas eleitorais infringidas à socialdemocracia no Panamá em
2009 e à Concertación chilena em 2010, bem como as tramoias que impediram a
vitória do PRD mexicano e a participação da candidata da UNE guatemalteca.
Ao mesmo tempo se evidenciou que essa
contraofensiva não se limita ao retorno das direitas tal como as conhecemos,
mas que inclui vê-las voltar equipadas com outro discurso, formas e métodos e
traçando para si metas mais radicais que podem estar acompanhadas tanto de
poses socialdemocratas e até “lulistas”[i], como de descarados populismos
neofascistas[ii]. Isso não quer dizer que todas as variantes da direita
latino-americana já assumiram um novo padrão ou irão adotá-lo em seguida e de
modo uniforme, mas que em cada circunstância o implementarão nas formas,
combinações e ritmos que melhor às respectivas condições e conjunturas locais.
Não obstante, é necessário ter presente essa
mudança, porque é parte de uma evolução que ainda dará bastante o que dizer. Em
um mundo onde já não só campeia a globalização mas também a crise, as elites
econômicas transnacionais e locais igualmente se adaptam e modificam, mudam
suas formas de fazer negócios e associar-se, adotam novas tecnologias e estilos
e, com isso, substituem atores e renovam formas e meios de apresentar e
reproduzir sua hegemonia e de justificar suas tropelias[iii].
Sua atual acometida faz pensar que estamos diante
de um conjunto –multifacetada mas consistente – de características e
procedimentos políticos que dão forma a uma direita “nova”, quer dizer, a um
adversário que renovou imagens e procedimentos, cuja evolução é preciso
examinar.
As esquerdas: um processo incompleto
Os êxitos eleitorais que certas esquerdas
latino-americanas alcançaram e mantiveram durante este período constituem uma
das consequências das reações populares causadas pela deterioração da situação
material e cultural sofrida durante os anos precedentes e, da conseguinte busca
por respostas políticas que as grandes massas de latino-americanos começaram a
reivindicar. Isto é, o que ocorreu reflete uma mudança no estado de ânimo
desses setores populares, manifestado ao voltar a conquistar a oportunidade de
reivindicar suas demandas através dos instrumentos democráticos disponíveis.
Trata-se de um fenômeno real, porém temporal e
ainda incompleto. Com os matizes próprios das respectivas circunstâncias
nacionais, seus êxitos foram alcançados especificamente no campo político, ou
político-eleitoral, sem que – pelo menos até o momento – essas esquerdas
contassem com as condições culturais e organizativas necessárias para remover
as demais estruturas de suas respectivas sociedades.
Esta limitação se deve a que o desgosto dos
eleitores ainda não teve oportunidade de amadurecer o desenvolvimento
ideológico e organizativo que falta para propor-se objetivos de maior projeção.
Em outras palavras, que sua cultura política ainda não elaborou outro modo de
questionar a realidade, nem tampouco um projeto confiável com o qual tomar a
decisão de transformá-la. Se o que ocorreu reflete uma mudança no estado de
ânimo da massa de eleitores, isso significa que ainda não estamos diante de uma
nova consciência que se distinga pela consistência de seus postulados, mas
diante de uma maneira de raciocinar que em certo momento se expressou como voto
de repúdio à situação precedente, mas que mais tarde poderá ir-se à deriva em
outras direções.
Contudo, nestes anos as esquerdas latino-americanas
demonstraram que – até o atual nível de inquietação e desenvolvimento
sociopolítico de seus respectivos povos e região – elas não só adquiriram uma
experiência de governo como também provaram ser capazes de administrar o regime
capitalista melhor que as próprias direitas. E ao fazê-lo melhoraram
significativamente as condições de vida e de participação de milhões de
latino-americanos. Ainda que também ao mesmo tempo demonstraram que por esta
via ainda não estamos com a capacidade para substituir o regime existente por
outra formação histórica mais avançada.
Em outras palavras, agora estamos diante de
processos que, por um lado, estão por consolidar-se e ainda sujeitos a uma
contraofensiva das direitas. E que por outro, não conduzem, nem espontânea nem
automaticamente, por si mesmos, a substituir o capitalismo por outro modo de
produção o que obriga a pensar em que é o que falta para alcança-lo[iv].
Uma direita vencida mas não derrotada
Se bem no campo eleitoral o grande capital e seus
políticos, partidos e meios de comunicação sofreram um importante revês em
vários países latino-americanos, os núcleos medulares das elites econômicas e
seus colaboradores políticos conservam seus instrumentos básicos de controle,
atuação e poder. Apesar do desconcerto que esse revês lhes causou, eles ainda
controlam importantes instrumentos do sistema político existente, bem como o
domínio dos meios de comunicação mais poderosos[v]. Quer dizer que nestes anos
as esquerdas venceram politicamente as formas tradicionais das direitas, mas
não derrotaram a direita “como tal” posto que sua elite socioeconômica manteve
as bases de seu poderio e os principais instrumentos midiáticos de sua
influência.
Por fim, ao contrabalançar as experiências vividas,
os talentos e os meios e comunicação das direitas – hoje hegemonizados pelo
capital associado à manipulação neoliberal da globalização – já tiveram
oportunidade de decantar e renovar suas alternativas estratégicas e de
reatualizar suas opções políticas. Nestes últimos anos sua contraofensiva foi
sendo reorganizada tanto nos países onde alguma corrente de esquerda ganhou as
eleições ou esteve próximo disso, como também naqueles onde isso ainda está por
ocorrer.
Isto não tem sido tramado em vão. O clima é
propício para que essa contraofensiva possa afetar as camadas sociais
subalternas, e também lhe favorece o ambiente de desencanto e desintegração
ideológica e política ocorrida depois do refluxo dos projetos revolucionários
dos anos 1970 e o colapso da URSS. Explorando esse ambiente potencializou-se a
ofensiva neoconservadora dos anos 1980 e 1990, da qual ainda padecemos
importantes sequelas ideológico-culturais. Refluxo e colapso que os
representantes do capital transnacional utilizaram para justificar os
“reajustes” neoliberais, diante da desorganização das propostas que neste
momento poderiam as esquerdas contrapor e a temporal insuficiência dessas
esquerdas para assegurar a nossos povos outra alternativa, apesar das
calamidades sociais que tais reajustes em seguida começaram a provocar.
Naquela situação, as esquerdas em fins do século
enfrentaram a ofensiva político-cultural da direita neoliberal mais com
críticas do que com contrapropostas. Enquanto isso, essa direita, por sua vez,
aproveitou a conjuntura como a oportunidade para recolher e agitar em seu favor
uma parte significativa dos desgostos sociais que pouco antes ela mesma
contribuiu para agravar, desorientando as demais forças políticas.
Porém agora não só presenciamos uma mudança nos
pretextos, métodos e linguagens da elite dominante e seus operadores políticos,
como também podemos observar como seus meios intelectuais e jornalísticos se
esforçam por clausurar as esquerdas em uma agenda temática definida conforme o
interesse estratégico da “nova” direita. Nesse afã participam paritariamente as
agências de notícias, fundações privadas e interesses empresariais dos Estados
Unidos e de certos países europeus. Assim sendo, não se trata só de desenvolver
as ideias de interesse popular entre os temas em voga mas de colocar em voga os
temas que são de maior interesse popular.
Do modelo autoritário ao neoliberal
Ao falar em surgimento de uma “nova” direita não
sugerimos que esta seja uma corrente política, ideológica e metodológica
homogênea em toda nossa diversidade de países, nem menos ainda que ela expresse
um modo de pensar que se possa considerar inédito. Em realidade se trata de um
conglomerado em que coincide uma variedade de interesses, cujos objetivos
essenciais, métodos e discursos têm precedentes de velha data.
Em seu momento, as velhas direitas
latino-americanas – como expressão política das elites socioeconômicas ou
“oligárquicas” associadas a uma hegemonia estrangeira – estiveram intimamente
ligadas aos regimes de democracia restrita e ditadura militar que predominaram
nos anos da Guerra Fria, de duas formas. A primeira, quando diante das
mobilizações democratizantes, nacionalistas e progressistas dos anos 1960, elas
sem demora correram aos quarteis a solicitar a repressão e instaurar governos
autoritários.
A segunda quando, ao amparo dos conseguintes
regimes ditatoriais não só resguardaram seus antigos interesses – com
frequência ligados à economia agroexportadora tradicional – como em seguida
incursionaram nas novas oportunidades do capitalismo dependente, como as do
setor financeiro, os serviços internacionais e a exploração de novas
tecnologias, campos tanto mais lucrativos em tempos de globalização. Ademais de
salvaguardar-se, empreenderam novas atividades, subordinaram-se a outros
poderes transnacionais e, em consequência, assumiram novas aspirações e
necessidades.
A abertura econômica, a privatização de valiosos
patrimônios nacionais e a transferência de importantes empresas do país às
companhias estrangeiras ou transnacionais modificaram a natureza das relações
da burguesia local com o país e, por consequência, a integração e o perfil
dessa burguesia.
Como o tempo não passa em vão, nos anos 1980 já não
se podia esconder que as sociedades latino-americanas – assim como o próprio
capitalismo – não só tinham crescido como se tornaram mais diversificadas e
complexas, enfrentavam outros problemas, davam lugar a novos participantes e
requeriam formas de gestão mais avançadas. Assim que demandavam outro gênero de
governos, para isto e também para justificar as reformas neoliberais e até
infundir esperanças em seus resultados, coordenar sua aplicação e administrar
politicamente suas eventuais consequências mais detestáveis.
Como consequência, o processo de mudança das formas
de governo não só respondeu ao incremento da complexidade sociocultural dos
países, e à complexidade de suas relações com um mundo em globalização, como
também à transição que vinha ocorrendo nos núcleos mais dinâmicos das elites
econômicas locais e nas suas vinculações com o mercado transnacional. Parte
significativa dos proprietários e dos capitais ligados à economia rural e às
exportações tradicionais se deslocaram para os negócios característicos da
economia de serviços, com substituição de suas conexões, dependências e
subordinações internacionais e incorporação de tecnologias que exigiam
diferente entorno institucional e instrumentos políticos.
Foi necessário organizar transições controladas,
dirigidas a constituir regimes mais legitimados e eficientes e ceder
determinados espações (e limites) para a distensão social, a circulação de
ideias e a inovação. A disjuntiva estava entre ceder uma democratização
dosificada ou ater-se às opções de desordem ou revolução que já começava
incubar-se. Isso fez com que a própria elite socioeconômica e seus meios de
expressão política levassem a cabo suas respectivas transições para novas
formas de governar e de manejar a opinião publica. Onde a oligarquia local
ainda estava infensa seus poderosos associados estrangeiros tiveram que
intervir mais diretamente na tarefa de empurrar essa evolução[vi].
Nessa necessidade de dipor de novas alternativas
políticas, esse foi um período de “modernização e mundialização política”
propício, em muitos de nossos países, para as performances da democracia
cristã. Como também a de conspícuos partidos e dirigentes com discursos
socialdemocrata, vindos uns da reconversão de personalidades liberais e outros
da cooptação de ex socialistas abrandados pelos rigores da Guerra Fria[vii].
Do descalabro neoliberal à nova direita
Porém, cedo ou tarde toda transição se esgota. Os
novos regimes de democracia pactada e restrita, quase sempre ungidos na tarefa
de administrar as reformas neoliberais – as aberturas e privatizações, bem como
a redução e desmantelamento das faculdades e dos poderes do Estado, e de suas obrigações
assistenciais -, pouco mais tarde tiveram que encarar sua responsabilidade
pelos dramas sociais e os descontentamentos que essas reformas agravaram, e
seus altos custos políticos. Regimes que durante algum tempo gozaram de bom
nome e certa autoridade cívica alguns anos depois foram suplantados pela
insatisfação popular[viii].
No final o que restou foi uma ampla percepção não
só do descalabro econômico, mas também do descrédito do sistema político
instaurado durante a “maré” democrática, inclusive o esgotamento de seus
partidos e dirigentes representativos. Generalizou-se a tendência - também
instigada pelos grandes meios de comunicação – de responsabilizar o sistema
institucional, os partidos e estilos políticos, e aos parlamentos pelas
consequências da gestão neoliberal: a fragilidade do emprego, a degradação dos
serviços e a seguridade social, o individualismo não solidário, a corrupção, a
insegurança nas ruas, a angústia das classes medias, etc.
Claro que, se ao Estado se lhe reduziram as faculdades
e meios necessários para regular a economia e intervir em seu curso, isso
concedeu ilimitadas liberdades aos investidores e especuladores estrangeiros e
nativos para multiplicar os negócios lícitos e também os ilícitos. Com as
atividades econômicas e financeiras sem nenhum controle também viria sua
desmoralização, de efeitos conhecidos no campo da transnacionalização de velhas
e novas formas de delinquência.
A quem culpar, depois, por esses malefícios? O que
fazer para acabar com eles de uma vez por todas? Para a direita, os estragos
que ela previamente causou agora deverão ser remediados apelando à “mão dura”.
Porque para a crônica descuidada ou intencionalmente superficial a culpa está
nos maus costumes e nos indivíduos desgarrados, já que é mais fácil culpar o
mais aparente que revelar as estruturas sociais ou, melhor dizendo, para evitar
que se questione essas estruturas. Assim, enquanto que a reflexão da esquerda
investiga opções e constrói propostas, a “nova” direita se satisfaz com
argumentos cosméticos e desembaraçados que podem ser mercantilizados sem exigir
esforço intelectual.
Porque esta direita vem para salvar tanto os
fundamentos como as aspirações do sistema socioeconômico com que ela se
identifica, buscando não apenas preserva-lo mas “liberá-lo” do acervo de
restrições que o humanismo, a tradição liberal ou as conquistas do movimento
popular tenham interposto em qualquer tempo anterior, e a instaurar as formas
de hegemonia e de gestão de classe que melhor lhe convenha. Isto é, ela se propõe
a desembaraçar a economia capitalista e restabelecer as liberalidades do
capitalismo selvagem para recuperar a taxa de lucro. E ela vem determinada a
tomar os atalhos mais curtos para executar esse objetivo. Dai o estilo
peremptório e “macho” dessa missão, que não quer perder tempo com escrúpulos
nem controvérsias.
Tal como essa direita é “nova” por seus pretextos,
métodos, estilos e procedimentos, suas intenções e conteúdos são mais
reacionários que conservadores. Sem passados ocultos, suas intenções veem dos
tempos da acumulação primitiva, anterior al desenvolvimentismo capitalista dos
tempos do pós guerra. Mesmo com roupagem cintilante, seu conteúdo já não é
velho mas sim antigo.
Se estas apreciações parecem exageradas, os
próximos parágrafos ajudarão a avalia-las em seus contextos mais imediatos.
A (contra)revolução conservadora
Esta reatualização do pensamento, a firma e estilo
da “nova” direita latino-americana ocorreu sob assídua influência das direitas
estadunidense e espanhola, que igualmente se apresentam a si mesmas como as
destinadas a garantir um roll back, seja atual ou preventivo.
Como se recordará, nos Estados Unidos a auto
denominada “revolução conservadora” propôs acabar com as heranças do New Deal
de Franklin D. Roosevelt e a Grande Sociedade de Lyndon B. Johnson. Estas
representavam as conquistas sociais alcançadas pelos movimentos sociais e as
reivindicações liberais norte-americanas, tais como uma ampliação dos direitos
civis, a orientação keynesiana da economia e a regulamentação pública de
determinados setores estratégicos como o complexo militar-industrial. Depois de
vários decênios, levaram os estadunidenses a encarar o Governo Federal como um
amigo paternalista.
Em contraste – de mãos dadas com Margaret Tatcher –
o mandato reacionário de Ronald Reagan agitou o slogan de que “o Governo é o
problema, não a solução”, e iniciou um brusco recorte das faculdades e serviços
do setor público. A ofensiva neoliberal limitou a participação do Estado na
economia através da desregulamentação e as privatizações, redução dos impostos
para a minoria mais endinheirada e se incrementaram os gastos militares (e as
políticas que os justificassem).
Uma política governamental muito ideologizada
marginou os sindicatos e demais organizações sociais dos centros de decisão,
argumentando que suas demandas eram incompatíveis com a racionalidade econômica
e o interesse nacional. Aos que não comungavam com os dogmas de liberalização
dos mercados, eliminação do setor público empresarial e equilíbrio orçamentário
além dos ciclos econômicos, foram marginalizados dos meios acadêmicos,
consultorias, organismos multilaterais e grandes meios de comunicação. Nos anos
1980 a hegemonia dessas teses chegou a ser tão asfixiante que imperaram como
pensamento único, ao extremo de que até em nossos países ainda restam zombies
que com elas circulam.
Não obstante, a “revolução” conservadora por fim
perdeu folego, depois de afundar os Estados Unidos no maior déficit fiscal da
história, gerar um aumento exponencial da desigualdade e exclusão sociais, e
provocar uma sequência de crises financeiras que, como consequência da
globalização tiveram efeitos de abrangência internacional. Na Inglaterra tanto
como nos Estados Unidos, o desencanto social decidiu as seguintes eleições a favor
da oposição. Mesmo assim, a volta dos democratas ao governo estadunidense e dos
trabalhistas britânicos mostrou quanto essa “revolução” conservadora tinha
afetado a cultura política das elites dominantes em ambas nações. Os governos
de Tony Blair e Bill Clinton respeitaram as teses do conservadorismo
conformando-se com adoçá-las com paliativos, no que Joaquin Estefanía
qualificou como “um tatcherismo e um reaganismo de face humana”[ix].
Os “neocons”: a contrarrevolução permanente
Enquanto o Partido Democrata governou, os artífices
estadunidenses da “revolução” conservadora permaneceram atrincheirados em
diversas fundações e think tanks financiados por grandes transnacionais. E
nesse lapso elaboraram o chamado Projeto para um novo século americano, sua proposta
doutrinaria para lançar uma grande ofensiva neoconservadora para o século XXI –
de onde lhes saiu o apelativo de neocons -.
Personagens como Cheney, Wolfowitz, Perle,
Rumsfeld, Rice, Ashcroft, Kristoll e Kagan, junto com outros maquinadores do
conservadorismo dos anos 1980, adotaram a George W. Bush como seu candidato,
submeteram o “partido das ideias” ao “partido dos negócios” e ajudaram a
derrotar a candidatura do democrata All Gore apesar de ter tido votação
majoritária. Conceberam sua missão como uma cruzada dirigida a implantar uma
era conservadora no plano cultural e moral, a erradicar a concepção laica da
vida – desde a obrigatoriedade da reza nas escolas públicas até a proscrição da
teoria de Darwin -, a combater o igualitarismo, o ecologismo e o feminismo, e a
entronizar a prominência da segurança do estado sobre as liberdades civis.
Para impor essa nova era, os neocons idealizaram
essa cruzada como uma contrarrevolução permanente destinada a impulsionar e
consolidar sua perpetuidade[x]. Seu afã foi (e é) reverter o enfraquecimento da
hegemonia estadunidense e a decadência de sua concepção de democracia para
“restaurar” um corpo social ordenado, disciplinado e hierarquizado. Daí sua
pressa por implementar algumas das principais requerimentos da “nova” direita:
traduzir o sentimento de incerteza causada pela globalização e a crise a uma
situação de temor coletivo pela segurança; converter as controvérsias políticas
e socioeconômicas em conflitos étnico-culturais e religiosos; construir “inimigos”
e ameaças que justifiquem generalizar medidas de exceção, e desqualificar
sistematicamente a toda crítica e alternativa política.
Seu objetivo é varrer as restrições que as passadas
reformas liberais e movimentos sociais antepuseram ao capitalismo selvagem.
Esforçaram-se por beneficiar as grandes corporações, instigar o fundamentalismo
cristão e entronizar a noção norte-americana de civilização e democracia por
qualquer médio, inclusive o militar. O apogeu de sua influencia foi coroado com
o máximo de aproveitamento da oportunidade oferecida pelos brutais atentados do
11 de setembro, que lhes facilitaram ampliar o controle sobre os meios de
comunicação, regredir as liberdades públicas e desatar as guerra contra o
Iraque e o Afeganistão.
A variante espanhola
A direita espanhola, por sua vez, tem na América
Latina uma trajetória que vem desde os tempos da “hispanismo” franquista (de
Francisco Franco) e abarca duas grandes experiências contrarrevolucionarias. A
primeira remonta ao “levantamento” fascista contra a democrática República
Espanhola e a sangrenta repressão que veio depois. Sua influencia em nossa
América se prolongou em colaboração com as “oligarquias” que então dominavam em
nossos países e com grande parte da hierarquia da Igreja católica da época.
A segunda deriva do papel que a direita espanhola
assumiu depois da transição democrática e a europeização, em que voltou a se
conceber como destinada a reverter os progressos sociais e políticos que os
povos de seu país conseguiram recuperar durante o processo pós franquista. Esta
“nova” direita aparece menos vinculada à hierarquia eclesiástica e dotada de
uma linguagem mais contemporânea e midiática, em correspondência com seu
vínculo com uma classe empresarial mais cosmopolita, em que os operadores das
empresas transnacionais – e especialmente as espanholas – têm importante
presença.
Também contribui para este esforço o fato de que na
América Latina (como na Espanha) as velhas formas de hegemonia política e
governabilidade estão muito questionadas, como demonstra a crise dos velhos
partidos e a emergência de governos progressistas. No interesse de remoçar os
métodos e estilos políticos a direita espanhola assessora e auxilia a suas
congêneres latino-americanas, ao extremo de animar a mudança de nome de vários
partidos conservadores e democrata-cristãos da região que agora, na moda de seu
irmão mais velho peninsular passaram a partidos “populares”.
A preocupação diante da perda de eficácia dos
sistemas políticos vigentes, de seus partidos e das instituições parlamentares
– bem como diante da superficialidade dos meios de comunicação com relação às
novas demandas sociais -, levou a buscar novos enfoques. Na América Latina a
“nova” direita agora apela a se apresentar como uma opção antipolítica. Isto é,
fazer-se ver como crítica do sistema estabelecido e, por consequência, como uma
força extra-sistêmica supostamente disposta a mudá-lo. Isso obriga a um esforço
por se apresentar como a opção para o “esquecido” homem comum, de seus medos e
aspirações diante de um sistema político insensível e imóvel, diante do qual
ela se promove como a alternativa de “mudança”. Tentativa que a leva a
maquilar-se com o perfil populista que José María Aznar recomenda a seus
pupilos latino-americanos, além da mera substituição do nome de seus partidos.
A direita norte-americana na hora do chá
A incapacidade do presidente Obama para atual a
altura de suas promessas e rápido regresso a várias políticas do governo
anterior, constituem motivos adicionais para animar a direita “popular”
norte-americana a lhe cobrar o preço pelo revês eleitoral. Para preparar sua
ofensiva nas eleições parlamentares de meio período em 2010, foram realizados
separadamente os encontros do Tea Party Movement – o ramo mais rústico do
fundamentalismo conservador – o do chamado Conservadorismo Constitucional – a
direita elegante -.
Ambas as vertentes coincidiram no propósito de
desencadear “a mais implacável campanha de descrédito e desgaste contra um
governo eleito de que se tenha memória na política norte-americana”[xi], um
governo que desde a primeira hora acusaram de “socialista”. Esses encontros
mostraram que os neoconservadores não se conformariam com recuperar em seguida
o controle do Congresso e logo o da Casa Branca, mais sua decisão de eliminar definitivamente
os contrapesos institucionais e legais que anteriormente lhes havia obstruído o
caminho ao neofascismo nesse país; ou seja, a mudar todo o sistema.
Muito do linguajar desses dois encontros logo
impregnaria o discurso das direitas espanhola e latino-americana.
Sob a regência do presidente da Fundação Heritage,
o Conservadorismo Constitucional proclamou a Declaração de Mount Vernon, que
recuperou o essencial do Projeto para um novo século americano, de fins doa
anos 1990. Esta declaração retoma o clássico recurso de invocar, a sua maneira,
os princípios da Declaração de Independência e da Constituição, e usá-los para
argumentar que nas últimas décadas esses princípios foram minados e adulterados
por sucessivos extravios radicais e multiculturais na política, universidades e
cultura estadunidenses. Isto plasma seu repúdio às conquistas obtidas desde
meados do século passado, e não apenas às iniciativas que a administração Obama
pudesse acrescentar.
Em consequência, a Declaração alega que urge uma
“mudança” que volte a por o pais no rumo daqueles princípios. E para isso prega
um conservadorismo “constitucional”, dirigido a conseguir um governo de
salvação nacional “que garanta estabilidade interna e nossa liderança global”.
Entre esses princípios se destacam, claro, não só a liberdade e a iniciativa
individuais, mas a irrestrita liberdade de empresa e as reformas econômicas com
base nas relações de mercado, ademais da tradicional litania sobre a defesa da
família, a comunidade (local) e a fé religiosa.
O que nos coloca diante de um claro apelo não
apenas a empreender uma contrarreforma mas a realizar a “contrarrevolução
preventiva”[xii], e não só em escala norte-americana mas global, como de
depreende da argumentação em que esse apelo se apoia e do dever que este
movimento lhe atribui e aos Estados Unidos bem como da natureza da potencia em
cujo nome se proclama esse relançamento de um “destino manifesto”.
Os meios: retóricas por realidades
O perfil populista da “nova” direita é reforçada
através de seu persistente interesse em explorar os meios e as técnicas de
comunicação e publicidade massivas como principal instrumento político, no
lugar das debilitadas formas tradicionais de gestão político-eleitoral. O modo
de fazer reflete sua afeição pelo estilo norte-americano para aproveitar os
instrumentos midiáticos. Na América Latina, esta direita se apoia especialmente
nesse recurso e o assume com assessoria de especialistas norte-americanos e de
latino-americanos formados nas escolas estadunidense de pesquisa e manejo da
opinião pública.
Hoje vivemos em meia a demandas e tensões sociais
más complexas e dinâmicas que as existentes quando se formaram os atuais
sistemas de representação e manejo político. Os procedimentos e partidos
tradicionais perderam a confiança pública, enquanto que os meios de comunicação
mais poderosos superam a capacidade dos partidos para contatar a uma massa
plural de grupos sociais que carecem de outras vias para perceber e interpretar
a realidade. Grande parte da população tem limitações para conhecer os
acontecimentos como partes de um processo que a envolve e afeta, e no lutar de
ver o conjunto apenas avista as imagens fracionadas que os meios oferecem.
Nestas circunstâncias, o populismo de direita
assume a indústria da comunicação como veículo de performance que –
substituindo a velha propaganda – entroniza uma retórica destinada a suplantar
a realidade, ao mesmo tempo em que alinha os meios de maior penetração como
instrumentos de poder político.
As retóricas midiáticas são exploradas como um
sucedâneo que acomoda a substitui a realidade efetiva.. Quem domina os meios
está em vantagem para impor os temas onde se dirige a atenção de grande parte
da sociedade e para qualificar aos atores políticos e os conteúdos em discussão.
O predomínio midiático permite destruir ou construir reputações, tanto de
ideias e de pessoas como de propostas, assim como ignorar ou falsear opções e
fazer que outras prevaleçam. Também permite substituir os temas relevantes com
variadas sacadas de trivialidades.
Com esse apoio essa direita pode converter as novas
formas de vestir a opção reacionária em uma alternativa mais difundidas
“popular’ que as colocadas pelas esquerdas; sobretudo quando estas últimas não
souberam renovar e promover suas propostas através de métodos e linguagens mais
frescos e persuasivos.
No modelo midiático que articula essa combinação de
lugares comuns sedutores coincidem tanto os neocons como os Berlusconi. Sem
considerar que esses meios de comunicação “normalmente” são de propriedade – ou
estão sob controle – de interesses sociais, econômica e ideologicamente afins
às elites que patrocinam as campanhas conservadoras, que por sua vez constituem
um conglomerado capaz de alçar as iniciativas de direita por cima dos antigos
partidos conservadores.
Com isso finalmente a relação se inverte: o “estado
maior” do conglomerado midiático – o “partido” midiático – é quem fixa a agenda
para as organizações políticas, revolvendo os termos entre o supremo
manipulador informativo e o partido que deve dar a cara por ele.
Como em família
Assim, cabe reconhecer um conjunto de
características que as diferentes modalidades locais da “nova” direita em
diferentes graus compartilham. Sem esgotar a lista, nem supor que todas estas
características sempre estarão presentes em cada caso particular, sobressaem
nove atributos comuns.
Procura-se generalizar a atmosfera de descrédito
dos atores e organizações políticas conhecidas e se extrapolam as acusações de
real ou presumida corrupção, insensibilidade, banalidade ou incompetência dos
políticos, de seus partidos e parlamentares e da própria política. Para isso se
explora a existência real de não poucos casos de atores e organizações que
defraudaram as expectativas populares, para absolutizar o repúdio aos atores
políticos e parlamentares e entronizar a imagem de que todos devem ser varridos
da cena. Com isso se descarta a existência de líderes honestos e propostas
válidas, e da política como atividade confiável para solucionar os problemas
sociais. Se avaliza o clima de “todos para a rua” e propiciar sua substituição
por outro gênero de agentes, supostamente “apolíticos”, cuja legitimidade corre
por conta dos meios mais influentes.
O campo clássico da política é invadido por um
personagem da elite empresarial, na direção de seus associados e operadores. O
argumento é a suposição de que o estilo de mando da gestão empresarial é mais
eficaz e pode ser aplicada à gestão pública. Esta invasão se justifica com o
argumento de que tornará menos deliberativa e mais expedita a administração do
Estado, como se os processos e confrontos sociais – e as opções de solução
política – pudessem ser decretada por um chefe de empresa, como as decisões
gerenciais[xiii].
A pretensão e o discurso messiânicos, segundo os
quais a perpetuação da ordem sociocultural e econômico “ocidental e cristão” –
ou alguma noção equivalente – está ameaçado pelos excessos do legado liberal, a
permissividade, a decadência do sistema político ou das ideias socialistas, o
que torna necessário uma cruzada preventiva ou corretiva para restaurar os
valores tradicionais, reinstaurar a ordem, a disciplina e as hierarquias
sociais, reestabelecer a segurança pública e, particularmente, melhorar a
rentabilidade do capital para atrair investimentos[xiv].
Não obstante a prioridade da elite econômica que
lidera essa direita não necessariamente é controlar o poder político para
governar conforme o interesse global de sua classe, mas tomar o poder público
para impor seus interesses pessoais ou de grupo, inclusive aos demais setores
da burguesia, e até despojá-los, como Ricardo Martinelli, no Panamá. Este
propósito inclui apelar sistematicamente ao suborno, chantagem, à intimidação,
as penalizações extrajudiciais e o escracho destinado a amedrontar a terceiros,
aplicados de forma seletiva, discreta ou ostensível de acordo com as
conveniências do momento em que são empregadas.
Adota-se uma retórica e atuação agressivas que se
destacam no debate publico como um pacote de advertências e um estilo cesarista
e messiânico, para justificar medidas de exceção e instalá-las como rotina de
governo. Por exemplo, o reiterado apelo que fazia George W. Bush de citações
bíblicas como argumento para impor políticas de exceção e cercear direitos
cidadãos com o argumento de combater espantalhos externos como o terrorismo
internacional, fantasmas domésticos como o narcotráfico e os imigrantes. Em
definitiva o que se combate não é o mau que se menciona mas o espectro
construído com o qual o tema se presta para golpear a terceiros, inclusive mais
que aos próprios causantes ou atores reais do perigo que se diz querer
reprimir[xv].
Para implementar esse cesarismo, destaca o afã
obsessivo e imperante por controlar e subordinar os outros Órgãos do Estado e
demais instâncias da gestão pública, e concentrar o poder em mãos do Executivo.
Adota-se um modo vertical de mando que reduz e estreita os âmbitos de consulta
e deliberação, que margina as organizações da sociedade civil e põem em crise a
institucionalidade democrática, desconhece seus âmbitos de autonomia, anula a
segurança jurídica e desvanece os limites entre o público e o privado. Para
isso a “nova” direita – enquanto que extrema direita – não reconhece a
legalidade por seus méritos sociais, mas como instrumento que se pode implantar
para fins particulares, ou como obstáculo que vale eludir ou remover quando
convenha.
Se entroniza uma forma populista de mandar que, com
apoio midiático massivo se arroga a representação da massa dos cidadãos
anônimos. Espalha entre estes as promessas de ocasião que permitam aparecer
diante das câmaras atendendo seus anseios, sem calcular a prioridade e
sustentabilidade de tais oferecimentos, nem sua pertinência com relação a uma
estratégia de desenvolvimento sustentável. Cultivar midiaticamente a imagem
populista leva a apropriar-se dos temas, modismos e personagens de maior rating
e instrumentá-los. Como parte do charm exigido, a “nova” direita faz uma
prolixa exibição de atitudes, formas de vestir, procedimentos e extravagâncias
que a façam se vista como “antipolítica”, mascarando-se com as características
de um gênero atípico de liderança – resumidamente anti-sistêmico ou outsider –
contrário aos hábitos característicos das instituições e dirigentes
tradicionais[xvi].
Redirecionar as insatisfações sociais para outros
alvos, escolhidos para a ocasião, o que implica mobilizar uma permanente
ofensiva midiática em torno a determinadas ideias-força, selecionadas conforme
os objetivos do regime, a conjuntura política a escolher e as características –
e vulnerabilidades – dos adversários que se pretende desqualificar. Para isso
se seleciona e caracteriza o inimigo a combater (seja a esquerda, os
sindicatos, os corruptos, os negro, os judeus, os imigrantes, a delinquência, o
terrorismo ou alguma combinação disso tudo) e se lhes dedica a atenção
midiática do caso, para justificar medidas punitivas que na prática também
afetarão a maioria das demais pessoas. Para isso a “nova” direita elege,
estimula e teledirige mal estares reais existente na população e os perfila
contra os alvos escolhidos para que sobre eles se canalize o mal estar
coletivo[xvii]. Como, ao mesmo tempo, constrói metodicamente a imagem de uma
liderança e um propósito desejáveis, tais como “a mudança” , a segurança nas
ruas ou o cárcere para os anteriores governantes. Quem domina os meios não
necessita explicar a natureza da “mudança” como tampouco provar a culpabilidade
dos acusados, posto que os linchamentos midiáticos o dispensa.
Com frequência, a todo o anterior se agrega um
persistente afã por anunciar e inaugurar obras ou ações monumentais, não
necessariamente imprescindíveis mas sempre de notável impacto visual e alto
custo. Esse afã da “nova” direita pelo monumentalismo repete uma característica
típica do fascismo, como formas históricas da extrema direita.
O clima e a ocasião oportunos
Qual o transfundo motivador da “nova” direita nas
Américas de nossos dias?
A universalização da crise que emergiu em 2008 –
que não é só mundial por sua extensão mas também porque tem presença funesta em
múltiplos campos da realidade[xviii] – exacerba as incertezas e frustrações
próprias da declinação do capitalismo, pelo menos a do capitalismo que
conhecemos.
Agregada à falta ou insuficiência de projetos
alternativos, a crise acelera sentimentos coletivos de incerteza, pela
precariedade do trabalho, da segurança pessoal, da saúde a velhice e de
confiança nas expectativas. Na Europa e Estados Unidos, a crise tenciona a
relação com pessoas e coletividades de outras etnias e culturas e exacerba o
racismo.
Em um ambiente de flutuações econômicas, políticas
e socioculturais imprevisíveis, uma plebe despojada e ofendida pelos efeitos da
recessão porém extraviada, desloca-se no amplo espectro político de tal maneira
que num dia elege a um mandatário e noutro dia o rechaça[xix]. Isso também
proporciona ao ambiente psicológico propício ao discurso messiânico,
demagogicamente prometedor de “mudanças” e de certezas cosméticas que a “nova”
direita oferece pela boca de líderes machos que dizem saber o que fazem e ter a
coragem (ou falta de inibições) para realizar imediatamente. Como também uns
adversários convenientemente selecionados para quem desviar as insatisfações
acumuladas pela situação[xx].
Porém, o autentico motor do assunto está no
objetivo de garantir a segurança e a rentabilidade do capital, não só diante da
crise mas diante do perigo de que a inconformidade social se traduza em
transbordamentos e rebeliões, seja como caos ou como revolução. Quer dizer, o
objetivo de proteger o capital adiantando-se a reimplantar as condições de
ordem e hierarquização sociais que falta, não só para salvaguardar o regime
capitalista, mas também para tirar de seu caminho as restrições que no último
séculos limitaram a taxa de lucros: as normas de seguridade social e de
direitos sindicais, de direitos a investigar e informar, organizar-se e
rebelar-se, etc.
Por conseguinte, detrás dos bastidores o que há é
um programa neofascista, mesmo que chamado de outra maneira. A “nova” direita
não é conservadora mas extrema direita, tanto por seu projeto econômico como
por sua fundamentação ideológica e política. O diferente está na época e no
mode de se apresentar, agora equipada com outros instrumentos, os de um
fascismo civil vestidos em formas más atraentes, para um público que os meios
mantêm mais fragmentado e desmemoriado.
América Latina: uma contenda sobre terreno instável
Em grande parte da América Latina os movimentos e
partidos progressistas mantêm a iniciativa política, so que agora se encontram
diante dessa ampla contraofensiva de uma direita remoçada. Encontramo-nos
diante de uma extensa pluralidade social que está em disputa e – como
corresponde em tempos de transição – em que há uma diversidade de opções
abertas. Por um lado, essa “nova” direita tende a prevalecer sobre as formações
conservadoras tradicionais, mas sem descarta-las. Por outro lado, o panorama
das esquerdas é mais variado, como é natural a sua natureza questionadora e
criativa, que explora e propõem diversidade de caminhos.
Em nossa América os problemas desatados tanto pelas
políticas neoliberais como por seu fracasso se superpõem com os feitos do
anterior abandono dos projetos desenvolvimentistas, revolucionários e
nacionalistas dos anos 1960 e 1970. E a insuficiência das novas propostas com
que enfrentar os tempos que correm. A crise social está muito mais avançada que
o desenvolvimento de novas propostas político-ideológicas.
Depois de tantos anos de insatisfações as pessoas
estão fartas, sem que isso signifique que já estão conscientes de suas
possíveis opções históricas. Assim sendo, esse difuso e multiforme mal estar
tem contribuído a fortalecer o apoio eleitoral às ofertas progressistas, porem
não necessariamente está preparado para aceitar alternativas mais radicais. A
dor e a irrigação pelas consequências da desigualdade extrema, a precariedade
do emprego e a miséria convivem com o descrédito dos partidos e sistemas
políticos conhecidos e, ao mesmo tempo, com uma enorme sensação de temor que
resulta da falta de certezas e a frustração de expectativas.
É nesse contexto que há que se medir força com uma
direita remoçada que entra a disputar no campo político. E que vem com os
recursos que já sabemos: predomínio midiático, boa orquestração continental e
umas consignas populistas que têm as vantagens de uma brutal simplificação dos
problemas e expectativas populares que facilita sua propagação[xxi], ao
deslizá-las sobre o limo dos estenótipos do chamado sentido comum.
Em períodos assim o solo político é movediço:
abundam os realinhamentos – táticos, programáticos e ideológicos – das direções
dos partidos políticos e organizações, como também dos setores sociais que eles
pretendem representar. Isto é um espaço propício para qualquer gênero de
aventureiros, como antes foi Fujimori e depois Álvaro Uribe, Maurício Macri ou Otto
Guevara. Quer dizer, da crise geral não só se pode sir pela esquerda, como
também pela direita, como em seu tempo ocorreu com o fascismo depois do impacto
da Grande Depressão.
Não obstante, isto não nega mas sim recorda que do
lado das forças progressistas subsiste, como a parte visível do iceberg, uma
enorme incubadora social espontaneamente orientada à esquerda. Está no seio da
própria população. Sem bem seja certo que a crise – econômica, sociopolítica e
ideológico-cultural – propicia confusões e recomposições, isso não conduz a um
suposto “retorno à direita” tal como hoje predizem certos “analistas”[xxii]. Ao
contrário, em nenhum país latino-americano existe um movimento de massas que
apoie projetos contrarrevolucionários.
Embora aqui ou acolá a esquerda política ainda não
conseguiu renovar e unir suas propostas, a vida sim impulsiona a uma esquerda
social que se expande sob a superfície, mesmo não estando ainda conceitual e
organizativamente desenvolvida. Se no lugar de perguntas nas pesquisas sobre as
siglas dos partidos se perguntasse sobre os problemas diários, constatar-se-ia
que é falto que nossos povos derivam à direita. Por isso mesmo as campanhas da
“nova” direita se mostram tão necessitadas de remedar os discursos
progressistas[xxiii].
O que ocorreu no Chile nas eleições de 2009 não
demonstra outra coisa. A Concertación por la Democracia, que governo esse país
durante 20 anos, não foi um exemplo de reativação que as esquerdas
latino-americanas experimentaram a partir de finais dos anos 1990 em rechaço às
teses e sequelas do neoliberalismo. Ao contrário. A Concertación foi produto de
uma etapa anterior, de transição pactuada da ditadura à democracia neoliberal
(que ocorreu paralelamente à claudicação da socialdemocracia diante do
neoliberalismo). Sobrevivência do modelo pinochetista de Constituição,
institucionalidade pública, sistema eleitoral e economia de mercado assim o
comprova, ao mesmo tempo que representa o fantasma de uma transição democrática
que ficou sem terminar.
A articulação desta ofensiva
Ainda que a tradição das esquerdas, o
internacionalismo e a solidariedade ocupem um lugar relevante, na atualidade a
maior parte de suas organizações latino-americanas consome seus escassos
recursos em tarefas nacionais. Nos últimos lustros, depois da ofensiva
neoconservadora dos anos 1990, todas não vão além do plano declaratório. As
organizações e foros internacionais das esquerdas dão mais oportunidades
periódicos para compartilhar reflexões, do que oportunidades para organizar
cooperações de maior magnitude.
Na direita se instrumenta um internacionalismo mais
prático. Hoje em dia a sustentação de cenários e atividades de instrução e
colaboração política internacional é muito mais constante e efetiva para suas
organizações. Para isto há um polo articulador: na América Latina todos os
partidos direitistas de alguma importância têm vinculações com o Partido
Republicano e com fundações e universidades conservadoras dos Estados Unidos,
da mesma forma que o Partido Popular espanhol e as fundações que lhe são
próximas[xxiv].
Os quadros jovens dos partidos de direita
frequentam cursos patrocinados por fundações e universidades conservadoras,
particularmente na área relacionada com o marketing político com ênfase na
pesquisa e manejo da opinião pública e as técnicas para dirigir as comunicações
sociais. Miami alberga um grande conglomerado de instituições e cursos de
formação nessas especialidades par os novos quadros da direita
latino-americana.
Além disso, é claro que essas jovens promessas
político-empresariais estudam nas universidades estadunidenses. Uma notável
proporção dos dirigentes das direitas latino-americanas são ex condiscípulos de
formação, cursos e pós graduação nessas instituições.
Proliferam igualmente os eventos de capacitação político-ideológica
que propiciam encontros das jovens promessas da direita com seus veteranos
referenciais europeus, latino-americanos e estadunidenses. José Maria Aznar,
por exemplo, sem que seja sequer um intelectual de médio brilho, passa o tempo
voando, no sentido literal da palavra.
Por sua vez os mais importantes não só assistem as
mesmas conferências nos Estados Unidos ou as proferidas por gurúes
estadunidenses em cidades latino-americanas e, como se não bastasse, não poucas
vezes em coincidências com reuniões da juntas diretoras e reuniões de
acionistas das empresas. Empresas que a cada dia operam em maior número de
países da região, e fundem seus respectivos interesses sob o guarda-chuva das
transnacionais. Em consequência, não surpreende que pensem a nossa América com
os mesmos parâmetros, assumam projetos políticos similares e se ponham de
acordo para harmonizar suas atividades políticas.
As esquerdas latino-americanas não dispõem de nada
parecido. Se bem seus encontros oferecem oportunidade a meritórios esforços de
reflexão, não cobrem esse ambicioso espectro de homologação estratégica.