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quarta-feira, 28 de abril de 2010

http://www.gilbertodeabreubr.blogspot.com/

Essa foto tirada por aninha sette no rio de janeiro, no dia 12 de setembro de 2001, mas tudo começou um dia antes quando eu e o kimura chegamos ao rio para o lançamento, na academia brasileira de letras, do vídeo eu e os anjos de autoria de josé sette. vídeo que além de documentar a peça homônima traz entrevistas e depoimentos de vários intelectuais, escritores e poetas brasileiros. eu e os anjos é uma montagem de poemas do augusto dos anjos interpretados por kimura, os cenários de minha autoria e sob a direção do josé sette. da casa do músico claudio nucci, que encontráramos no ônibus que viajamos, ligamos pro zé para combinarmos sobre a sessão e lançamento do vídeo, quando ele nos disse que estavam explodindo prédios em nova yorque. pensei que o cineasta josé sette estava como o cineasta orson welles quando anunciou pelo rádio uma suposta invasão de ets. mas não, era verdade vimos in loco pela tv o momento da 2ª torre. fizemos o lançamento, convivemos com alguns imortais, dormimos na casa dos sette, e pela manhã, antes do almoço familiar, a aninha clicou para sempre esta foto para nós.

sábado, 24 de abril de 2010

Notícias

PSICOLOGIA DE MASSA, DO POVO E DA FÉ Leitores amigos, quando Brizola disse que se em vez de fazer os 500 Cieps (Escolas de tempo integral) para educar e dar cidadania as crianças do Rio de Janeiro, ele tivesse construído 500 igrejas, ele não teria perdido a eleição para o bispo da universal. O Darcy Ribeiro disse que durante a vida perdeu quase todas as lutas a favor de um país melhor, mas apesar disso ele não gostaria nunca de ter combatido ao lado dos seus vencedores. O que vimos ontem pela televisão, no encontro promovido pela Universal no centro do Rio, é a explosão de toda uma massa despreparada, desesperada, desinformada, deseducada e massificada com o que de pior se tem na mídia imposta por todos os canais abertos e fechados da televisão brasileira. Essa massa de gente possuída e poluída por desejos inconfessáveis são abastecidos, nos seus sonhos consumistas e de ascensão social, pelas novelas com suas histórias construídas na vida da alta sociedade de países ricos, inexistentes ao sul dos trópicos; valorizados pela propaganda consumista das grandes empresas estrangeiras que dominam os intervalos comerciais; pelos enlatados made in USA; pelos programas de auditório alienantes; pela proliferação de canais religiosos e mistificadores e até pelo novo cinema brasileiro – quem não quer ser um Chico Xavier, um pobre que deu certo através da fé e de Deus? Onde está embasado tanto sucesso? Na falsa felicidade de ser um assalariado ou na miscigenação de todos os credos? Do desprezo surge a esperança. Lula, o filho do Brasil, de formação católica, abandonou o culto quando frei Beto deixou o seu governo. A multidão de fieis que fecharam o aterro do flamengo no Rio assustou os meios informativos da poderosa e católica emissora de tevê. O povão que causou um grande congestionamento em todo centro da cidade, foi até ali na esperança do milagre, tantas vezes propagados pelos canais de tevê da igreja salvadora, onde cada graça é concedida dependendo das vultosas doações dadas por milhões de fieis que abastecem o cofre desta hoje poderosa organização nacional e internacional. Agora então com a pedofilia dos padres católicos, melhorou, em muito, o montante arrecadado por essas outras igrejas. É incrível! É preciso de muita força e saber para se manter correto e ideológico nesta babel de ignorantes desejos. Não precisa ser fanático religioso para saber que Cristo expulsou os mercenários do templo e fez de toda a natureza que o envolvia a sua igreja, o seu púlpito. Mostrava-se a todos, do alto da montanha, dizendo aos seus seguidores: que Deus, seu pai, estava nele e em cada um, e que Ele não precisava de templos suntuosos para dizer ao mundo todas as suas verdades. Todo mundo sabe disso! Ninguém consegue enganar a todos por muito tempo. Michel Foucault (Geanologia do Poder) afirmou quando visitou o Brasil que nós aqui, com tantos terreiros de macumba, candomblé, umbanda, não precisávamos da psicanálise. O esperto bispo criou uma igreja “universal” onde o sincretismo religioso toma de assalto, de todos os outros cultos, aquilo que é mais popular, que é mais oculto, que provoca mais mistérios e que oferece mais benefício ao praticante. Sempre tem alguém que resolveu definitivamente a sua vida depois de freqüentar os cultos. Satanás foi expulso do corpo de um visinho e ele ganhou na mega-sena. Maria parou de trair João, quando recebeu a benção… É tudo verdade! Quer assunto mais interessante? O homem comum não encontra isso em outra religião e anda desprezando e debochando de qualquer outra explicação dos católicos. No Brasil não se acredita e muito menos se tem paixão por nenhum partido político. Nem os velhos comunistas mantiveram suas legendas. A única coisa que supera isso tudo na alma do nosso povo é o futebol, como paixão e movimento de massa. O grande Wilhelm Reich, dissertando sobre a problemática da psicologia de massa diz, mais ou menos, o seguinte: quando os trabalhadores, devido aos baixos salários, entram em greve, essa ação deriva de sua situação econômica. O mesmo acontece quando um esfomeado rouba. Para explicar o roubo pela fome ou a greve pela exploração na provocação do poder econômico estabelecida por tão cruel sistema, é necessário, para psicologia de massa, explicar o inverso dialético deste caso: o que é necessário explicar não é que o faminto roube ou que o explorado entre em greve, mas por que razão a maioria dos famintos não rouba e a maioria dos explorados não entra em greve? Quem foi que disse que a religião é o ópio do povo?

sexta-feira, 23 de abril de 2010

Poesia

Efemérides Caboclas

No longínquo 1500
onde ode aves raras clamam sobre o manto negro da paixão.
A noite infindável. A seara. O Saara.
O descobrimento. A primeira invasão.
A primeira explosão.

O paraíso é invadido barbaramente
pelos portugueses, tal qual os espanhóis,
queimando, mutilando, destruindo,
dividindo as mulheres ao meio
com o facão afiado no corte vaginal.

Varando a terra sagrada
cobrindo-a de sangue
os anjos tocam suas trombetas
entre os índios
batendo borduna contra a cruz.

Anchieta e Vieira
A língua mãe nheengatu se encontrava com o latim
e suas poderosas vozes.

Invadimos a mata dos gigantes adormecidos
Imenso é o silêncio quando falam.

O Manifesto de Jurema
Pai velho e moça nova
Sincretismo de padre.

Todos se envolvem no elixir do pajé
Uma bela e jovem índia de corpo moreno
pintado de urucu passa e encanta o aventureiro
civilizado vestido da cabeça aos pés.

Na casa do caboclo bebendo água de coco
Pedro caminha e depois levita.

No ar uma fé terçã
O brasileiro das matas
Yapacam
A nação dos ventos
Tapiirapé.

Na noite brilham as estrelas
Os pássaros nas árvores
O silêncio

O breve e poderoso silêncio dos ventos
espanta na gávea o mágico observador
em pânico.

No alto barco do descobrimento
A terra é vista da linda ilha de Santa Cruz
0 duro pau brasil e o velho Cabral.
Perdidos na praia

No paraíso do continente dos trópicos.
Nas roupas coloridas do seu colonizador

Nos ricos índios nus com suas vergonhas
expostas tal qual malandro mirando o céu azul
cavalgando com as miçanga e seus brilhos
fazem a troca dos ladrões conquistadores

Em Itacuruçá a pemba vale à pena
Os riscos cabalísticos do caboclo na areia.
O Pegi e as coisas secretas
trazidas pelos negros enterradas
no quintal à sombra do cajazeiro

Do alto de uma paineira todo terreiro
perde-se na mata onde se encontra.

Os tambores batidos com os cachimbos tortos
Na Rua São Pantaleão dos encantados no Maranhão.
Mata, Ramos, Lund, Stradelli, Niemandaju, Nunes.

Estrangeiro amigo, macuco ferido,
perdido morto no igarapé do pós guerra
Flechado pela antropofagia branca
Pelo desentendimento cultural do
Bispo Sardinha até a segunda grande guerra.

As sete cidades irão inflamar a pré-história universal.
Já não bastassem as escritas do alto amazonas
todas cuneiformes contando e cantando a mitologia
grega nas viagens de Ulisses determinadas por uma
língua que ainda permanece em silêncio magistral
escondida no remo mágico dos Maués
interiorizada no noquén das mulheres guerreiras.


O Eldorado amazônico é o Brasil
Na mão da história o destino dos deuses
Na chapada do Espinhaço o diamantino
O mais fino dos homens.

Guimarães, Minas não há mais
No mar, só o ar do deserto
Chagas das montanhas
Na luz e na sombra da noite.

Fostes ontem Lua hoje é Marte no céu.
Na terra a morte do tijuco é contada

O sertanejo é um forte, fonte do saber
enterrado nos tesouros dos Rosas.

Nas grimpas do norte e do nordeste
Há inscrições desconhecidas em misteriosas cavernas

Nas cidades do ouro perdida nas matas
Mataram e sumiram com muitos aventureiros.

Há uma alma forte em negras aflitas
No forte Mina imprime-se e exporta-se
A fera África - A cultura moura
A terra arábica da guerreira imutável.

Do Ceará ao Saara
A divisão atlântica dos sonhos
O chorinho é o bálsamo dos trópicos.

Nas praias infernais e mediterrâneas
Parreiras antigas dos cânticos cobrem
O colosso de Rodes em ruínas

Onde estão os poetas de outrora?
Lusíadas e o céu de Alá
Quando se achará?


Os quinhentos anos já chegaram e você
escravo permanece cego

Entre tamanha terra de infindáveis riquezas
e inúmeros prazeres
O tabu dos jesuítas encantados
com as infindáveis festas de valor religioso e duvidoso
nunca imaginadas pelos europeus deslumbrados
com tamanha fé se vê bem e o mal
o seu ver é sofrer o nosso é gozar
carnaval-salada oculta de todas as poesias

Pessoa é Portugal que Sá Carneiro
em mil e quinhentas lutas.
desfraldou Cabrália na Cruz desfeita
Fez o cardeal a inquisição
Belém, Belém, batem os sinos
Os autos contra o guerreiro
tocam badaladas de horror
nos sinos da matriz.

As duras penas o sonho branco da riqueza fácil
É a cachaça dos engenhos, dos negros,
dos pesadelos indígenas.

No fim das mangueiras e das madrugadas frias
Só resta o terreiro de macumba
Os ratos no deserto
A praça da Paz da zona sul

O mangueiral colorido de verde e rosa
o vermelho estendido e entendido no varal da história

Deixa-me perplexo pensar agora se há glória na glória
de ser colonizador.

Chama-se Brasil o mênade menestrel das desgraças
geométricas de um povo latino americano sem nenhuma história.

Para cada começo sempre existirá um fim.
Nenhuma sombra há de apagar a luz de uma vela.
Poucos papagaios e muitas piranhas nas matas e rios.

Eu tenho vinte anos e não exerci ainda a minha cidadania
Sobra de tudo aqui, pois aqui tudo se dá
Os portugueses nos ensinaram

Goiabada industrial é banana com chuchu
A cachaça e a tiquira
Só é saborosa com caju

O guaraná na mata dos Maués
pinga de mandioca brava com biju

Feijão com angu, sururu, umbu com leite
talha, coalha, espalha energia de um povo
Para o mundo
Para o deleite ufanista do conquistador.

Terra a vista! É o Brasil! Ora pois...

quinta-feira, 22 de abril de 2010

CONTO (final)


Estava a caminho do meu encontro com Demóstenes quando sou surpreendido por um assalto a uma joalharia do balneário. Em seguida aconteceu o tiroteio entre o proprietário da loja e os dois bandidos. O proprietário leva um tiro fatal. A munição dos bandidos acaba. Os dois correm. A população enfurecida cerca e ataca os dois bandidos promovendo um linchamento. Cheguei à casa de Gabriel e toquei a campanhinha. Gabriel é que veio atender a porta. Eu disse para ele: - Sou o Dr. Zomadoni e vim ver o professor Demóstenes.
Gabriel:
- Pois não doutor. Sou Gabriel, filho do professor, vamos entrar.
Dei ordem para os dois marinheiros ficarem me esperando e entrei.
Marcos:
- Quem é o senhor?
Zomadoni:
- Sou médico e amigo do seu pai.
Marcos:
- Ele se deitou e não deu mais sinal de vida.
Gabriel:
- Não é nada disso doutor, ele só esta dormindo.
Zomadoni:
- Vamos vê-lo!
Entrei no quarto onde Demóstenes estava deitado. Tirei a sua pressão e tentei reanimá-lo. Quando fui tirar o seu capacete, Gabriel interveio:
- Meu pai pediu para que não mexesse no seu capacete!
Zomadoni:
- Preciso examinar a sua cabeça...
Marcos:
- Pode tirar doutor esse ridículo capacete...
Gabriel:
- Ninguém toca no capacete do meu pai...
Marcos:
- Gabriel, não seja ridículo!
Zomadoni:
- Sou médico e preciso examinar a cabeça do seu pai. Retiro o capacete, examino rapidamente e coloco o capacete novamente nele... Tudo certo?
Marcos:
- Por mim tudo bem.
Gabriel:
- Faça tudo o mais rápido possível e depois coloque o capacete no lugar.
Peguei com delicadeza o capacete da cabeça de Demóstenes e retirei do seu fundo, sem eles notarem, a moeda dourada ali guardada. Coloquei novamente o capacete no professor. Peguei no seu pulso e verifiquei que sua vida estava no fim.
Zomadoni:
- O seu pai está muito mal e eu aconselho aos dois levarem ele para um hospital. Se vocês quiserem eu providencio a ambulância.
Marcos:
- Não é preciso, o único hospital da cidade é de um grande amigo, vou telefonar para ele...
Zomadoni:
- Então estou indo...
Gabriel fica sentado na cama ao lado do pai. Só, quando a porta da entrada é fechada, é que ele nota que o médico havia ido embora.
Gabriel:
- Marcos! Cadê o Doutor com a sua boquinha de anjo?
Marcos:
- Boquinha de Anjo... Você acertou em cheio, o cara tinha um ar andrógino e uma roupa bastante bizarra...
Gabriel:
- Parecia um ser de outro planeta...
Gabriel coloca o seu ouvido na boca do pai e fica um tempo ali tentando ouvir alguma coisa. Com a mão na cabeça ele grita para Marcos:
- Você já chamou o médico? Da sua boca não sai nenhum ruído e o seu corpo esta gelado. Acho que o nosso pai morreu.
Marcos apressado aproxima-se da cama, pega no pulso de Demóstenes e sente que ele está vivo. A ambulância chega com as sirenes ligadas. Os enfermeiros entram apressados carregando a maca. Atrás vem o médico, o amigo de Marcos.
Vejo tudo de longe.Tenho pena de Demóstenes. Ele era uma rara figura humana. Pelo seu achado na África vai ganhar uma fortuna... Só não sei onde ele vai poder gastá-lo.
Demóstenes, mais jovem, está nu na sala onde tem um piano. Ele senta-se e toca uma música de Chopin. Mariana, também nua, chega perto dele e acaricia o seu pescoço, seu rosto, seu ombro, suas costas, suas pernas, e depois, agachada, engatinha para debaixo das pernas de Demóstenes e acaricia o seu desejo.
Julio acorda de sobressalto e quando vê ao seu lado Mariana, sorri, abraça Mariana que também acorda assustada com Julio lhe agarrando pela cintura.
Mariana:
- O que você quer Julio? Diga-me rápido: se o farol piscar três vezes, o que é que você vai fazer?
- Eu vou amar você!
Julio e Mariana fazem amor.
Julio diz alto e depois sussurra no ouvido dela, sem parar:
- Mariana o amor pode tudo, pode tudo, pode tudo... Eu te amo! Amo-te e te quero muito!
Mariana, não se entusiasma e nem sente prazer completo naquela relação. Ainda tem muitas dúvidas a respeito desse amor.
No hospital os filhos recebem a notícia da morte do pai.
Eu naveguei com o meu barco até a praia deserta onde havia marcado o encontro final com Demóstenes para recuperar a última moeda. Toda a negociação feita com antecedência pelo professor renderia uma mala de dinheiro que seria entregue para Mariana quando eu recuperasse a última moeda.
Mariana:
- Olhe! Silêncio! Eles estão chegando.
Mariana e Julio saem do carro e caminham até as luzes que se encontram a beira mar. Estou com os meus dois marinheiros. Eu passo para Mariana a mala com o dinheiro combinado. Julio me entrega o capacete. Mariana abre a mala e confere o dinheiro.
Os dois caminham pela praia em direção do carro. Eu os observo e grito bem alto: - Demóstenes! ... Julio e Mariana continuam caminhando sem olhar para trás. Os dois entram no carro. À noite esta muito escura. De repente, ali sentados, os dois olham para frente e ficam ofuscados com a forte luz que brilha como sol no pára-brisa do carro. Julio aciona a ignição e o carro não pega. A luz desaparece no mar. O sol nasce no horizonte. O carro pega no arranque e eles saem da praia em disparada entrando na estrada em direção contraria do nascer do sol.
Quando volta do enterro do Pai, Gabriel recebe em casa um cartão da sua mãe Mariana, remetido da cidade de Buenos Aires, com os seguintes dizeres: Gabriel, nós estamos vivos, voltamos em breve.

Epílogo

Escrevi este conto, dia a dia, parte a parte, sem revisão, nem correções, vejo agora que elas são necessárias. Assim vou fazer as revisões e publicarei, em seguida, ele na página do blog que eu chamo de Folhetim.

FIM

quarta-feira, 21 de abril de 2010

CONTO

Demóstenes orienta seus filhos sobre o que eles deveriam fazer caso tivesse um novo ataque.
- Não mexam comigo! Não tirem de maneira nenhuma o meu capacete, ele é a minha proteção...
Marcos, assustado:
- Mas papai! Um capacete nazista? O que ele pode fazer bem ao senhor?
Demóstenes:
- Não toquem nele! Gabriel sabe que quando eu o coloquei na cabeça, a minha memória, o meu estado físico, melhorou muito. Se eu desmaiar, só me coloquem na cama e não coloquem a mão em nada. Chame um médico, mas deixe o capacete na minha cabeça. Ele vai chegar e medir a minha pressão. Ela praticamente não vai existir, estarei morrendo? Não! Ai ele vai tirar o meu capacete e levar com ele, não deixe isso acontecer...
Marcos:
- Você estará morrendo...
Gabriel:
- Vamos deixar essa morbidez para outros momentos. Papai, o senhor esta em plena recuperação... Nada de mal vai lhe acontecer.
Marcos:
- Eu também acho...
Demóstenes:
Assim estará tudo bem. Agora estou um pouco cansado e vou me recostar ali na cama. Vou tentar dormir um pouco...
Gabriel:
- É isso ai. Descansa enquanto eu vou preparar uma comidinha leve para te dar força e ajudar na sua recuperação.
Demóstenes:
- Obrigado meus filhos, Fiquem tranqüilo que nada vai acontecer comigo enquanto eu tiver esse capacete na minha cabeça.
Demóstenes deita na cama e fecha os seus olhos.
Mariana e Júlio estão no quarto do hotel. Julio que havia aberto o embrulho e descoberto o capacete, esta com ele na cabeça. Mariana sorri quando o vê assim e ele faz a mesma brincadeira que Demóstenes fez para ela quando comprou os dois capacetes.
Mariana:
- Julio, o que você faria se eu piscasse o farol três vezes?
Julio, com a voz diferente:
- Nós temos que ir atrás daqueles colaboracionistas que irão receber um carregamento de armas?
Mariana:
- Você às vezes me parece uma criança para quem temos de repetir milhares de vezes o mesmo pensamento para que ela possa entender alguma coisa verdadeira.
Julio:
- Desculpe-me... Uma verdade dita mil vezes torna-se uma mentira...
Mariana:
- Pisque o farol três vezes novamente.
Julio:
- No mar pode-se ver uma luz piscando três vezes. São as armas chegando, precisamos detê-los! Olhe! Estão piscando as luzes, você pode ver?
Mariana:
- Claro! Mantivemos o contato. Agora é esperar.
Julio:
- Enquanto isso nós fazemos o quê?
Mariana:
- Fale-me um pouco sobre você, sobre a sua família, seus amigos...
Julio:
- Não sei mais quem eu sou... Sou uma pessoa que aceitei um trabalho e me apaixonei pela contratante.
Mariana:
- Estes são os desejos mais comuns a todos os homens que se dizem civilizados...
Julio:
- E por acaso sou um bárbaro?
Mariana:
- O que você está sentindo agora?
Julio:
- Um torpor agradável. É como se fosse um sonho...
Julio deita-se na cama e fecha os seus olhos. Mariana bastante assustada observa com atenção os acontecimentos. Depois se deita ao lado de Julio.

terça-feira, 20 de abril de 2010

CONTO

Gabriel aproxima-se do pai e diz no seu ouvido:
- Pai o senhor está muito excitado, é preciso ficar mais calmo, se não pode ter um troço...
Demóstenes, se acalmando, volta a se sentar na cadeira, para de falar e fecha os seus olhos.
Marcos:
- Pai, você tem razão em tudo que disse a meu respeito. Confesso que exagerei ao querer colocá-lo na clínica. Gabriel tinha razão. Nesta hora a família deve estar unida.
Mas você ficou em um estado deplorável depois que o médico lhe deu a notícia...
Demóstenes:
- Fiquei sim, meu filho. Foi incontrolável... Mas tenho uma boa notícia pra vocês: eu estou curado!
Marcos:
- Pai, este capacete não está lhe incomodando?
Gabriel:
- Marcos deixa o velho um pouco quieto, se não vamos atrapalhar a sua recuperação...
Demóstenes:
- Não posso descansar... Preciso dar umas instruções a vocês dois... Silêncio.
No quarto do hotel Mariana e Julio entram no mesmo quarto onde tem uma cama de casal. Mariana coloca a sua estranha mala em cima da cama. Julio deita-se na cama enquanto Mariana vai até o banheiro. Júlio ascende um cigarro e olha para aquela bolsa que está na cama.
Júlio, falando alto:
- O que você carrega nesta estranha bolsa?
Mariana no banheiro:
- É a encomenda que temos de entregar amanhã...
Júlio:
- Posso ver?
Mariana:
- Pode.
Júlio:
- Então vou abrir...
Eu quero dizer que só sai do barco depois que os meus dois auxiliares me trouxeram o novo endereço onde eu poderia encontrar Demóstenes. Tomei um gole final no meu conhaque e sai para o resgate do objeto perdido há mais de 60 anos atrás. Foi durante a II grande guerra que se deu o fato. Um pequeno circuito eletro-atômico unia o pensamento de duas pessoas e fazia que ambas refletissem sobre os seus atos, tanto para o bem quanto para o mal, potencializando toda a energia do corpo. O circuito dava poderes extra-sensoriais a quem o colocasse sobre a cabeça. Pareciam duas moedas de ouro. No norte da áfrica, perto do Saara, dois soldados alemães da SS acharam duas moedas desconhecidas nas areias do deserto. Iam participar de uma investigação em busca de fugitivos da gestapo, na pequena cidade de Agadir, ao sul do Marrocos. Os dois soldados esconderam as moedas em seus capacetes. Na busca de um grupo de fugitivos da resistência francesa, bateram muito, com uma explosiva violência sobre-humana, em um informante da polícia e mataram, sem piedade, invadindo as casas da cidade, alguns árabes inocentes. Diante de tamanha barbaria insurgiu um movimento de vingança comandado por alguns árabes rebeldes, e assim, com mais alguns mortos, os dois soldados foram massacrados pela população em fúria. Passaram-se todos esses anos e só agora descobrimos o destino dessas extraordinárias moedas...
Demóstenes esta novamente excitado e anda, de um lado a outro da sala, na casa do seu filho Gabriel.

segunda-feira, 19 de abril de 2010

CONTO

Estava de volta ao meu barco no ancoradouro de Búzios. O mar estava menos agitado. Tomei uma bebida mais forte, ascendi o meu charuto e fui assistir a um filme no computador que tenho no barco. Solaris (Solyaris, URSS, 1972), de Andrei Tarkovsky. Confesso que gosto muito quando vejo o homem sonhando em conquistar o espaço, buscando o desconhecido. Um filme de ficção científica era a melhor pedida para essa noite. Solaris, com seus personagens em uma nave estacionada no espaço, envolvidos com um planeta vivo, que transforma metafisicamente suas mentes, era um prólogo de tudo que poderia acontecer. Demóstenes gostava desse filme também. Talvez tenha imaginado toda essa farsa inspirado no filme. O domínio e o poder da mente humana não têm limite. Como eu me parecia com ele. De manhã tenho que achá-lo... Vai ser desagradável esse encontro. Eu posso sentir a atmosfera densa invadindo a cidade. Vou precisar de um novo disfarce.
Soa a campanhinha da porta.
Gabriel:
- Quem será a essa hora?
Na sala da casa, Gabriel abre a porta para Marcos entrar apressado. Ele vai apressado até onde o velho está sentado com seu capacete e fala para Demóstenes.
Marcos:
- Pai! O Gabriel me falou que um milagre aconteceu aqui nessa casa, nessa noite, pois é, vamos, fala! Eu estou esperando...
Gabriel:
- Esperando o quê?
Marcos:
- O milagre!... Vamos pai! Fala comigo... Anda velho mitômano, fala uma mentira que seja...
Demóstenes:
- Estou com fome... Não tem nada para comer aqui nessa casa Gabriel? O que é que você quer comigo?
Marcos:
- Caralho! Você falou! Meu pai!
Demóstenes:
Pare com esse melodrama Marcos, não tem milagre nenhum... É como dizem lá no interior: - Ele esta recebendo a visita da saúde...
Marcos:
- Que bom papai que você voltou... Tenho tantas coisas para lhe dizer que nem sei por onde começar... Sei sim! Pra começar tire esse capacete ridículo da cabeça...
Julio e Mariana procuram pelas ruas da cidade um hotel, uma pousada, para passarem a noite.
Julio:
- Até agora eu não consegui entender o que esta acontecendo, acho que você tem que me dar uma explicação.
Mariana:
- Explicar o quê? Vamos amanhã a noite entregar uma encomenda...
Julio:
- Encomenda! De noite em uma praia deserta?
Mariana:
- Sim! Era necessário, além do mais o mensageiro não quer aparecer...
Julio:
- Mensageiro?... Olha! Esse hotel parece simpático, você não acha?
Julio encosta o carro na porta do pequeno hotel. Os dois saem do carro e entram na recepção.
Na casa de Gabriel, o seu pai tem o seu comportamento quase normalizado, um milagre, sem dúvida. De capacete, esperto, ágil, levantando-se com um pulo da cadeira, ele passa a andar na sala. Excitado, gesticulando muito, ele sai falando sem parar para os dois filhos atônitos.

sexta-feira, 16 de abril de 2010

CRÍTICA

De Novo o Vídeo Depois os Livros
Recebi e assisti ao vídeo do meu amigo professor Gilberto Vasconcelos. No pacote remetido com o DVD, chegaram também dois livros de sua autoria que eu ainda não conhecia: “Depois de Leonel Brizola e A Questão do Folclore no Brasil – do sincretismo à xifopagia”. Mas hoje eu quero falar sobre o novo vídeo do escritor, pois os livros precisam de mais tempo. Gilberto anda experimentando o audiovisual digital de uma maneira surpreendente. Lembro-me que quando morava em Juiz de Fora ele me apresentou alguns trabalhos realizados com seus alunos na universidade. A princípio fiquei espantado, não entendi direito o motivo da opção cinema. Irônico e panfletário, sob o signo glauberiano do inconformismo, ele usava a câmera como uma caneta agitada que registrava, documentava e reinventava, sem saber ainda, o inter-documentário, a linguagem nova do documentário jornalístico via internet. É ai, professor, que está o seu público.
Criando observações estéticas na ideogenia de alguns personagens admiráveis de nossa história, ele estuda o Brasil, homenageia-os nos seus livros e quer agora, através da imagem digital, chegar mais perto de todas as manifestações artísticas, na luta das ideias política e sociais. Gilberto é uma locomotiva a todo vapor na observação e na reflexão sobre assuntos e personagens do seu tempo, por eles exaustivamente estudados e dissecados com nobreza e conhecimento.
Possuindo uma inteligência e uma cultura revolucionária, passa-nos, pelos seus textos consistentes e muito bem escritos, uma nova visão do homem latino americano, uma visão nova deste continente esquecido, uma revisão crítica da nossa arte, da nossa massacrada cultura, do homem brasileiro em toda sua musicalidade.
“Darcy Ribeiro Um Só Corpo Varias Peles”; com esse belíssimo título ele homenageia o nosso mais querido antropólogo, realizando um vídeo documento, síntese do pensamento socialista brasileiro.
No começo a música épica, sobre os recortes plásticos das montanhas, anuncia e prepara o espectador para o gigante que se quer mostrar – Mayra, Mulo, Migo – são as palavras chaves do entendimento. Morte é o quarto romance que ainda não foi escrito, nem dito... Cruz-credo! Darcy não queria morrer. Só não queria ser esquecido. Que bela cadeira de descanso vazia onde um dia... Que belo plano, quase cinema. Descaso da preguiça. Macunaíma. Grande Otelo. Shkspr...! Welles. Coincidência para os tolos. Gilberto escreve o seu inter-documentário pelos dois olhos de Darcy e por milhões de outros olhos dos seus pares, homens fotografados que caminharam com ele por toda uma vida dedicada ao resgate da nossa nacionalidade e da dignidade perdida do seu povo. Silêncio. Cage. Perfeita a trilha. Não morrer. Ficar. Ficar nas palavras de concreto armado. Amado por quem já te conhece e admirado por quem vem um dia a te conhecer através deste documento visual que nos presenteia o professor Gilberto.
Um vídeo dialético que só não é definitivo porque perde, não para mim, é claro, mas para o espectador comum da internet, onde espero vê-lo exibido exaustivamente, o sentimento e a interpretação dramática do texto. Não faz mal?
Um crítico da folha poderia escrever: Gilberto vocifera, com a voz impostada, suas panfletárias reflexões sobre o seu homenageado, não que o texto lido seja de todo ruim, mas por falta de domínio vocal e do costume da leitura narrativa, feita no estúdio, em frente de um microfone, ele escorrega no texto e sem esses atributos a narração torna-se lenta e falha, monocórdia, perdendo todo o impacto inicial numa sucessão erros interpretativos, de lamentos sinfônicos com qualidade duvidosa. A partir do Negro, da belíssima sequência de imagens e de trilha sonora exemplar, o som da narração melhora, fica mais presente, mas ainda sem as inflexões necessárias que só um profissional faria com talento. Sem o distanciamento crítico e uma direção segura, a narração perde-se na introspecção dramática do texto. Quando é citado que Rondon morreu nos braços de Darcy, a inflexão dada à leitura do seu nome chega, pela interpretação histriônica do narrador, quase ao deboche. Sei que não era essa a sua intenção, ou era? Mas quando o texto se sobrepõe a belíssima imagem em preto-e-branco do carregador de papel, o homem besta de carga puxando o seu carrinho pela madrugada da cidade de Juiz de Fora, o cinema impõem a sua estética e todos os erros viram acertos. O mesmo digo quando a mão do mestre toca na mesa ao lado de Jango e o piano inicia a sua romântica melodia. Como é puro o sentimento que você nos passa quando nos apresenta a bela mulher Berta Ribeiro. A musa verdadeira de Darcy.
A opção do Partido Trabalhista, sem nunca deixar de ser marxista... A partir daí a narração cai numa confusão desenfreada. Que pena. Nesta loucura final Gilberto entra com o retrato do Glauber. Ele aponta para o caos – justifica o texto lido - como podia se esquecer de citar o baiano do programa de tevê loucura-abertura? Entre Deus e o Diabo, a impossibilidade de ser pior lhe faz acertar novamente sem saber! Um só corpo – liberdade – América livre – Imperialismo e Marxismo - O binômio do socialismo moreno. No cinema é preciso ter direção, dura direção em tudo. Nada que incomode esteticamente pode passar aos olhos críticos do autor-diretor. Ditadura Libertária Obra de Arte! No cinema de autor não existe o coletivo. Apesar dos trancos da preguiça e das dificuldades acadêmicas, Gilberto consegue experimentar, inventar, exercitar, um “grand- finalle”, quando na trilha sonora entra o violão, a cuíca e o samba tocado pelo genial Rabello, embalando e encantando as figuras de Darcy e Brizola, na edição moderna e compassada daqueles dois que levaram o samba para a escola integral da avenida.
Ali na alegria da visão onírica, carnavalesca, dionisíaca do povo feliz, em festa, Evoé, o inter-documentário de Gilberto Vasconcelos explode com toda a grandeza que ele realmente tem. Parabéns professor! Siga em frente em sua determinação marxista-trabalhista, revolucionando permanentemente o porvir e escrevendo sem parar com sua nova caneta, transformando a memória em coisa viva, mas sem nunca perder a poesia nossa de cada dia.

quinta-feira, 15 de abril de 2010

CONTO

Leitores! Tenho dúvida se os sábios desse mundo conseguiram entender o processo da existência nas suas mais simples reflexões. A grande força da vida começa e segue o seu caminho pelo desejo, esta aspiração humana que impulsiona e transforma os sentimentos e que provoca o corpo para a ação e o crescimento.
É o desejo do “sciens” que coloca Demóstenes à frente dele mesmo.
Do desejo, que eleva o saber, surgem infinitos estímulos repletos de provocações; surgem vontades incontidas; surgem acontecimentos circunstanciados e inimagináveis. Dos infinitos desejos de tudo que se quer tem - porque neste mundo, não se pode ter tudo que se quer ter - o homem, ao passar pelos caminhos da existência, no processo complexo da transformação, onde tudo nele esteja equilibrado, sem saber, provoca o justo efeito da criação da matéria incólume, deixa-se perdido na terra, onde é o guardião da natureza e descobre que esses inúmeros desejos precisam ser orientados para o nada ter.
Ele sabe que para se chegar ao não ser é preciso estar debruçado na boca da noite, boca que engole o mundo todo, antropofágica, devoradora dos vícios e das virtudes, dos males incuráveis da civilização, antes que desejos inconfessos provoquem distúrbios belicosos incontroláveis.
Pensava assim enquanto caminhava até a casa do filho mais novo de Demóstenes. As pessoas espantadas me olhavam pelas ruas. Estava eu muito fantasiado?
Demóstenes acorda do sono sentado na cadeira da sala. Gabriel está na cozinha comendo um pedaço de pizza, Ele oferece um pedaço ao pai.
Demóstenes:
- Não, não tenho fome...
Gabriel:
- Agora pouco você só tinha fome e agora... Preciso telefonar par o Marcos contando a ele as novidades...
Demóstenes:
- Gabriel, por favor, deixe as novidades para mais tarde... Esse é um momento único no planeta, nós vamos ter ciência do que realmente está acontecendo no nosso tempo...
Gabriel:
- Demóstenes, sobre o que estamos falando?
Demóstenes:
- Sobre o espaço e o tempo.
O telefone toca na sala. Gabriel atende.
Demóstenes levanta da cadeira e anda com dificuldade até a cozinha.
Demóstenes:
- É o seu irmão no telefone, não é?
Gabriel:
- Ta tudo bem Marcos... Vamos todos dormir... Ele está na cama dormindo... Não se preocupe, mantenho você informado... Boa noite!
Demóstenes:
- Gabriel você se lembra daquele capacete da II Guerra que eu tenho no meu quarto, aquele que está dependurado no cabide, pegue ele para mim, eu vou lhe contar hoje uma história de arrepiar os cabelos...
Gabriel:
- Demóstenes você acordou com as baterias carregadas de pura energia... Ninguém vai acreditar quando eu contar para o Marcos, Mariana e para o Doutor Zomadoni o que aconteceu com você...
Demóstenes:
- O Doutor estará aqui em pouco tempo e você vai poder contar tudo para ele... Vamos! Apresse-se e traga-me logo o capacete.
Gabriel volta com o capacete na mão.
Demóstenes, excitado, coloca o capacete na cabeça. Fecha os olhos e começa a contar a sua história.
Demóstenes:
- Gabriel, este capacete eu comprei quando viajei com sua mãe ainda grávida de você...
Viajávamos pelo norte da áfrica. Estávamos em Agadir, no sul do Marrocos. Preparávamos para um passeio no deserto do Saara. Saímos para comprar mantimentos e na rua entramos em um cubículo onde se vendia de tudo, foi quando eu vi dois capacetes de soldado alemão em cima de um balcão. Peguei um e o coloquei na minha cabeça. Fiz uma cara feia e com um pente fino fiz o bigodinho de Adolfo e saudei sua mãe com o cumprimento nazista. Ela riu da minha palhaçada. Mas os árabes não acharam graça e eu tive que oferecer um bom dinheiro para ficar tudo em paz - O soldado dos capacetes havia matado umas pessoas na cidade e ele era amaldiçoado - Levei os capacetes, além de tudo eu me sentia bem quando o colocava na cabeça. Fiz todo o passeio no deserto com ele. Foi em uma noite, quando íamos dormir em uma tenda de um Oasis no deserto que eu senti e depois ouvi estranhas vozes ressoando em minha cabeça. Mas em verdade quando eu queria me comunicar melhor com as pessoas eu colocava aquele capacete e pedia para pessoa colocar o outro. Era uma sensação inenarrável.

quarta-feira, 14 de abril de 2010

CONTO

Tenho uma profunda admiração por esse homem Demóstenes, gostaria de não cumprir essa missão, ele é o melhor de sua espécie. Demoramos muito tempo para descobrir como encontrá-lo, foram anos de busca seguindo as correntes marítimas e todas as coordenadas, rotas e singularidades possíveis. Estou hoje aqui no final da minha missão e sinceramente não sei o que vai acontecer com todos esses personagens...
Demóstenes, de aparência normal, bem vestido, entra no palco onde está um piano e é aplaudido de pé por uma platéia de poucas pessoas Aproxima-se do piano e senta-se ajeitando o fraque. Inicia a tocata com volúpia e conhecimento do instrumento que estava tocando. Possuindo uma agilidade e uma técnica primorosa, envolve, em admiração e êxtase, a menina de 16 anos que estava com o pai na platéia. No final do concerto ela é apresentada ao pianista por seu pai, rico comerciante da cidade. Mariana, embora rebelde, tinha a música no sangue, já tocava piano e compunha. Demóstenes, professor de música na única universidade da pequena cidade costeira, encantado pela beleza e o talento da menina, promete que lhe ensinaria a sua arte, a sua música. Assim ela virou sua aluna e depois sua amante.
Em uma noite, quando a lua cheia brilhava nas areias brancas da praia das conchas, Demóstenes passeava com Mariana, a sua jovem aluna, como se fossem crianças repletas de felicidades descobrindo um novo mundo. Nesta noite explodiu, consumou-se, ao som do mar agitado e ao zunido de um vento forte que levanta areias nas dunas desérticas, o mais belo caso de amor que já aconteceu em toda a história daquela região. O romance de uma menina, uma pianista, uma artista de 16 anos, com o seu professor, 20 anos mais velho do que ela. Nesta mesma noite veio dar na praia trazido pelas ondas um objeto de plástico transparente com uma espécie de colar lacrado no seu interior. Demóstenes e Mariana ficaram horas admirando aquele estranho objeto.
Demóstenes acorda do sono profundo na cadeira da sala. Tenta se levantar, mas não consegue.
Demóstenes:
- Onde estou? Mariana! Mariana!Mariana! Onde estão todos? Onde estou? Alguém me responde!...
Gabriel acorda com os gritos do pai e corre até a sala.
Gabriel:
- O que aconteceu, meu pai do céu!
Demóstenes está prestes a levantar da cadeira...
Gabriel:
- Pai você está acordadinho, como há muito tempo eu não via. Vamos! Aproveita! Ponha a sua cabeça para pensar e não perca o fio da memória que tudo vai ficar bem..., tudo vai ficar bem, meu pai... Venha, levante com cuidado, agora vamos deitar na cama que você precisa descansar.
Gabriel coloca o seu pai na cama com carinho e depois o cobre com uma manta. Demóstenes mantém os olhos bem abertos piscando-os muito pouco. Gabriel fica um pouco sentado na cama ao seu lado. Quando Gabriel vai sair do quarto, Demóstenes mostra-se consciente e questiona a sua saída com firmeza e propósito.
Demóstenes:
- Gabriel, a vida é uma peça teatral de incrível magnitude...
Gabriel:
- Pai! Você está novamente no mundo! Você está voltando a si!... Isto não é maravilhoso?
Demóstenes:
- Onde estão todos?
Gabriel:
- Eu estou aqui com você.
Demóstenes:
- A vida é um teatro vazio!... Meu filho, Mariana já viajou?
Gabriel:
- Sim, ontem!
Demóstenes, levantando-se da cama:
- Então eu preciso começar a agir... Tenho pouco tempo!
Demóstenes tenta chegar até a sala, mas tem que se segurar para não cair.
Gabriel:
- Papai! Você não pode fazer todo esse esforço... Você não sabe mais ficou doente mais de três meses... Está ainda muito fraco. Deixa eu te ajudar a chegar à cadeira..., vamos, não seja teimoso.
Demóstenes:
- Fico agradecido Gabriel por sua dedicação. Foram então três meses de delírios e sonhos?
Gabriel:
- Os médicos disseram que você teve um acidente cerebral irreversível..., estamos vivendo um milagre? Estou perplexo!
Demóstenes:
- Não fique não, tudo isso tinha que acontecer... Nós precisamos agir imediatamente...
Gabriel olha para Demóstenes que volta a adormecer na cadeira.

terça-feira, 13 de abril de 2010

CONTO

Fui primeiro na casa do professor e sua bela mulher Mariana. Não os encontrei. A casa estava vazia. Esperei até uma senhora passar por mim e pedi para ela me informar onde estavam as pessoas que ali moravam.
Na casa de Gabriel, Demóstenes está dormindo sentado na cadeira. Ronca a toda pressão de seus pulmões.
Marcos:
- Então é isso que você quer?
Gabriel:
- É isso que eu quero!
Marcos:
- Pela última vez: Gabriel, você não acha que seria melhor, pra ele, uma casa de repouso?
Gabriel:
- Não vou repetir o que disse, mas se você tem ainda alguma dúvida, pergunte a ele.
Marcos:
- Perguntar pra ele?
Gabriel:
- Sim! Quem sabe ele te responde... Costuma acontecer. Vamos, tente!
Marcos:
- Papai... Papai!... Você está me ouvindo? Sou eu, seu filho Marcos! Se tiver me ouvindo me responde, faça alguma coisa... Mexa com a cabeça; levanta o braço; as pernas... Peida então, seu velho broxa, pelo menos mostra-nos que está vivo!
Gabriel:
- O que é isso Marcos? Está perdendo o controle? O respeito?... Olha a cara dele de pavor, ele está te entendendo... Ouça com atenção! Ouviu?...
Marcos:
- Ele falou?
Gabriel:
Ele peidou! Marcos, ele peidou! ... Ele te respondeu, com um belo e sonoro peido! Você não ouviu? Deve estar surdo! Você está agora satisfeito?
Marcos:
- Estou satisfeito e de saída Gabriel, se ele voltar a falar, coloque-o no telefone! Vou para casa... Estou de saco-cheio.
Marcos que está saindo se vira abruptamente dizendo para Gabriel:
- Não me leve a mal por tudo que eu disse, mas com a sua posição intransigente você me obriga a tomar medidas legais, pensa bem sobre isso e me telefona amanhã...
Está anoitecendo. Mariana e Julio chegam a uma praia deserta. Julio pára o carro. Ambos ficam observando o mar de dentro do carro.
Demóstenes está em sua fazenda com os dois filhos e Mariana.
Demóstenes é admirado pela mulher e o filho mais novo Gabriel. Marcos está ouvindo o que o pai fala, mas se coloca distante dos três.
- Outro dia descobri uma coisa fantástica. Descobri a diferença entre a velocidade absoluta da luz no cosmo e a velocidade convencional dos objetos na terra. Vocês podem imaginar a minha alegria ao compreender essa complexa equação em uma analogia simples de viagem no espaço-tempo vista por dois observadores distintos?
Não?... Chega mais perto que eu vou explicar para vocês: Fingem que você Gabriel tem para si a velocidade da luz e que você Marcos a de um carro possante. Os dois resolvem fazer uma viagem aqui da fazenda até São Paulo. Marcos e o seu possante carro levariam cerca de seis horas para cobrir todo percurso. Gabriel explodiria o seu canhão de luz em direção do espaço. A sua luz, depois de seis horas de viagem, rebatendo em planetas e satélites, chegaria a São Paulo, ao mesmo tempo em que o carro de Marcos ali também chegava. Mas há ai uma extraordinária diferença, nunca antes pensada por mim. Embora Marcos demorasse às seis horas, sentado, esperando São Paulo chegar, para Gabriel, no facho de luz, o tempo de seis horas não haveria de passar, era como São Paulo já estivesse lá, a sua espera. Por isso que qualquer viagem que se faça perto da velocidade da luz, o tempo da saída é o mesmo da chegada, ou seja: tempo zero. Mesmo que para esse hipotético trajeto fossem necessários milhares de anos, o espaço-tempo continuaria sendo o mesmo zero. Vocês não acham incrível esta afirmação?

domingo, 11 de abril de 2010

CONTO

O mar esta se agitando. Começou o frenesi das ondas com um estalo no céu. Depois o som de uma trovoada aguda, sinistra. Parecia que o tempo iria mudar. Meus ajudantes chegaram com o endereço do velho professor e seus dois filhos. Fiquei agitado com a possibilidade de ter resolvido todos os meus problemas que aquela família carregava.
Demóstenes está sentado em uma cadeira no pequeno jardim nos fundos da casa de Gabriel.
Os dois filhos saem da casa discutindo.
Marcos:
-Olha bem pra ele Gabriel e me diga se este homem está bem!
Gabriel:
- Para quem passou toda a sua vida como Rei, ele não está mal.
Marcos:
- Rei do que, meu deus?
Gabriel:
- Rei da simpatia, da inteligência, da informação...
Marcos:
- Rei da conversa fiada, isso sim que ele era...
Gabriel:
- Você sempre está enganado em relação a ele.
Marcos:
- É! E qual é o meu engano?
Gabriel:
- Você tinha inveja do amor de mamãe por ele, e do amor dele por mim...
Marcos:
- Não acredito em amor. Eu sempre tenho a mulher que desejo na cama e sempre achei o nosso velho pai, um sonhador mentiroso. Enganou e matou a minha mãe de desgosto e de vergonha. Tenho esse conflito permanente com esse cara que sempre se achou superior aos outros, metido a deus. Só porque foi aplaudido na Europa com a sua arte de enganar os trouxas? Pessoas sensíveis, verdadeiros artistas como a minha mãe, de família tradicional, estão sempre sendo enganadas por professores e mestres manipuladores dos sentidos e das palavras, que só tem um único objetivo em suas vidas: enganar; enganar; enganar. Esse é o nosso pai que só amamos porque suportamos.
Gabriel:
- Você está falando sobre você. Você é que sempre se achou o maioral, nunca suportou que ele soubesse mais do que você... Sempre disputou, com sua intolerância, todas as coisas que ele amava. Até cantar a minha mãe, você cantou! Como quer cuidar do doutor Demóstenes agora?
Marcos:
- Nunca fiz isso... Mariana sempre negou essa história do nosso pai! É mais uma invenção de sua insegurança com as mulheres, de todas que viveram com ele. Embora ele me rejeitasse e não me amasse, como você diz, eu tenho dinheiro e quero dar a ele um final de vida decente, coisa que você não pode fazer.
Gabriel:
- Posso sim, mais do que você, pois não é o dinheiro que vai proporcionar a felicidade do velho... Vou ficar com ele até a minha mãe voltar.
Marcos:
- E você acha que sua mãe vai voltar?...
Demóstenes, com firmeza na voz:
- Fique tranqüilo meu filho que sua mãe vai voltar...
Marcos:
- Ora! Não é que ele conseguiu falar alguma coisa que não fosse “Sou criança e estou com fome.
Marcos se aproxima do pai:
- Papai você está me conhecendo?
Silêncio
Demóstenes:
- Sou uma criança e estou com fome... (começa a chorar)
Gabriel:
- Ta bom!Ta bom! Chega Marcos!... Eu estou aqui papai. Não precisa chorar!
Marcos, desconfortado e com ironia, dá uma gargalhada nervosa:
- Você está vendo! Não é implicância minha!...
No barco balançando no ancoradouro, antes de sair em busca do professor, pensei bem e resolvi mudar de roupa e de disfarce.

sábado, 10 de abril de 2010

CONTO

Enquanto meus dois marinheiros procuram por informações do senhor Demóstenes na pequena cidade costeira, eu preparo uma bebida a bordo. Mudei de roupa e me disfarcei novamente de mim mesmo.
Fiquei pensando, enquanto olhava a luz do amanhecer banhando as pequenas casinhas da orla, como é profundamente inadequado o teorema da vida quando ele é aplicado do ponto de vista do ser humano ou de ser ninguém na simbiose do planeta com o cosmo.
Um carro estaciona em uma rua tranqüila e arborizada, em frente de uma casa humilde mais muito bem cuidada. Mariana e Demóstenes saem do carro e chegam à casa de Gabriel.
Gabriel abre a porta.
- Oi mãe! Oi pai!Entram...
Mariana:
- Meu filho eu preciso que você fique com o seu pai alguns dias... Vou lhe confessar que não podemos mais esperar, temos muito pouco tempo... Está sendo muito difícil e eu preciso achar um lugar o mais rápido possível, se não ele morre... Vou fazer uma rápida viagem com Julio e lhe telefono assim que puder... Faz isso por sua mãe e pelo seu pai...
Gabriel:
- É claro! Você já avisou ao Marcos?
Mariana:
- Não, avisa você... Tenho que ir... Estão me esperando... Cuide bem dele... Um beijo meu filho...
Gabriel:
- Mãe! Quem é esse Julio?...
Mariana:
- Um novo amigo do seu pai, ele vai me ajudar a realizar o nosso sonho...
Mariana sai da casa e entra no carro que está lhe esperando com a porta aberta. Gabriel volta para o interior da sua casa e leva o seu pai para sentar em uma cadeira da sala.
Gabriel:
- Senta aqui Doutor Demóstenes!
Demóstenes:
- Sou uma criança e estou com fome!
Gabriel:
- Eu sei pai... Eu sei... Você vai ficar bem, eu te prometo!
Mariana olha para Julio e vai dizer alguma coisa quando é interrompida por Julio
Julio:
- Você sabe que seu marido foi meu professor?
Mariana:
- Professor de quê?
Julio:
- De piano.
Mariana:
- Ele sempre teve uma mente privilegiada. Não é a toa que foi o escolhido... Mas Julio, não vamos falar dele agora...
Julio:
- É claro! Vamos falar de você.
Mariana:
- Você tem alguma dúvida do que estamos fazendo é coisa do bem? Não se deve brincar com o desconhecido. Você não sabe onde estamos indo... Não sabe o que estamos fazendo... Mas vamos ter um caso?... Até onde eu posso confiar em você?
Julio:
- Não me venha com essa agora... Estamos juntos, não estamos? Você me procurou dizendo que precisava de mim e eu topei... Eu gosto do professor, ele foi o meu ídolo, fazia tudo por ele... Só que agora eu é que preciso de você. O jogo mudou – estamos no mesmo barco... Só isso já me basta!
Mariana:
- E é só isso!
Julio:
- Só isso? E todos esses dias que estamos juntos, 24 horas, não te dizem alguma coisa mais a meu respeito?
Mariana:
- Júlio, nós já conversamos sobre isso e eu te expliquei que estamos em uma missão secreta para o bem de Demóstenes que está morrendo...
Julio:
- Eu sei... Vamos cumprir o combinado. E com o que não foi combinado e está acontecendo, o que vamos fazer?...

sexta-feira, 9 de abril de 2010

CONTO

Já é noite alta. O mar esta batendo forte no casco do meu barco. Preciso mudar de cara e de roupa novamente, para ser outro ser ao chegar à cidade nesta manhã de domingo. Olho-me no espelho pendular e digo a mim mesmo: - O disfarce do ser é o único meio de chegar mais perto do objeto desejado sem ser descoberto.
Em outro tempo, uma fazenda mineira. Na sua varanda centenária esta Demóstenes, mais jovem ao lado de sua mulher Mariana, pousando para uma fotografia. Na foto, um tanto bizarra, ensaiada, ele mostra um documento, mão a mão, segurando o papel envelopado do testamento passado para sua mulher.
Na casa de Gabriel, Marcos anda em sua direção com a foto do documento agora em sua mão falando alto em tom de deboche:
- Meu pai já devia estar gagá quando fez essa foto...
Gabriel:
- Marcos, cuidado! Lembre-se que essa mulher na foto é a minha mãe, não a sua.
Marcos:
- Eu sei! Eu sei!... Desculpe-me.
Gabriel saindo de cena.
- O que eu faço com a sua desculpa?... Guardo na gaveta?
Marcos, indo atrás de Gabriel:
- Gabriel, você há de convir que a sua mãe, Mariana, nunca foi uma mulher normal, sempre foi uma rebelde, isolada na nossa cidade. Viciada em maconha, foi expulsa de casa dos pais e juntou-se com meu, seu pai, quando eu tinha 16 anos... Não Gabriel! Deixa-me falar... Você já tinha um ano quando ele se separou de minha mãe... Lembro-me que ficamos todos escandalizados com aquela união... Ele, por causa dela, perdeu o seu emprego de professor e quase foi preso com uma quantidade da erva no bolso... Minha mãe, em pouco tempo, morreu de desgosto Fui obrigado a conviver com toda essa loucura durante cinco anos, depois ele sumiu, viajou... Agora o velho volta doente, sua mãe some no mapa e deixa essa responsabilidade em nossas mãos... Reconheço o meu dever de filho, mas,...
Gabriel:
- Marcos como você é formal, preconceituoso, carente, careta e às vezes até covarde, não conheci a sua mãe, mas na certa você não tem nada do nosso pai...
Marcos:
- Não tenho mesmo, graças a Deus!
Gabriel:
- Mas nada disso que você esta falando importa! Mariana viajou e o doutor Demóstenes vai ficar aqui comigo.
Marcos:
- Tenho outra sugestão: vamos colocar ele no asilo de um médico amigo meu... Lugar requintado e de luxo. Tenho dinheiro para lhe proporcionar o melhor. Desculpe-me, mas muito melhor do que sua casa. Gabriel, você não vê que ele está completamente gagá e que lá, com os melhores especialistas da cidade, ele pode ter melhor tratamento e melhoras significativas. Não me obrigue a usar as formas legais e entrar com um mandato contra o meu próprio irmão!
Gabriel:
- Não vou fazer isso com ele... Entre com um mandato! Faço o que tiver que ser feito para cuidar dos últimos dias desse meu velho camarada.
Marcos:
- Mas ele já não é mais o seu velho camarada! Acorda homem! Ele está completamente gagá.
Gabriel:
- Pode ser; como pode não ser. Mas, na dúvida, fico com ele!
Marcos:
- Não tem mais nem menos, eu sou o filho mais velho e sei o que estou dizendo e é o que eu vou fazer.
Gabriel:
- Você é o mais velho, mas ele ainda gosta e confia mais em mim...
Marcos:
- Você é que sempre achou isso...
Gabriel:
- Eu achei e acho ainda!
Marcos:
- Não complica mais a situação...
Gabriel:
- Não Marcos! Eu tomo conta dele e está resolvido...
Marcos:
- O que eu não compreendo é por que você deixou a sua mãe fazer isso com ele?
Gabriel:
- Porque ela estava precisando...
Marcos
- Precisando?
Gabriel:
- Sim! Ela foi viajar, foi se divertir ou sei lá o que... Ela está viva e é ainda muito nova para ficar trancada em um apartamento... Para seu governo eu sei que ela ainda ama Demóstenes...
Marcos:
- Você é bonzinho demais e além de tudo deixou que ela levasse todas as economias de papai para se divertir...
Gabriel:
- É claro! E você já está enchendo o meu saco com essa conversa...
Marcos
- Mas por último, antes de eu ir embora com a consciência tranqüila, pergunto a quem mal se sustenta, diga-me irmão: com que dinheiro vai dar conforto a esse velho inútil que nos abandonou?
Gabriel:
- Eu me viro. Tenho também as minhas economias...
Marcos:
- Belo, belo, bla, bla, bla...
Gabriel fica pensativo, isolado em seu mundo, enquanto seu irmão não para de falar.
Ele não mais o escuta. O dia amanhece. O ruído do mar cobre o som das palavras; silêncio. O ruído do vento impulsiona as velas no ústenesltimo vaguear do barco chegando mansamente no ancoradouro da marina de Búzios; silêncio.

quarta-feira, 7 de abril de 2010

CONTO

Vesti uma roupa diferente, ajeite a minha barba, postiça, mudei de cara e convoquei todos os três tripulantes marinheiros a zarpamos em direção de Búzios para encontrar Demóstenes e sua família. Ali estava escondido o primeiro passo da minha missão.
Na cozinha tem fumaça.
O sanduíche queima na torradeira enquanto os dois irmãos conversam.
Gabriel tenta tirar o sanduíche da máquina e queima a mão:
- Que merda! O sanduíche queimou!
Marcos rindo da cena diz debochando:
- Escuta os meus conselhos e pede uma pizza Gabriel!
Gabriel pega no telefone e pede a pizza com duas cervejas.
Marcos, ao seu lado, exige que seja pizza de Calabresa.
Demóstenes tenta levantar da cadeira.
Fala enrolado.
Olha para os dois filhos e, desequilibrando-se, cai no chão gritando:
- Enquanto vocês conversam, eu passo fome e caio morto...
Gabriel corre e coloca o velho novamente na cadeira e tenta consolá-lo:
- Já pedi uma pizza pai... Ela já está chegando.
Demóstenes com a voz firme:
- Pizza de quê?
Marcos com voz de deboche:
- Calabresa!
Velho:
- Só como pizza de aliche e tem que ter cerveja!
Marcos se aproxima do velho:
- Mas hoje vai ter que comer essa..., e nada de cerveja. Que velho mimado e cheio de vontades é você papai! Gabriel, quando ele chegou?
Gabriel:
- Ontem!
Marcos:
- Quem o trouxe?
Gabriel:
- Mamãe...
Marcos:
- E deixou-o aqui sem mais nada? Abandonou o velho? Fugiu, é claro, levando todo o seu dinheiro, as suas economias e você deixaram isso acontecer?
Gabriel:
- Não está vendo?
Marcos:
- Mas, por que Gabriel?
Gabriel:
- Porque ele é o nosso pai e ela é minha mãe...
Marcos:
- E você acha que o que ela fez foi certo?
Gabriel:
- Não sei...
Marcos:
- O velho tinha um bom dinheiro guardado... Você sabia!
Gabriel:
- Sim! Ele deixou todo para minha mãe...

sexta-feira, 2 de abril de 2010

Nossas Imagens - um filme de Rosemberg

O revolucionário Luiz Rosemberg, mago da invenção cinematográfica, está mais forte, a cada filme seu que eu vejo, mais atualizado, com os meios eletrônicos de produzir imagens.

Eu recebi ontem dele um duplo presente: primeiro o livro-reportagem do movimento libertário estudantil alemão de 1968, onde se forma o Grupo Baader Meinhof, intitulado: “Televisionários”, escrito por Tom Vague e publicado pela Conrad. Um livro de memória esquecida, enterrada, que só a sensibilidade de um grande artista descobre e transmite. Gentileza da arte, abrindo abruptamente as cortinas empoeiradas do cinema Pirajá. Fazendo-me lembrar do acontecido, de certas coincidências históricas, porque de todos os acontecimentos que vivi, na década de 60, este foi o que mais mexeu com a rebeldia consumida por mim e por grande parte dos amigos da minha juventude na época da ditadura militar em nosso país. Era sobre essa facção, jovem e revolucionária, do exército vermelho alemão, que menos informações tínhamos. E que mais nos inspirava nas longas conversas nos bares da vida. O tempo passou e hoje, 40 anos depois, posso ler agora o que nos era definitivamente negado saber no passado.

Não acredito mais nas ações violentas contra os inimigos do povo. Não suporto mais atos de violência contra quem quer que seja. A revolução hoje é outra, imagino: é a revolução das idéias. A babel está institucionalizada pela mídia imperialista. Ninguém fala mais a mesma língua, todos nós temos idéias próprias e únicas sobre o que estamos vi vendo. Ninguém mais se entende. Cavalos de raça e pangarés disputam cabeça a cabeça o grande prêmio Brasil. Não existe partido sem um pensamento político unificado e organizado. Da direita fascista a esquerda democrática a distância é uma curva. Não acredito em nada disso agora. Os artistas não abrirão mais a marcha revolucionária dos exércitos de libertação. A prosa e a poesia agora são outras,

A mídia está, a cada dia, mais e mais autofágica. Vem se enfraquecendo no poder do pensamento único, monocórdio, limitado, bestializado, indutor do sonho capitalista de dominação, através das grandes redes de comunicação de imagens e de sons estéreos, dolby, em 3D, super definição e textos cientificamente dirigidos, estudados e depois espalhados, todos os dias, anos após anos, em acumulo de experiências e estudos de marketing, com muito dinheiro e poder.

Pois de toda essa loucura forma-se o maior império de comunicações que já existiu, espalhando os seus ferozes tentáculos em todo o mundo civilizado através do cinema, da televisão, dos rádios, jornais, revistas e redes internacionais de computador, sendo tudo isso comandado pelos grandes grupos que dominam os interesses financeiros mundiais; que dominam de fato a saúde monetária (o papel virtual do dinheiro eletrônico) da economia globalizada. Mas ninguém segura o mundo pelas mãos e muito menos os fantasmas. A cobra está comendo o próprio rabo. Só uma boca engole o mundo inteiro. A boca da noite. No Brasil o povo só tem um partido que ele ama e este partido é representado pela camisa e a bandeira do seu clube de futebol, o resto é a babel de todas as mídias, de todas as imagens, de todo sangue e de toda a miséria que alimenta a nossa alma brasileira. Como é triste.

O segundo presente foi o vídeo “Nossas Imagens” de sua autoria, que traz para quem o vê, imagens do nosso caos social e cultural descrito e confrontado com o texto duro, godardiano, na sensível edição dos acontecimentos e fatos de um mundo forjado pelos enganos contundentes de uma mídia de marketing que nos querem infligir. Rosemberg lembrando a figura portentosa de um Nietzsche de farto bigode em close observa com a sua crítica severa o mundo corrompido pelos desejos insanos de um mercado de bugigangas e porcarias de todos os tipos e de homens que se deixaram robotizar imaginando estar ali a sua segurança e o seu futuro.

É um belíssimo trabalho de cinema, pois isso é cinema – o resto são filmes – onde o autor se deixa levar pelas utopias abstratas da poesia cinética de suas imagens e através do som, antítese do que se quer contar, contraponto crítico da imagem, ele nos presenteia com a descoberta da mulher caribenha, latina e americana, contemplada pela figura austera do senhor Welles nesta sua viagem a lua com o deus Bacosvaldiano Martinez Correa. Evoé!

O cinema passa através da máquina de luz. Mesmo preso entre os 24 quadros, quando é exposto no mágico movimento, explode em luz e em liberdade de tudo poder. Que belo plano é a máquina projetando outro mundo. Vertigem? O cinema é a indústria do comércio, e onde ficamos nós? O operário é levado às alturas pelo elevador da construção de mais um pombal onde na certa ele não vai morar – pura dialética cinematográfica a ser decifrada pela negra cameflex e suas três lentes francesas. A fábrica de veneno industrial é também observada pela câmera reenquadrada sutilmente pela pálida mão em quadro. A câmera roda no plano enquanto o texto iconoclástico rola na voz suave da mulher contestadora e na certa, por conhecê-lo, encantadora.

O filme/vídeo além de ser uma reflexão do poder da imagem, desconstrói, nos seus 20 minutos de duração, a moral burguesa do enriquecimento a qualquer custo, quando através de livres montagens de jornais e revistas demonstra pelas manchetes retratadas e coladas a nossa vergonhosa história contemporânea que o autor temendo ser descoberto esconde o rosto em um plano detalhe de grande impacto visual e simbólico. O filosofo reaparece e sua voz é cortada, censurada pelo zíper de um palhaço qualquer. Mas a imagem permanece, a trilha permanece, a visão permanece obcecada como cartas para o futuro e de repente nuvens permeiam o céu caboclo do nosso interior representado pela figura mítica da deusa nua sobre alvos lençóis. È pura poesia panfletária – congresso ao avesso, negativo, vibrante e a morte do romantismo na foto trágica das selvas bolivianas. O canalha levanta a cabeça do morto para a imagem derradeira.

As bundas latinas voltam agora, pela metade, deformadas pela sacanagem de uma pornografia barata relacionadas aos machos-marines que nos vigiam e fazem da guerra um meio limpo de arrecadar mais dinheiro para sua família e morrem como heróis da burguesia imperialista. “No capitalismo lucra-se com tudo até com o horror”.

O texto é justificado pelas imagens e o panfletário em alguns momentos supera a poesia, mas logo depois a poesia ocupa o seu lugar e volta a ironia e o sarcasmo; a balofice é mostrada embalada por uma trilha vinda dos vaudevilles, das charamelas dos jornais vendidos onde uma só palavra vale por mais de mil imagens. Um tanque de brinquedo é coberto de tinta vermelha manchando de sangue a mídia várias vezes enquanto ali perdido no canto da página, intacto, podemos ler nas únicas letras legíveis os dizeres: “Direitos Humanos”.Ai pensei: essa é a tônica de todas as nossas imagens, o filme/vídeo do Rosemberg é um libelo sobre a liberdade de todos os direitos do homem.