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sábado, 29 de agosto de 2009

Rio em Festa segundo dia

O Eterno Retorno A Erva do Rato.
Finalmente assisti ao novo filme do Julio Bressane.
Fiquei contente em rever o amigo. Já fazia algum tempo que não o via. Não tinha visto os seus últimos filmes... Não consegui ver Cleópatra! Disse a ele exaltando a má distribuição que fazem do cinema de arte no Brasil. Mas na terça-feira a amiga e geniosa atriz Maria Gladys telefonou-me convidando para essa sessão de gala. Vamos ver o filme do Julinho, disse-me ela maternalmente. Meu filho nos levou no seu carro. Depois de furarmos o transito em fúria, entre um sinal e outro, nós aqui chegamos. Antes de entrarmos passou ao meu lado, com passos lentos, um cineasta da antiga com o olhar perdido de pároco de província. Entrava sozinho, cabisbaixo, no novo e luxuoso cinema. O ambiente é alegre com os amigos se reencontrando. Eu encontrei com o Walter Carvalho, que sempre me lembra da beleza do plano atlântico do Filme 100% Brazileiro, como se fosse possível fazer um filme de um único plano. Além dos conhecidos habituais, ali estavam outros espectadores divididos entre o barzinho, a livraria e tudo mais. Acho que são seis salas conjugadas! O filme será exibido na sala seis! Julio fala algumas poucas palavras de agradecimento aos presentes e outras tantas de como reconstruiu, costurou e retirou às duas pequenas histórias do escritor Machado de Assis do texto para o contexto cinematográfico. Confessou-nos como um personagem de Vieira, as suas incríveis citações, acuradas observações, perigosas descobertas e associações ideográficas dos significados e dos significantes, das imagens e dos sons, do seu mergulho profundo e suas visões artísticas e plásticas nas composições dos seus personagens. As luzes se apagam. Sente-se o cheiro da erva e o medo do rato. Inicia-se o filme. Tudo aqui é possível de acontecer! Pensei alto... Vi o filme como se lesse um livro, de um fôlego só. Ele me surpreendeu pela composição harmônica dos seus planos e sequências; pelas citações acadêmicas, quase clichês, nos enquadramentos e nos movimentos precisos da câmera; pelo entrelaçar dramático do seu misterioso enredo; pela fotografia ocre, romana, quente, fechada nas sombras e nos detalhes, nos cortes e no ritmo formando imagens, quadros, de um preciosismo chinês. Além da genial mise-en-scène criada pelo autor e diretor, magistralmente realçada pela excelente composição sonora da trilha musical, com climas naturais que ultrapassam o real e desconstrói o romântico, criando um caminho de pedras, doloroso, preenchido por ruídos que vão do som ambiente ao delírio infernal de todas as obsessões. A trilha do Guilherme Vaz, um grande artista, perpassa gloriosa e tensa por todo o espaço fílmico sem interferir na urdidura das suas densas personagens, no entanto, presenteia as imagens com a textura acústica de uma sonoridade só encontrada nos filmes mudos do cinema falado. Antes de ir embora com o jovem professor Ericson Pires, um amigo, para o bairro de Santa Teresa encontrar com meu filho Emiliano, disse ao Júlio: - Esse filme exclama, exalta, até com ironia, o pudor e a tara exógena do insano homem antropófago latino americano. O filme é uma grande homenagem ao cinema italiano, ao neo-realismo de Marcos Bellocio a Mário Monicelli, de Rossellini a Pasolini, de Feline a Antonioni, de Glauber aos seus escolhidos do Cinema Novo, até revolver com A Erva do Rato o seu primeiro filme Cara a Cara. O circulo se fecha depois de uma grande elipse. Seu próximo filme pode ser com certeza O Anjo Nasceu! Quem viver verá!

Era meia-noite quando cheguei à casa do meu filho Emiliano em Santa Teresa com o Ericson Pires e o filho do meu amigo Wally Salomão, Omar Salomão. É uma casa grande de três quartos onde moram três amigos. Lembra-me uma república de estudantes em final de curso. Tudo em desalinho. Bebia-se cerveja no quarto do Daniel Castanheira, a quem eu chamo, pelo seu jeito de ser, de o carioca, é músico, filósofo, entre outras atividades artísticas, participa com Emiliano e a Ava Rocha do grupo musical AVA. A música minimalista saia baixinho nas caixas de som. Daniel estava sentado de frente as suas poderosas máquinas eletrônicas de edição e exaltava para outro jovem, Miguel Jost, que se esticava todo em uma cadeira de balanço, as maravilhas do meu primeiro filme “Bandalheira Infernal”. O personagem profético do Sandro lhe impressionou pela figura, mas foi o texto dito por ele para o perseguido Carlos Pontual, a esquerda atormentada do filme, que ele repetia em tom de júbilo essa descoberta, que mais lhe tocou o fundo d’alma – “No futuro tudo não passará de uma história real...”. Conversamos um pouco sobre tudo, de Getúlio a Lula, de Júlio Bressane ao tal cinema marginal. Adentrou no quarto, me abraçando com admiração pelo filme sete vezes visto, o Nilson Primitivo, que também faz cinema em 16mm e que revela todos os seu filme no banheiro da casa, resultando disso uma película com manchas aleatórias que se movimentam como desenhos abstratos em todos os 24 fotogramas por segundo, criando uma espécie de teia ótica que misturada a alguns acontecimentos, as filmagens de Zé do Caixão por exemplo, registra em movimento anárquicos personagens que proporcionam ao espectador atento imagens aleatórias em um verdadeiro carnaval de cores e formas.

quinta-feira, 27 de agosto de 2009

O Rio em Festa 1

Cheguei ao Rio na segunda-feira para uma exposição em homenagem ao ícone da moda francesa e mundial Coco Chanel, representada por sua mais querida modelo brasileira, minha amiga, o sol da casa, Vera Valdez (Barreto Leite), que hoje, depois de viver uma vida internacional repleta de luxo e beleza, tão bem documentada nesta exposição, se tornou a grande atriz do grupo Teatro Oficina e também, modestamente, do meu novo filme Amaxon. Foi uma noite alegre de glamour regada ao champanhe francês e canapés. Mulheres bonitas de saltos altos salpicavam o salão em festa. Vera estava irradiando a alegria de uma guerreira que contempla o seu passado com os dois olhos de fora, mas com os olhos de dentro ainda se vê lutando com a garra de quem quer conquistar o seu futuro. Uma produção exemplar de Ana Sette. O ponto alto na noite foi à exibição do vídeo “Le Solei de La Maison Chanel", gravado pelo Toni Nogueira. Vera Barreto Leite está em alta e, além de tudo, foi e é como todos dizem e sabem uma mulher extraordinária.

terça-feira, 25 de agosto de 2009

Getúlio Vargas

Carta Testamento

Mais uma vez, a forças e os interesses contra o povo coordenaram-se e novamente se desencadeiam sobre mim. Não me acusam, insultam; não me combatem, caluniam, e não me dão o direito de defesa. Precisam sufocar a minha voz e impedir a minha ação, para que eu não continue a defender, como sempre defendi, o povo e principalmente os humildes. Sigo o destino que me é imposto. Depois de decênios de domínio e espoliação dos grupos econômicos e financeiros internacionais, fiz-me chefe de uma revolução e venci. Iniciei o trabalho de libertação e instaurei o regime de liberdade social. Tive de renunciar. Voltei ao governo nos braços do povo. A campanha subterrânea dos grupos internacionais aliou-se à dos grupos nacionais revoltados contra o regime de garantia do trabalho. A lei de lucros extraordinários foi detida no Congresso. Contra a justiça da revisão do salário mínimo se desencadearam os ódios. Quis criar liberdade nacional na potencialização das nossas riquezas através da Petrobrás e, mal começa esta a funcionar, a onda de agitação se avoluma. A Eletrobrás foi obstaculada até o desespero. Não querem que o trabalhador seja livre. Não querem que o povo seja independente. Assumi o Governo dentro da espiral inflacionária que destruía os valores do trabalho. Os lucros das empresas estrangeiras alcançavam até 500% ao ano. Nas declarações de valores do que importávamos existiam fraudes constatadas de mais de 100 milhões de dólares por ano. Veio a crise do café, valorizou-se o nosso principal produto. Tentamos defender seu preço e a resposta foi uma violenta pressão sobre a nossa economia, a ponto de sermos obrigados a ceder. Tenho lutado mês a mês, dia a dia, hora a hora, resistindo a uma pressão constante, incessante, tudo suportando em silêncio, tudo esquecendo, renunciando a mim mesmo, para defender o povo, que agora se queda desamparado. Nada mais vos posso dar, a não ser meu sangue. Se as aves de rapina querem o sangue de alguém, querem continuar sugando o povo brasileiro, eu ofereço em holocausto a minha vida. Escolho este meio de estar sempre convosco. Quando vos humilharem, sentireis minha alma sofrendo ao vosso lado. Quando a fome bater à vossa porta, sentireis em vosso peito a energia para a luta por vós e vossos filhos. Quando vos vilipendiarem, sentireis no pensamento a força para a reação. Meu sacrifício vos manterá unidos e meu nome será a vossa bandeira de luta. Cada gota de meu sangue será uma chama imortal na vossa consciência e manterá a vibração sagrada para a resistência. Ao ódio respondo com o perdão. E aos que pensam que me derrotaram respondo com a minha vitória. Era escravo do povo e hoje me liberto para a vida eterna. Mas esse povo de quem fui escravo não mais será escravo de ninguém. Meu sacrifício ficará para sempre em sua alma e meu sangue será o preço do seu resgate. Lutei contra a espoliação do Brasil. Lutei contra a espoliação do povo. Tenho lutado de peito aberto. O ódio, as infâmias, a calúnia não abateram meu ânimo. Eu vos dei a minha vida. Agora vos ofereço a minha morte. Nada receio. Serenamente dou o primeiro passo no caminho da eternidade e saio da vida para entrar na História. (Rio de Janeiro, 23/08/54 - Getúlio Vargas)

domingo, 23 de agosto de 2009

Predadores.

Observando alguns detalhes da cantilena política há muito exercitada neste país, devo dizer a todos os que hoje estão e os que amanhã aspiram ao poder, dito “democrático”, do capital administrativo e legislativo das cidades, dos estados ou do país, que eles são personagens do mesmo complô social orquestrado no tabuleiro ideológico do pensamento conservador e retrógado que há muito nos governa.
Depois de 27 anos da redemocratização desse país nada de novo aconteceu que transformasse a sociedade brasileira ou que pudesse modificar o universo político doentio que hoje estamos vivendo.
Se não vejamos: entre os presidentes Sarney, Collor, Itamar, Cardoso, o Lula foi o melhor, mas não fez as reformas e as transformações necessárias nas estruturas da base do poder e do saber desta nação. Em verdade todos estavam sobre a mesma tutela e em nada poderiam avançar se não rompessem com as bases da economia capitalista e com a filosofia da globalização.
Chegamos ao momento onde a mídia discute o nome que substituirá o de Lula no poder. Dilma, Serra, Aécio, Marina, Cyro, entre outros nunca citados. Quais destes nomes que hoje se apresentam poderão trazer ao país as reformas necessárias que o Lula não fez e que o país realmente precisa?
Esses nomes, que tiveram a suas vidas forjadas no temor a Deus, na defesa da família e da propriedade, são todos farinha do mesmo saco, acreditam-se impunes e inatingíveis, mas quando pressionados pela miséria social a sua volta, se organizam e transformam-se em guardiões do templo, em verdadeiros paladinos das tradições civilizatórias, da democracia ameaçada, tornam-se iguais aos “Congregados Marianos das igrejas de Minas Gerais” que outrora infestavam as esquinas das cidades com suas listas e estandartes de tristes lembranças, ou nos novos caras pintadas, uma garotada privilegiada, mal informada, lideradas por homens que sempre se apoiarão nos pequenos golpes que os poderes instituídos, em sua suprema soberba, praticam. São eles que paradoxalmente clamam aos deuses quando se sentem ameaçados em sua liberdade predadora. Eles foram criados na ânsia indômita da conquista do mercado, no milagre da economia e das suas posses e heranças, do papel moeda e dos apelos financeiros, de um consumo oferecido e prestigiado pela grande mídia das poderosas empresas de comunicação que nasceram e se fortificaram nas mãos dos mesmos golpistas que proliferaram durante a ditadura militar e dominaram a nova república brasileira onde novamente muitos trabalham a serviço dos interesses de poucos.
Assim surgem, por toda a história conhecida, acirradas contendas política que se proliferaram em todos os níveis do poder. Estas disputas, muitas vezes fratricidas, fazem brotar na sociedade, como um diabo louco, o jovem predador e sua necessidade existencial, vital, de ascensão social, individual, mesquinha e a qualquer custo. Assim surgem os novos líderes neste mundo animal. Eles se alimentam da carniça humana, nascem do caos, da ganância, da vaidade, da soberba e da suas momentâneas superioridades financeiras, do sucesso instantâneo, de serem os mais admirados entre seus pares, do seu pequeno poder, hoje tão almejado e tão disputado pela maioria dos que habitam nossas precárias cidades. Se esses cidadãos da classe média, sem as informações verdadeiras, sem a prática do saber, da crítica dialética e da psicologia das massas, cegos que só se alimentam dos sonhos irrisórios oferecidos pelo papel moeda, pelas miçangas modernas anunciadas na mídia global, um dia puderem ver e enxergar a mecânica dessa engrenagem econômica em que se meteram, e passarem a pensar na sua infeliz existência, a não engolir facilmente o que lhe é dado na boca, alguma coisa começaria a mudar no Brasil.

sábado, 15 de agosto de 2009

VELHOS AMIGOS PARNASIANOS

Diamantina 1982
Não choremos, amigo, a mocidade!
Envelheçamos rindo! Envelheçamos
Como as arvores fortes envelhecem,
Na gloria da alegria e da bondade,
Agasalhando os pássaros nos ramos,
Dando sombra e consolo aos que padecem!

Olavo Bilac 1917

quinta-feira, 13 de agosto de 2009

Cronoleto

Londres 1971 atriz Maria Gladys Menina nada no bar medra a luz infinda nos destroços de papos furados as rimas da metanóia na esquina ou será assim que se escrevem conicina e mescalina dito alto até parece certo o veneno que todos querem ter saber e só eu não sei e só eu sei ser sem ser só eu nesta ilha de frio e de medo que mesmo sem saber a língua sabendo ser a metáfora de todos aqui malucos loucos e decrépitos são ou querem ser brasileirinha como você chupo você mordo você no que mais pode ser se for duro de roer só nós dois minha morena sabemos se podemos se fornicamos na terra fofa dos trópicos onde não há quem não sabe o que é isso aqui debaixo das suas pernas é morfina quer saber Menina doce e molhada você só pode ou não saber quem sou ou que sou enigma e projeção esferas feras findas ocultas no mais íntimo e profundo dessa mulher do outro mundo que fumando ópio no céu sonha o mesmo sonho de todos os nossos sonhos coletivos de liberdade
onde buscamos viajando no ônibus de poucos passageiros noturno cruzando as mesmas casas dos operários das indústrias do velho império do sol donde os vivos vindos de um bar qualquer tal qual sombras mortas procurando no decadente copo o outro lado do universo e no outro copo o que talvez contenha o ser verdadeiro que lhe habita nesta miserável ilha e veja ó ilustre estrangeiro a quem possa interessar neste mundo inteiro se sou um ser do quintal das Américas ou se for o que não se viu ser ainda por alguns minutos si quer menino perdido no alto dos morros si quer a pobre Menina vagando no tempo da razão presa a tradição do pião do ioiô da cocaína experimentada pelos templos lisérgicos de jovens fazendo a noite virar dia o sim ser não
ser os mil algarismo esquecidos pelo matemático das utopias transformar-se no único silogismo do maniqueísmo chauvinista desta questão pois é ela a miserável criatura que me passou muitas vezes despercebida e me fez ver você encontrando sem saber fazer o que o ser simplesmente sabe ser o quem sou ou perguntando o melhor que se podia fazer nesta noite com a menina Maria mulher que me amava em luz e nunca na cama que é fonte de todos amores vividos onde me encantando com tamanha nobreza ó natureza dos meus sonhos eis o porvir das ambrósias de ouro e pedras conhecidas mundialmente por ser neurastênicas na burguesia ou sucedâneos nos humanos de tribos distantes pré-histórica dos tempos em tempos mudando mudano mundo vejo-a perseguida bem ali distante de um defunto ardente adiante na pira fumegante da vida aonde deseja-se e tece-se abalde o nosso amor que sempre foi e que sempre existiu no infinito dele mesmo mas que hoje se torna o pó do tempo presente e coeso de toda eterna existência vista na simples troca do olhar onde o todo a mais se refaz no mar indômito do vômito que é verbo luz do sol que não se vê que não se compara com outros milhões de astros espalhados pelo céu escuro das noites de lua nova quando o dia nascendo da linha do horizonte vermelho comunista lá longe socialmente ilumina lentamente a silueta formosa da montanha indevassável da qual vejo-a nua e crua e pago qualquer preço estipulado pelas ruas do capital onde sinto e não minto que lá atrás no bar ao tocar esta sonata desafino meus instrumentos meus olhos e afirmo o fino do meu olfato de todos os odores de todos os sabores do sexto sentido no texto passando-lhe o aço no ato o verbo na verba novamente o fato assim vejo-te hoje linda paixão de menina do passado e dos mistérios do medo de me ver ridículo de antemão no ensejo de só tê-la então nas minhas duas mãos entre os meus dez dedos seus seios macios de rosados bicos contemplando o azul celeste para infinitamente com a boca cobiçá-lo então com os seus desejos nos meus desejos duros de roer a varar enfim menina da minha retina ao meu coração onde novamente a verei e sentirei para sempre o prazeroso gozo da ilusão perdida.

quarta-feira, 5 de agosto de 2009

Roteiro para um curta 2

Diálogos do Caos
Dois brasileiros conversam caminhando por Brasília.

Um jovem e outro mais velho.

- Faz muito tempo os chineses chamavam o império americano do norte de o tigre de papel - disse o velho em tom retórico - toda a sua política expansionista foi e é baseada em uma mentira, em uma pseudo-ética, num falso moralismo, em nome de um estado democrático, da sonhada liberdade que eles nunca conheceram. Hoje, o tigre está em pedaços, desmancha-se em sua soberba e como única saída precisa instituir o caos. O caos de papel.

- Não fazem sentido essas afirmações, pois se faltar ao equilíbrio justo, universal, uma força coordenadora de todas as coisas, instituem-se o caos.

- Meu jovem artista, certas coisas hoje que tenho visto e ouvido nos meus sessenta anos de vida, não são justas e nem fazem sentido a nossa história recente, já estamos no caos.

- O que poderia ter acontecido neste continente que abalasse a nossa história e que nos levassem ao caos, velho teórico?

- Pelo satélite da televisão a cabo, vi e ouvi o Senhor Luiz Carlos Barreto, homem ligado a esquerda brasileira, fotógrafo de Vidas Secas, dono da tevê Canal Brasil, amigo de Glauber Rocha, cria e patrono do cinema novo, defender a ditadura militar dizendo que o governo do alemão general Ernesto Geisel foi o melhor que o país já teve e que se “de alguma maneira” ele pudesse ter continuado a governar estaríamos hoje muito melhor. Não é importante, mas é sem dúvida um sinal.

- Ora, meu caro! Isso não é nada. Você pode entender a tevê Globo, criada durante a ditadura militar e aliada histórica do Senador José Sarney, tentar juntamente com a revista Veja e outros jornais conservadores, através de uma campanha sistemática e difamatória, derrubá-lo? O que o Sarney fez contra os seus interesses? E os outros seus aliados, ex-inimigos - o senador que é também um ex-presidente, o Fernandinho Collor junto com o Renan, o senador mais esperto de todos? E a maior bizarrice entre tantas é que os dois apóiam com fervor o governo dito à esquerda do Lula.

- A Fundação Ford anda financiando no Brasil várias manifestações de organizações, associações, escolas, universidades e outros institutos que dizem defender o nosso patrimônio cultural e muitos artistas não vêem nada de mal nisso. Você não acha que precisamos nos defender?

- Já estamos nos defendendo! Os Estados Unidos da América do Norte querem colocar quatro bases militares na Colômbia e mais que isso: a quarta frota americana quer nos ajudar a proteger o mar do pré-sal cheio de petróleo...

- E eu não vejo nenhuma manifestação pelas ruas dos jovens estudantes, outrora rebeldes, contra essa possível invasão

-Os militares da Venezuela, os mais americanizados do continente latino, são os que hoje defendem e permitem o governo bolivariano, anarco-socialista e expansionista de Hugo Chaves.

- “Tem algo de podre nos canais de Amsterdã!” Cadê a turma da esquerda?

- A turma da esquerda brasileira que degolou, durante a ditadura militar, aquele negro militante da alegria, que movimentava com seu gingado, como um Mané Garrincha, o Maracanã inteiro, comete erros graves, não se redimem e brigam, sem o menor limite estratégico, uns com os outros. Não se entendem e são pretensiosamente sábios.
Sozinhos até que são inteligentes, cultos, agradáveis, mas quando se juntam na política, nas universidades, em partidos, ou mesmo nas administrações públicas, no poder, enlouquecem talvez perdidos no universo capitalista em que se meteram e passam a andar a passos largos para trás. A direita é muito inteligente, é organizada e caminha unida em defesa dos seus interesses.

- Por exemplo: a indústria farmacêutica é o centro de maior demanda dos interesses dos grupos de banqueiros que dominam o mundo e é o sonho dourado de qualquer capitalista visionário. Assim, calculando a dimensão do caos, o mundo está a cada dia mais doente.

- Quanto vai gastar o governo com a gripe, que ontem foi espanhola, é hoje mexicana e mata muito menos que a gripe comum, disse o nosso ministro da saúde sobre esse espírito de porco. Um lote de um milhão de vacinas para o povo brasileiro de trezentos milhões de pessoas. Que dinheirama vai correr no mundo por causa desse vírus maldito que vem matando e vai matar muito mais gente e você não acha que nós temos de tirar alguma vantagem disso?

- Mas tem alguma vantagem para os capitalistas de plantão, vassalos do rei, tipo você, nesta história?

- Acho que com isso a crise vai-se embora... É uma vantagem!Você tem mais alguma coisa para dizer?

- Muito mais coisas bizarras, que não tenho vontade de lhe dizer agora, andam acontecendo por ai e todos nós sabemos qual é o nosso papel nesse caos.

- Bem! Estou ficando por aqui...

- Em frente ao Palácio da Alvorada?

- Sim, meu velho! O Presidente está me esperando...

domingo, 2 de agosto de 2009

Roteiro para um curta

Um pequeno diálogo doentio

Duas pessoas caminham a beira-mar. O dia está chuvoso e frio. Ambos estão agasalhados até o pescoço. Caminham em silêncio olhando para a areia molhada pelas águas geladas do oceano acinzentado. O primeiro, parando de caminhar, olhando sério para o outro, diz em tom desesperado:

- O Senhor é médico?

- Diga-me com franqueza: você poderia imaginar que em 2009 o nosso mundo estaria assim?

- Assim como? Não estou entendendo! Responde o segundo continuando o caminhar.

- Milhares de crianças morrendo de fome todos os dias. Milhões de pessoas ainda analfabetas. Milhões de homens desempregados, marginalizados. Bilhões de escravos, autômatos, alienados, vivendo sua miséria existencial...

- Não sobra ninguém?

- Sobrar? Quem sabe se o mundo inteiro praticamente se afunda no substrato da sua merda industrial! Guerras e mais guerras pipocam pelos quatro cantos da telinha da tevê.

- Pipocam doces ou salgadas? Ora o Senhor é ou não o médico...

- Você está brincando com fogo! A violência, cada vez maior, impera em todas as classes sociais. Deus e todas as teologias brigam entre si, muitos se consomem pelo fanatismo de poucos.

- Qual é a razão de tamanha angústia? O mundo não mais nos pertence? O que somos ou o que nos tornamos meu amigo. Preciso de um médico... Pelos nossos rostos já não somos tão jovens e podemos morrer... Vamos deixar os jovens vivos seguirem os seus caminhos...

- Os jovens educados, antes rebeldes e revolucionários, hoje infelizes, se contentam e se guardam pelos apelos fáceis do consumo tecnológico, vivem o atraso do dia a dia de suas vidinhas acomodadas. Ungidos pela necessidade de se dar bem se esquecem que o protesto intelectual, pela necessidade de buscar o novo e do que não foi ainda experimentado, faz parte da evolução do homem, do equilíbrio universal, de todas as coisas que habitam o eterno caos planetário. Os jovens deseducados, antes nobres e cordiais, filho dos operários do campo que se mudou para a cidade, atraídos pelo dinheiro farto dos grandes centros financeiros do país, hoje estão enganados e esfomeados, marginalizados pedem por uma chance de entrar no mercado comum do consumo, de se parecer com os milhares de desejos exposto pelos meios de comunicação. Jovens que dançam e cantam nas baladas enlouquecedoras dos barracos eletrônicos espalhados pelos bairros da periferia, extravasam suas neuroses e apelos sexuais em um doentio e violento bacanal consumindo a sua liberdade nas garras de um traficante associado às forças de repressão do estado dito democrático.

- Ninguém está a salvo deste mundo hostil?

- Só os boçais, os que nada sabem daqueles que nada temem, pois são dominados pelos solitários das estepes, homens músculos que movimentam montanhas com suas armas poderosas, atômicas, digitais, presos aos interesses dos majestosos grupos de capitalistas predadores que fazem de tudo para atrasar o processo transformador e evolucionista dos humanos de boas intenções, podem sobreviver a todas essas mazelas...

- Meu caro senhor! E os que estudam, se formam e tornam-se profissionais de sucesso, cientistas, intelectuais, ou seja: a nata da sociedade acadêmica, não se esquecendo o grupo dos artistas, não está na certa sendo contemplado por sua análise radical?

- A classe de trabalhadores que estudaram e se encaixaram em bons empregos, com bons salários, só querem mais e mais, não se contentam jamais com o que já tem possuido.

- Você está exagerando meu amigo! Imperialismo? Submissão ao sistema capitalista predador? Teorias antigas que quando foram postas em prática deu no que deu...

Os dois param de andar. O sol avermelhado aparece tímido por traz das nuvens. Eles se olham demoradamente.

- Não estou exagerando nada! Não acredito em ideologias, como não acredito no sistema de domínio do homem pelo homem. Nada existirá se o homem não se libertar do vício da ganância. A única arma que eu conheço é o livre pensar, ela é a possibilidade de me libertar, é o meu caminho para uma nova vida, livre de tudo e de todos.

- Um lobo solitário das estepes?

- Uma onça na mata fechada pronta para o próximo ataque!

- Estamos em paz! Mas quem pode nos atacar meu amigo?

- Antes foi a gripe espanhola, hoje é a gripe mexicana. Sempre existirá um ataque frontal entre os grandes interesses do mundo capitalista e pode ter a certeza de quem paga a conta é a população indefesa, mal informada e doméstica.

- Você não acha que se todos sucumbirmos, com o fim da história, quem ficará para dourar o defunto, meu amigo?

- Não sou seu amigo! Conhecemo-nos hoje na praia! Você me perguntou se sou médico e não lhe respondi e você passou a caminhar comigo, provando da intimidade dos meus pensamentos chegando a dialogar com eles, o que mais posso lhe oferecer?

- O senhor é o médico que veio para a cidade combater o surto da gripe...

- Sim, sou o médico... E daí?

- É que minha família, os meus jovens filhos, estão todos doentes e precisam do senhor com urgência...

- Olhe meu caro, estou andando para descansar da desgraça que se abateu na cidade... As filas são fenomenais e falta o remédio nos hospitais... Muitos vão morrer!

- Não doutor, o senhor não está entendendo. Sou o homem mais rico da região e o senhor sabe das prioridades...

- Não sei não! Só sei que saio daqui novamente de volta ao inferno por um bom bocado de dinheiro.

- Dinheiro doutor? Até o senhor mudou?

- Nada mudou! Só se luta contra a força poderosa do capital com as mesmas armas que eles vêm nos atacar... Vamos ver sua família.

Os dois continuam a andar a beira-mar quando começa uma nova chuva fina a cobrir a paisagem do anoitecer na cidadezinha da costa brasileira.